“Foi buscar lã e saiu tosquiado” é uma expressão popular que bem representa o que acaba de acontecer com o varejo nas discussões que envolveram a regulamentação da entrada de produtos produzidos no exterior por meio da concessão de isenção para remessa de até US$ 50 FOB (Free On Board, ou em valores brutos).
A ideia original dessa concessão sempre foi a de aceitar pequenas remessas feitas como presentes ou lembranças de quem morasse no exterior para parentes ou amigos no Brasil, isentando esses envios de tributação de importação usualmente pagas por todos que operam legalmente no Brasil.
Até que plataformas globais, percebendo a fragilidade dos sistemas de controle aduaneiro, descobrissem o mecanismo e passassem a inundar o mercado formalizando o contrabando digital em flagrante desrespeito ao espírito da proposta.
E por esse canal entupiram o mercado brasileiro com produtos produzidos no exterior, sem pagamento de impostos e taxas devidos em flagrante e inaceitável concorrência desleal e desigual com as empresas que operam legal e formalmente no País.
Identificado e mensurado o tamanho da insensatez que havia se transformado essa concessão, o governo, pelo Ministério da Economia, propôs controlar melhor e taxar esses envios para resgatar a equidade concorrencial.
Foi obrigado a recuar pelo clamor vindo das redes sociais, devidamente orquestrado.
Agora, em nova mobilização, com a finalidade de tentar o equilíbrio possível entre o flagrante desrespeito e o clamor popular, propõe um melhor sistema de registro e acompanhamento da atual transgressão e a taxação única equivalente a 17% de ICMS, mantendo isenção das importações.
E mantém a situação inaceitável de obrigar as empresas industriais e comerciais que operam legalmente no País a concorrerem em desigualdade de condições com empresas internacionais, que remetem produtos sujeitos apenas ao pagamento de um ICMS de 17% em vez de toda a carga tributária incidente e prevista em lei.
Talvez a ação mais interessante dessa intrigante medida seja estimular que as empresas nacionais abram negócios em países vizinhos, como Paraguai, Uruguai e outros, e passem a atuar a partir de lá para também se beneficiarem dessa situação. Descobriram a fórmula para exportar o varejo brasileiro e exportar produtos brasileiros para esses países, para depois retornarem, se beneficiando da concessão.
Tudo parece conspirar para medidas de forte apelo popular em detrimento do que é melhor para a nação, comprometendo o futuro do emprego, da renda e dos negócios das empresas formais que operam no Brasil.
Em verdade, o País e a nação saem tosquiados.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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