O primeiro dia da NRF Asia Pacific, em Singapura – evento que se encontra em sua segunda edição -, já deixou algo evidente: o varejo do futuro está sendo moldado aqui, na Ásia.
A abertura foi conduzida por Isabelle Allen, global head de Consumer & Retail da KPMG, que iniciou com uma frase poderosa: mais da metade do crescimento do varejo global vem da Ásia. Uma afirmação que é ao mesmo tempo um alerta e um convite para olharmos com mais atenção para essa região.
Confira abaixo os principais insights do primeiro dia de evento.
Ásia: o novo epicentro do varejo global
A Ásia não é mais apenas um mercado promissor. É, hoje, o centro gravitacional da inovação no varejo. Foi daqui que surgiram os super apps, plataformas que integram compras, pagamentos, entretenimento e muito mais. Também nasceu aqui o live commerce, modelo de vendas por transmissão ao vivo que combina engajamento e conversão como poucos canais conseguem.
Eventos como o Singles Day (11/11), que movimenta bilhões em vendas, são apenas a ponta do iceberg. Em termos de sustentabilidade, o Leste Asiático também lidera, com iniciativas como lojas sem embalagem na Coreia do Sul e programas de reparo e revenda no Japão.
E, quando falamos em marcas asiáticas ganhando o mundo, podemos citar algumas conhecidas como Shein, Jollibee e Mr. DIY, que já estão impactando o varejo ocidental com propostas ousadas e altamente eficientes.
Vale lembrar que os players mais fortes do e-commerce no Brasil hoje são da China: AliExpress, Shein, Temu, TikTok Shop – um sinal claro de que a influência asiática já é parte do nosso cotidiano de consumo.
Gerações que reescrevem as regras
A força das Gerações Z e Alpha é outro fator que vem moldando o novo varejo, como mostra a NRF Asia Pacific.
Com mais de 1 bilhão de jovens consumidores (somando, por exemplo, Índia e China), essas gerações ditam novas expectativas: conveniência, personalização e responsabilidade social.
E já não basta ser digital: é preciso ser relevante, conectado e, acima de tudo, autêntico.
Os paradoxos do varejo moderno
O varejo vive hoje um momento paradoxal. Nunca estivemos tão conectados globalmente e, ao mesmo tempo, o nacionalismo cresce em diversos mercados.
A tecnologia avança, mas o desejo por conexão humana real só se intensifica. Coletamos toneladas de dados, mas nem sempre conseguimos transformá-los em um entendimento genuíno do consumidor.
Outros dilemas latentes:
- Padronização versus personalização.
- Treinamos o cliente para esperar tudo instantaneamente, mas esse modelo não é sustentável nem viável economicamente.
- Os empregos estão sumindo, mas talentos estão escassos.
- Todos reclamam da desinformação, mas confiam em desconhecidos online.
- Regulamentação é crítica para crescimento, mas as regras são inconsistentes e defasadas.
Vivemos um mundo onde dois opostos podem ser verdade ao mesmo tempo.
Varejo inteligente e o papel da IA generativa
Não dá mais para ignorar o papel crescente da Inteligência Artificial no varejo, especialmente da IA generativa. Mas o recado é claro: não adote por modismo.
Use com estratégia, alinhada aos desafios reais do seu negócio.
Projetos isolados e pilotos sem continuidade não trazem resultado. Inteligência Artificial precisa estar integrada à estrutura organizacional, apoiando tanto a experiência do cliente quanto a performance do negócio. Mas, antes de qualquer coisa, é preciso olhar para dentro: sua empresa tem a infraestrutura de dados e TI necessárias para isso?
Essa autoavaliação é o primeiro passo para avançar com consistência.
Uma conclusão possibilista
A conclusão do dia é inspirada na fala que Isabelle Allen usou para encerrar a abertura da NRF Asia Pacifc. A proposta é poderosa: adotar um espírito possibilista, um misto de otimismo e realismo. A ideia é encarar os desafios com coragem, ouvir com profundidade, compartilhar ideias e, principalmente, desafiar as suposições que carregamos.
Vivemos um momento em que padronização e personalização, automação e empatia, inovação e disciplina podem (e devem) coexistir. O tema do evento, Retail Unlimited, não poderia ser mais apropriado. As possibilidades são, sim, ilimitadas, desde que estejamos dispostos a aprender com o que está acontecendo do outro lado do mundo.
O futuro do varejo está sendo escrito aqui, na Ásia. E ele está longe de ser previsível, mas certamente está repleto de oportunidades para quem estiver disposto a enxergá-las.
Janice Mendes é sócia-diretora da Gouvêa Malls.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
Imagem: Mercado&Consumo