Em 1975, um engenheiro de 24 anos, chamado Steven Sasson, enquanto trabalhava na Kodak, criou a máquina fotográfica digital. A reação dos seus superiores, quando ele mostrou a ideia, foi mais ou menos essa: “muito legal, mas não fale sobre isso com ninguém”. Entrevistado, muito tempo depois, pelo The New York Times, Sasson disse ter escutado dos chefes que fotos impressas haviam sido o padrão nos últimos 100 anos, que não existiam queixas sobre elas e nem motivos para as pessoas preferirem ver suas imagens em uma tela.
Na época, a Kodak dominava o mercado de fotografia e seu modelo de negócio girava em torno da fabricação de câmeras, filmes, revelação e impressão em papel fotográfico. Havia ainda as redes de lojas especializadas em revelação de fotos. Na década de 80, quando Sony lançou seu primeiro modelo de câmera digital, a Kodak fez um amplo estudo com consumidores. O resultado mostrou que ela tinha ainda uns 10 anos para se preparar para a transição do impresso para o digital. As conclusões estavam certas. O problema é que a Kodak deixou o tempo passar, pouco fez, e quando quis reagir era tarde demais. Em 2012 a icônica marca, desde sempre sinônimo de fotografia, entrou em processo de falência.
O exemplo da Kodak serve de alerta e inspiração para muitas indústrias, inclusive a de shopping centers. Não apenas no Brasil, empreendedores e administradores de shoppings já entenderam que estão vivendo o “momento Kodak”. A dúvida é: quanto tempo possuem para promover a transição para um novo modelo de negócio?
Há três anos, aqui mesmo na Mercado&Consumo, nós já avisávamos que o maior risco para os shoppings seria calcular errado a velocidade da mudança. Se isso já era claro naquela época, imagina agora, depois da pandemia?
Outro dia, durante workshop com um cliente, expliquei que o mais difícil para mim, durante as aulas na autoescola, foi aprender o jogo de pedais. Coordenar o movimento da embreagem com o do acelerador, para um novato, não era tarefa simples. Mal comparando, é mais ou menos esse o desafio que enfrentam os shoppings neste momento. Precisam encontrar o ritmo ideal para promover, sem solavancos, a transição de um modelo de negócio bem-sucedido, baseado no real estate, para um novo território, ainda repleto de incertezas do ponto de vista da rentabilidade.
Seria injusto dizer que, assim como fez a Kodak nos anos 80, os shoppings brasileiros estariam vendo o tempo passar na janela. Muitos já começaram a se movimentar. Operações de serviços, entretenimento e alimentação são mais representativas no mix dos centros comerciais. Diferentes iniciativas relacionadas com a omnicanalidade estão sendo testadas. Algumas companhias têm colocado em prática planos ousados para ampliar a participação do mall como canal de mídia para grandes anunciantes. Projetos sofisticados de CRM estão saindo do papel.
Por outro lado, é preciso admitir que essas ações ainda se concentram em um punhado de redes mais estruturadas. A maioria dos shoppings brasileiros, ainda baqueada com as consequências da pandemia, procura equilibrar-se entre as necessárias medidas de recuperação de receitas e de investimento no futuro. Não é tarefa fácil.
Uma profunda transformação no negócio dos shoppings está em curso. Ainda há tempo para embarcar nessa jornada. Só não dá para postergar a decisão de planejar a velocidade da transição. Portanto, mãos à obra, porque não há dúvida: os shopping centers estão vivendo seu momento Kodak.
Luiz Alberto Marinho é sócio-diretor da Gouvêa Malls.
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