Ao mesmo tempo em que a tecnologia amplia sua presença no cotidiano das pessoas, as fronteiras entre o físico e o digital vão se derretendo. Isso ficou muito evidente durante os cinco dias de conferências no South by Southwest, mais conhecido como SxSW, super evento sobre inovação, comportamento e tecnologias que costuma acontecer todo mês de março, em Austin, no Texas, e que neste ano ganhou uma versão virtual por conta da pandemia.
A futurista Amy Webb, estrela maior da maratona de palestras desse ano, definiu bem a nova realidade com uma frase: “O mundo físico e o digital estão entrelaçando-se de novas e surpreendentes maneiras.” E bota surpreendente nisso. Amy previu que em breve deixaremos de usar smartphones e passaremos a vestir óculos, fones de ouvido e anéis que cumprirão todas as funções dos nossos celulares e irão além. Também implantaremos no corpo chips que permitirão acompanhar, em tempo real, nossas funções vitais, inaugurando o tempo da YoT – You of Things, uma variante da tal internet das coisas.
Os sinais de que a divisão entre físico e digital está desaparecendo rapidamente não se restringem a novos “wearables“. O concerto virtual que o cantor Lil Nas X realizou na plataforma de games Roblox, para mais de 33 milhões de pessoas, é outro exemplo de como o universo gamer pode ampliar o alcance das marcas e abrir perspectivas para novos negócios, inclusive com a venda de produtos digitais. Varejistas, como Ralph Lauren, já vendem roupas para vestir avatares em jogos digitais e o McDonald’s brasileiro testou a venda de produtos dentro do Minecraft, instalando ali uma versão virtual da sua loja Méqui 1.000.
Nada, no entanto, é mais fascinante do que as possibilidades trazidas pelo Metaverso, universo virtual que converge para o ambiente físico. O Decentraland é um desses espaços, onde as pessoas podem comprar lotes de terreno virtuais, utilizando moedas reais. O Facebook também está testando seu próprio mundo, o Horizon, definido por eles como “uma experiência social onde você pode explorar, jogar e criar de maneiras extraordinárias”. Muito mais do que simples brincadeiras, esses novos territórios são importantes laboratórios para avaliar a receptividade de consumidores à criação de comunidades em espaços digitais, bem como à venda de produtos e serviços.
A ampliação da atuação das marcas para além das fronteiras das lojas físicas era um movimento que vinha aos poucos sendo incorporado pelos varejistas. A questão é que, como aliás acontece em diversos segmentos, a velocidade da mudança aumentou. Dramaticamente. Empresas como Peloton e Mirror permitem que aulas de spinning ou ioga sejam realizadas em casa, com os alunos interagindo em tempo real com professores e colegas, o que alarga de maneira impressionante a quantidade de pessoas se exercitando, ao mesmo tempo em que desafia o negócio das academias de ginástica. Tecnologias como o Microsoft Mesh viabilizam encontros profissionais ou sociais, permitindo que as pessoas se sintam como se estivessem no mesmo ambiente, por meio de projeções holográficas. E, dessa maneira, o velho conceito de tempo e espaço vai se tornando ultrapassado.
As implicações de tudo isso para varejo e shopping centers são gigantescas. Se a convergência entre lojas e e-commerce já é realidade, as possibilidades trazidas por novas tecnologias tanto obrigam a revisão de conceitos e modelos de negócio quanto determinam a abertura de novas frentes de trabalho fascinantes. Em breve, poderemos escolher entre ir ao shopping favorito presencialmente ou entrar na sua versão no Metaverso, podendo também encontrar amigos, visitar lojas e conversar com os vendedores, participar de eventos e até comprar um lanche na praça de alimentação, recebendo o pedido em casa. Novos e expandidos territórios.
Os maiores obstáculos para a implantação de tudo isso são a nossa própria dificuldade em lidar com o novo e nossa histórica aversão em largar velhos hábitos. William Gibson, pai do movimento cyberpunk, disse em 1999 a célebre frase: “O futuro já está aqui, só não foi distribuído igualmente entre todos.” Pois bem, as tecnologias que moldarão as novas realidades estão sendo agora distribuídas rapidamente, com ajuda da comunicação digital. A hora é de acelerar. O futuro é hoje à noite.
Luiz Alberto Marinho é sócio-diretor da Gouvêa Malls.
Imagem: Envato/Arte/Mercado&Consumo