O que shoppings e museus têm em comum?

O que shoppings e museus têm em comum?

Uma das atividades mais prazerosas, para mim, é entrar em uma livraria, sem objetivo definido. Simplesmente passear pelas bancadas e prateleiras para descobrir novos títulos e autores, me surpreender com os lançamentos e apreciar novas edições de obras antigas. Dificilmente, vou embora sem comprar alguma coisa. Nesses tempos digitais, em que as pessoas têm nos canais de compra online uma opção tão conveniente para adquirir aquilo que já sabem o que querem, favorecer descobertas pode ser uma estratégia poderosa. Nesse sentido, os shopping centers podem buscar boas referências em outros setores. Como os museus, por exemplo.

Pensei nisso enquanto lia “O Futuro dos Museus”. Uma obra que, a propósito, descobri por acaso, navegando a esmo por uma boa livraria. Nela, András Szántó, consultor húngaro especializado em estratégias culturais, discute a nova definição de museu e os rumos do setor, a partir de entrevistas com 28 líderes de museus de arte ao redor do mundo.

Para quem não acompanha o assunto de perto, vale uma observação. Em setembro de 2019, o ICOM (Conselho Internacional dos Museus) propôs uma nova definição para esses espaços. Ao final de intensos debates, que duraram três anos, prevaleceu a ideia do museu de arte como algo maior do que apenas um depósito do belo e valioso. A ênfase passou para a função de servir as necessidades da sociedade como um todo.

Também os shoppings estão em meio a um processo de redefinição de sua própria identidade. Assim como os museus, os centros comerciais estão evoluindo para atender necessidades mais abrangentes dos seus frequentadores.

Por tudo isso, vale a pena listarmos cinco reflexões importantes, produzidas a partir do conteúdo do livro de Szántó, que podem inspirar shopping centers no Brasil.

1. Ampliar público – Os museus estão em busca de novos frequentadores para aumentar o volume de visitas presenciais. Para isso, estão indo até as pessoas, em vez de apenas esperar que elas apareçam. Isso inclui programas com escolas, eventos temáticos, rodas de conversas sobre assuntos específicos e por aí vai.

A meta é identificar os segmentos que compõem a comunidade à qual o museu serve e criar vários “museus”, com abordagens diferentes para cada segmento, contando diferentes histórias: sobre arte, moda, arquitetura, design. Isso, é claro, também serve para os shoppings.

Mais um ponto em que museus e shopping centers convergem: ambos precisam de renovação contínua, sempre acompanhando as velozes mudanças da sociedade.

2. Espaços de encontros e descobertas – Bibliotecas estão tornando-se espaços de aprendizado, mais do que um lugar para livros. Farmácias deixam de apenas vender remédios para promover saúde. Da mesma forma, museus querem se posicionar como espaços públicos onde as pessoas vão para aprender, encontrar gente e trocar ideias. Tendo a arte como catalizador de conversas. Querem ainda ser refúgio e cura para o estresse cotidiano.

Shoppings têm um enorme potencial de também provocar conversas e reunir pessoas em torno dos produtos e serviços comercializados em suas lojas, restaurantes e operações de entretenimento. E isso pode ajudar a aumentar conversão, a partir de conteúdo.

3. Desenvolver artistas – Uma das preocupações dos museus deve ser identificar e desenvolver artistas locais. O mix de obras de arte deve conter tanto trabalhos reconhecidos internacionalmente quanto aqueles que retratam a cultura da região. Afinal, as pessoas gostam de ver suas histórias e realidade retratadas no seu museu.

Da mesma maneira, os shoppings deveriam apoiar lojistas regionais e locais, capazes de estabelecer conexões e engajamento com a comunidade onde estão inseridos.

4. Evoluir modelo de negócio – Com a pandemia, os museus de arte precisaram ampliar o acesso às suas obras ao ambiente digital. Com isso, as vendas de ingressos foram afetadas. Ao mesmo tempo, houve pouca diversificação nas fontes de receitas.

Embora o desafio seja mais urgente para os museus, também os shoppings estão de olho na ampliação dos resultados. Tudo indica que, em ambos os casos, a migração para o negócio de plataforma seja um caminho auspicioso.

5. Desaprender para avançar – Um dos pontos de consenso entre os executivos entrevistados no livro “O Futuro do Museu” é a necessidade de renovação no mindset dos museus de arte. Isso significa coragem para romper os códigos tradicionais, aceitar que sua liderança não possui todas as respostas e abandonar, em parte, a cautela excessiva que marca o setor. O que passa pela renovação do perfil de dirigentes, curadores, equipes, abraçando maior diversidade. Obviamente, a diversidade também precisa se refletir nas obras dos museus.

Não preciso nem dizer o quanto tudo isso se aplica aos shoppings, certo?

Além desses cinco pontos de reflexão, há várias perguntas que Szántó faz no livro que são importantes também para o universo dos shoppings. “Como será o museu do futuro? A quem ele servirá? Que formas vai assumir? A quais necessidades ele vai responder e de que maneira fará isso?”

A palavra museu se originou do grego antigo “mouseion”, que significa “Casa das Musas”. Ele é, portanto, um lugar de inspiração. O shopping center não explora tanto os aspectos de inspiração, curadoria, descobertas. Convida pouco seus frequentadores a explorarem o rico universo de consumo exposto em suas vitrines.

Como cantou Gilberto Gil, em sua música “Rep”, “o povo sabe o que quer, mas também quer o que não sabe”. Os shoppings podem ser um incrível espaço de descobertas, apresentando aos consumidores coisas que eles querem, mas não sabem. Parafraseando Cazuza, outro grande poeta na nossa música, podemos ser “um museu de grandes novidades”.

Sentiu-se inspirado por alguma dessas ideias? Boa. Agora é só arregaçar as mangas e fazer acontecer.

Luiz Alberto Marinho é sócio-diretor da Gouvêa Malls.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
Imagens: Divulgação

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