A indústria de commodities pode ser customer centric?

café

Na semana passada, a Gouvêa Consulting foi convidada para palestrar em um evento para produtores de commodities. Frente ao desafio estabelecido, nos perguntamos como abordar temas de nossa expertise – principalmente falar de varejo – junto a um ramo que fica do outro lada da cadeia produtiva.

O Brasil é reconhecido mundialmente por sua produção de commodities. Segundo estudo publicado em setembro pela Insper Agro Global, em 2022, o País reforçou sua posição como potência mundial na exportação de produtos agrícolas, com embarques totais de US$ 158,9 bilhões (R$ 802,4 bilhões na cotação atual), um crescimento de 32% em relação a 2021.

No mercado de commodities, mais do que as empresas, os países se diferenciam e sustentam sua competitividade com estratégias que permitem – dados os preços, cotados no mercado internacionais – ter custos baixos e aumento da produção. Neste sentido, a produtividade e eficiência são os grandes desafios para esta indústria.

Para operar com a maior eficiência e produtividade possíveis, é essencial ter em conta os aspectos citados abaixo:

Mesmo com a vasta disponibilidade de áreas agricultáveis no Brasil, é sabido que o grande desafio é o aumento da produtividade, pois a expansão da produção com base na expansão da área traz consigo grande dano ambiental, principalmente vinculado ao desmatamento.

Como pode-se observar, estes fatores que determinam a competitividade das commodities estão centrados na produção e levam pouco em consideração um olhar mais centrado no consumidor final. Este aspecto deve-se ao fato de que o consumidor imediato da indústria de commodities é outra empresa, que utiliza a commodity como matéria-prima para manufatura de outros bens. Mas, no final de qualquer cadeia produtiva, sempre existe um consumidor final.

Neste sentido, a reflexão sobre o consumidor final é sempre importante e um exemplo muito ilustrativo pode ser levado em consideração e nos sensibilizar a pensar para além das commodities. O que podemos aprender com a indústria do café?

Segundo dados apresentados pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil (MRE), em conjunto com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o Brasil é tradicionalmente o maior produtor e exportador de café do mundo. Entre os séculos 19 e 20, o superávit de renda gerado pelo café foi um dos responsáveis pelo processo de industrialização brasileiro que se consolida na década de 1930.

Atualmente (dados de 2022), o Brasil preserva 60% de sua vegetação nativa e cultiva apenas cerca de 7,6% de suas terras para a produção agrícola. Oito milhões de empregos são gerados pelo setor cafeeiro no País e 72% dos produtores de café são pequenos proprietários e agricultores familiares. O Brasil também é o maior produtor mundial de café com certificação: aproximadamente 28% do café certificado comercializado no mundo é brasileiro, com foco em sustentabilidade e rastreabilidade e com uma crescente presença de café orgânico.

O café é também o produto brasileiro com maior número de Indicações Geográficas (IGs) registradas no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi). É importante entender que os últimos aspectos citados – sustentabilidade, rastreabilidade, orgânicos e IGs – são demandas do consumidor direto. Estas demandas refletem não somente o interesse pela qualidade do café, mas a sua ligação especial com aspectos intrinsecamente emocionais e que representam a experiência do café, como paisagem, história, território, o elemento humano e a cultura nacional.

Ademais da produção de café, o nicho se expande em cafeterias, outros e novos modelos de negócio, como o café como comunidade, os blandings premiados e as demais certificações. Atualmente, o café tipo C (commodity) é negociado por aproximadamente US$ 150 na bolsa de Nova York. Uma saca de café super premium pode custar 20 vezes mais do que a do café tradicional. E a agregação de valor é maior ainda quando o café é vendido no formato de uma experiência diferenciada ao cliente.

O consumidor atual busca experiência diferenciada, informação, customização, hiperconveniência. Este consumidor está mais conectado que nunca. Busca consumir de forma consciente, quer saber como as marcas que consome se posicionam, se estão preocupadas com questões sociais, ambientais etc. Quer consumir qualidade a um preço justo. E, ressalta-se novamente, no final de qualquer cadeia produtiva, sempre há um consumidor final.

A indústria do café amadureceu e atualmente se diversificou para nichos que vão além do café commodity, sem que o café commodity tenha deixado de existir. Os caminhos para agregação de valor da indústria cafeeira exigiram uma estratégia focada de longo prazo, investimento massivo em marketing e branding, criação de certificações diversas, principalmente IGs, e o preparo intenso de toda a cadeia de produção para se colocar ao amparo das novas necessidades do consumidor.

O café nos mostra que uma mercadoria tipicamente comoditizada pode se diversificar de maneira a se tornar completamente centrada no cliente – ou costumer centric – desde a produção até a experiência final. A provocação aqui feita é: qual será a próxima indústria de produção típica de commodities que irá se tornar centrada no cliente?

O tempo está passando e o futuro já está descrito. O consumidor atual demanda uma nova postura, inclusive destes segmentos, que hoje perdem a oportunidade de se tornar cadeias de alto valor agregado, por meio de uma estratégia de diversificação para satisfazer estas novas necessidades.

Carolina Cândido é consultora na Gouvêa Consulting.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.

Imagem: Shutterstock

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