Dois entre muitos Brasis

Toda simplificação é perigosa, quando não falsa. Imaginar apenas dois Brasis em qualquer aspecto na quantidade incrível de segmentações possíveis da realidade brasileira é seguramente uma simplificação perigosa e falsa. Mas parece que estamos caminhando para esta realidade ao separarmos os comportamentos éticos e não éticos no momento atual do país. Sem meio termo.

Tanto quanto, só para repetir, não existe meia gravidez. As questões sexuais, raciais, étnicas e comportamentais moldaram um país plural em quase todos os aspectos, onde a diversidade é uma marca presente e constante e que se tornou umas das principais características, das mais admiradas, no Brasil.

Foi marcante a ideia de que o Brasil seria um “melting pot of civilizations“ , caldeirão de civilizações, envolvendo a mistura de raças e culturas, como foi descrito pelo historiador inglês Arnold Toynbee, com tudo que isso possa ter de inúmeros aspectos positivos mas, trazendo consigo também alguns negativos envolvendo os resultados dessa mescla.

Em momentos mais recentes, especialmente, nas últimas eleições presidenciais começou a grassar a ideia esdrúxula e oportunista de dois Brasis, o que pensa no social e o que pensa na acumulação de riquezas e, pós-eleições, aprofundou-se a proposta de cizânia, gerando novas absurdos do tipo Norte-Nordeste e Sul-Sudeste, pobres e ricos, comprometidos e não comprometidos, capitalistas e explorados, num discurso que tenta desviar a atenção dos verdadeiros e reais problemas que o país enfrenta que vão muito além do quadro econômico e financeiro.

No plano econômico-financeiro ficou evidente que foram os equívocos e escolhas inadequadas que nos trouxeram ao ponto em que nos encontramos: o país num atoleiro, como coloca em matéria da capa a revista The Economist, em sua edição deste fim de semana. A mesma revista que, também em matéria de capa em 2009, colocava o Cristo Redentor decolando como um foguete e sinalizando o momento de crescimento e expansão da economia brasileira.

Seis anos depois a revista destaca para o mundo a visão de um país perdido em sua direção, mergulhado no atoleiro, muito mais abrangente que o econômico. A própria revista já havia sinalizado essa reversão em outra matéria de capa, em 2013, quando, ilustrada pelo mesmo Cristo, em mergulho sem direção, perguntava se o Brasil tinha estragado tudo.

Provavelmente, como em outros momentos recentes, se vai colocar em cheque a capacidade e competência da revista para fazer a análise e tirar suas conclusões, como há pouco se fez quando foram rebaixadas as notas atribuídas à Petrobrás pela agencia de análise de risco Moody’s. Um dos sintomas do comportamento neurótico é a negação da realidade como descrito por Freud.

No quadro atual a ninguém é dado o direito de desconhecer a amplitude e profundidade dos problemas que o Brasil enfrenta, resultado de seus próprios erros e que nos colocam em situação vexatória perante o mundo e nos equiparam a republiquetas sub-mundistas e desprezando sermos uma das dez maiores economias do Mundo.

Os dois Brasis que convivem no mesmo território, muito acima de qualquer outra forma de classificação, são representados pelo Brasil Ético e o pelo Não Ético e, lamentavelmente, como temos sido cada vez mais conscientes, sequer podemos separar o Brasil do setor Privado do Brasil do setor Público, o que tentamos no passado, à medida que percebemos que parcelas relevantes do setor privado, representadas por empresas que, sem qualquer destemor, jogavam o jogo aberto da corrupção para expandir sua atuação e que agora alegam terem sido obrigados e coagidos a isso.

Hipocrisia deveria ter limite. Como já mencionamos anteriormente, a geração que aí está já conviveu com inúmeras crises econômicas e soube se sair muito bem. E não será diferente desta vez até porque a parcela ética e comprometida com o futuro do Brasil é muito maior no conjunto do país, apenas muito menos organizada e com incrível incapacidade de se mobilizar.

O que assusta, preocupa, exige indignação e, mais importante, ação e mobilização, é a crise moral e ética que assola o país. E aparentemente nessa matéria nunca fomos muito bons em controlar, haja visto o estado que nos encontramos no momento. Mais do que reflexões é preciso aprender a agir e debelar esse mal que assola o Brasil.

Marcos Gouvêa de Souza (mgsouza@gsmd.com.br) diretor-geral da GS&MD – Gouvêa de Souza.

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