A enorme tenda preta pode ser vista de longe, no estacionamento do Eldorado, tradicional shopping na zona oeste de São Paulo. Lá dentro, em um espaço de 2.800 m², 12 salas temáticas convidam as famílias a interagirem com cenários e personagens dos filmes da Pixar. É possível visitar a casa do rabugento Carl Fredricksen, de “Up – Altas Aventuras”, pilotar a mesa de controle de “Divertidamente” ou visitar a barbearia de “Soul”. Tudo com uma produção impecável, no padrão Disney.
Trata-se de Mundo Pixar, fascinante exposição interativa, inspirada no universo cinematográfico do famoso estúdio americano de animação. Imperdível, não? Bem, se você ainda não garantiu sua entrada, infelizmente terá que esperar até o ano que vem. Apesar do evento ainda permanecer no local até 23 de outubro, os ingressos para todas as sessões, de agora até lá, estão esgotados.
Agora faça a conta. Foram vendidos 3.900 ingressos por dia. Multiplicando isso pelos 84 dias em que Mundo Pixar estará estacionado no Eldorado, dá para concluir que o evento trará pelo menos 327 mil pessoas ao empreendimento. Além de faturar com estacionamento, alimentação e eventuais compras de conveniência, o shopping ainda recebeu um valor pela locação do espaço e reteve um percentual da bilheteria.
Bom negócio, não?
A união entre grandes eventos e shopping centers não é novidade. Nos anos 80, o BarraShopping importou para seu estacionamento apresentações dos golfinhos de Miami. Na década de 90, quando eu era gerente de marketing no Barra, construímos uma arena para 3 mil pessoas e promovemos shows da Disney. E realizamos desfiles da Semana BarraShopping de Estilo em tendas refrigeradas. A diferença é que, naquela época, os recursos eram na maioria das vezes bancados pelos shoppings.
Agora, shoppings e produtoras trabalham de mãos dadas, para fazer negócios que sejam bons para todos. Os centros comerciais ganham atrações capazes de gerar tráfego qualificado. E os produtores, que sofrem muitas vezes com a falta de locais adequados, podem contar com espaços bem localizados, com boa estrutura e uma base de clientes habituais. É o famoso ganha-ganha.
Turbinados por essas novas parcerias, os eventos ganharam ainda mais requinte, com a ajuda luxuosa da tecnologia. Como na exposição imersiva “Beyond Van Gogh”, que levou mais de 300 mil pessoas ao MorumbiShopping. Ou no passeio pelas obras de Renoir, ainda em cartaz no Pátio Paulista, em São Paulo.
O que está por trás dessa nova onda de grandes eventos em shopping centers?
A pandemia ajudou a consolidar o shopping como espaço de prazer, entretenimento, socialização, serviço, informação e descobertas. Por isso, é preciso, mais do que nunca, investir em experiências e novidades para atrair pessoas, abastecer o mall de gente, apoiar o negócio de lojistas e interessar anunciantes.
Para entender o benefício que um evento de porte pode agregar em termos de fluxo, basta olhar os dados sobre a procedência dos frequentadores do Mundo Pixar. De acordo com Sergio Nagai, superintendente do Eldorado, apenas 62% deles vivem em São Paulo. Outros 35% vieram de cidades circunvizinhas e 3% de fora do Estado. São clientes novos, que certamente consumiram no shopping.
Efeito semelhante experimentou o Passeio das Águas, shopping da Aliansce Sonae, que hospedou em junho a edição goiana da Campus Party. Em somente 4 dias, mais de 150 mil pessoas compareceram ao evento. Além do tráfego adicional, o Passeio das Águas ainda teve ganho em termos de imagem ao se associar a um inovador evento de tecnologia, orientado para um público jovem, que ele queria conquistar.
Existe ainda mais um aspecto relevante nesse movimento dos grandes eventos: a capacidade de gerar informação e alimentar a base de dados dos shoppings. A Multiplan, por exemplo, tem procurado oferecer vantagens para os usuários do seu app e do programa de fidelidade em eventos, como fila exclusiva e prioridade na compra de ingressos.
Felipe Reif, sócio-fundador da Deeplab, produtora de eventos brasileira com experiência internacional, diz que a questão dos dados dos clientes está sobre a mesa em todas as negociações com shoppings. “Respeitadas as limitações da LGPD, os shoppings nos pedem que sejam criadas experiências que estimulem os frequentadores a fornecerem espontaneamente seus dados”.
A Deeplab também trabalha para espaços culturais, como Museu do Amanhã, Centro Cultural Banco do Brasil e Oi Futuro. Por este motivo, pode produzir um insight interessante a partir da comparação entre as demandas desses locais e as dos shoppings.
“Museus e shoppings estão passando briefings muito parecidos para nós. Ambos querem ampliar o conhecimento dos seus frequentadores, mas de maneira divertida. E miram na conquista do público jovem”, comentou Reif.
Rodrigo Peres, diretor de Marketing da Multiplan, define o desafio do momento em uma única palavra: conteúdo. Para ele, levará vantagem quem conseguir oferecer conteúdo exclusivo e diferenciado, capaz de fazer as pessoas saírem de casa e irem até o centro comercial. Ele está certo. Esse é o principal motivo pelo qual grandes eventos estão assumindo um papel essencial na estratégia dos shoppings.
Ao contrário do que acontecia no passado recente, não são as ofertas nas lojas o que atraem o novo consumidor, e sim a certeza de que viverá experiências incríveis na sua próxima visita ao mall.
Tudo isso, no entanto, tende a favorecer ainda mais as redes maiores, em detrimento das menores e shoppings independentes. Para os produtores de eventos é melhor privilegiar parcerias com empresas capazes de garantir que o custo de produção inicial será diluído por vários empreendimentos, em praças importantes. Ou seja, aqui também, tamanho é documento.
Luiz Alberto Marinho é sócio-diretor da Gouvêa Malls.
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