Em uma guerra nenhum lado realmente sai ganhando. Mesmo estando longe fisicamente, sentiremos localmente na nossa sociedade e economia os impactos dos conflitos na Ucrânia.
Impacto no consumo
No Brasil, o aumento no custo do petróleo impactará no preço dos insumos que usam a matéria como base. Nossa dependência de transporte terrestre acarretará um efeito dominó de incremento em custo na cadeia produtiva.
Um dos pilares nossa economia, o agronegócio, será colocado em xeque pela incógnita de como será a importação de fertilizantes e químicos, que têm forte dependência da Rússia e Belarus. A saída da Rússia do sistema Swift impossibilita a importação, mesmo que haja a vontade de fazer negócios.
Além disso, as oscilações das moedas estrangeiras trarão consequências duras nas nossas importações e possível frenagem em investimentos internacionais no Brasil, abalando nosso desempenho.
O posicionamento do governo do Brasil sobre o conflito – que, apesar de mencionar “equilíbrio”, nas atitudes demonstra dualidade – pode trazer riscos nas negociações frente a outras nações e investidores internacionais.
Mesmo com a boa notícia da redução no IPI em até 25%, que tem grande potencial para alavancar a indústria, o varejo e arrefecer a inflação, é fato que teremos mais um ano desafiador, pois, além da guerra, já estávamos contando com o esforço da retomada da pandemia combinado com incertezas eleitorais, além de Copa do Mundo, que interferem no calendário produtivo e de consumo.
Impacto comportamental
Do ponto de vista emocional, a guerra impacta como tendência de consumo no inconsciente social porque sempre há um aumento da ansiedade coletiva – que já estava muito abalada pelo período pandêmico.
Por mais que os líderes de diversos países insistam em dizer que não estão na guerra, uma vez que não estão enviando tropas, na realidade estão todos envolvidos. A guerra não é só física, é econômica e social. As decorrências dela têm impacto em toda sociedade global.
Há um forte medo coletivo atrelado ao temor de guerras e seus desdobramentos.
A resultante dessa ansiedade social coletiva, em geral, estabelece movimentos dicotômicos:
- Movimentos expansivos: maior consumo de supérfluos, bebidas, viagens, viver o momento, o advento do efêmero;
- Movimentos introspectivos: busca pelo seguro, concreto, laços culturais, valores tradicionais, patriotismo, ajuda ao próximo, respeito.
Fortalecimento do ESG acelerado pela digitalização
A decorrência desses movimentos mais introspectivos enalteceu o ESG (componentes Ambiental, Social e de Governança, ou Environmental, Social and Governance, em inglês) nas pautas governamentais e empresariais.
O fortalecimento de valores tradicionais e patriotismo presentes em diversos momentos nesses últimos dias, seja no empoderamento do Presidente da Ucrânia, seja nos discursos inflamados dos grandes líderes globais e nas demonstrações de apoio ao povo ucraniano pela maioria dos países, com manifestações, voluntariado e apoio financeiro, são algumas dessas manifestações.
O ESG ganha força também entre marcas admiradas que, como é esperado por seus consumidores, se posicionaram frente a situação.
Isso tudo foi extremamente acelerado pela digitalização. A velocidade com que o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, ascendeu como força política, como inspiração de valores modernos, a possibilidade de ver o que acontece na Ucrânia em tempo real, a respostas dos países, instituições e marcas mostram o poder do mundo conectado.
Ver as imagens da guerra, acompanhar segundo a segundo o que ocorre, isso nos transporta para lá. Vemos o quanto somos frágeis como sociedade, o quanto o que ocorre lá pode ocorrer aqui, como posições extremadas podem interferir no desenvolvimento positivo da sociedade brasileira. Nesse contexto, esse movimento positivo do ESG nos dá esperança, como sociedade, de que isso possa servir de exemplo e inspiração para nossos negócios e população.
Como Yuval Noah Harari comentou em artigo recente para o The Guardian, Putin já perdeu, porque, por mais que ganhe belicamente, o impacto deixado na sociedade como fortalecimento de valores, união e coragem é incomensurável: “A guerra na Ucrânia moldará o futuro do mundo inteiro. Se a tirania e a agressão forem permitidas, todos sofreremos as consequências. Não há razão para permanecer apenas como observadores. É hora de se levantar e fazer a diferença.”
Karen Cavalcanti é sócia-diretora da Mosaiclab, área de inteligência de mercado da Gouvêa Ecosystem.
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