Extensão de marca e o fim da abundância

Estava começando a organizar algumas ideias para este artigo quando li uma entrevista da Kate Ancketill, CEO da consultoria britânica GDR, nesta revista MERCADO&CONSUMO. Um dos temas centrais da entrevista trata da era em que pouco a pouco estamos entrando, a era do fim da abundância. Bingo! Era disso de que eu precisava para evoluir no artigo.

Nada melhor para falar sobre extensão de marca do que ter como pano de fundo o fantasma da redução da abundância de que fala a consultora na revista. Afinal, extensão de marca é quase um sinônimo de expansão de negócios, mas combinada com a contração de esforços e recursos.

E, mais, extensão de marca é a garantia de segurança na compra e um jeito de fugir de riscos que comprometem o orçamento das famílias. Quando eu confio no creme dental Colgate, eu sei que posso confiar também em sua escova de dentes e no fio dental. O que foi a maravilhosa evolução de Dove senão uma orquestrada derivação de produtos que gravitam em torno da ideia de hidratação?

O século 20 foi o século da criação das grandes marcas que conhecemos hoje. Marcas que estão em nossas despensas, nossos banheiros, guarda roupas, garagens. Este novo século é o da multiplicação do uso dessas marcas em novas categorias de negócio, em novas gôndolas de um supermercado e prateleiras de lojas. Extensão de marca é uma das ferramentas mais poderosas de desenvolvimento de novos negócios. Mas não se arrisque!

Para quem está preparado, há razões suficientemente fortes para que a extensão de marca não seja apenas uma aventura. Quais razões?

A primeira delas é a comparação entre os custos envolvidos neste processo de extensão de marca confrontados com os que são necessários para começar uma nova marca do zero. Não tenho números para comprovar esta diferença, mas a voz sábia do mercado já pronunciou sua sentença: atualmente, mais de 70% dos produtos de consumo e duráveis no Brasil, segundo estudo da Troiano Branding, são extensões de alguma marca já existente.

A segunda razão é o fato de que extensões de marca tendem a fortalecer a própria marca-mãe. Extensões não são apenas uma ferramenta de abertura de novos territórios para os produtos da marca. São também um dispositivo para o desenvolvimento do poder da marca original. Trata-se de uma engenhosa ferramenta para incrementar o valor deste ativo. E não só de um ponto de vista mercadológico, mas também financeiro. Uma família de produtos sob a mesma marca é uma geradora de fluxos de caixa naturalmente maiores do que a marca com um único produto isoladamente. Ou seja, mais produtos, maior fluxo de caixa, marcas com maior valor econômico.

A terceira razão se aplica particularmente ao mercado business-to-consumer. Espaço para colocação de produtos no varejo é uma conquista cada vez mais árdua. Marcas já existentes, que disponham de reconhecimento e prestígio, têm muito mais abertura para conquistar espaços. Sua “folha corrida” é uma garantia antecipada de resultados.

A quarta razão é o relacionamento com consumidores e a noção de customer equity. Como fazer para gerar mais negócios com o mesmo consumidor? Fazendo com que a marca possa acompanhá-lo em outras categorias de produto além daquela em que ela atua originalmente. A marca Ypê acompanha seu cliente ao longo de um percurso que começou com sabão em pedra e, hoje, o atende com detergente líquido, detergente em pó, limpador multiuso, amaciante… Extensões de marca incrementam o customer equity, ou seja, aumentam a importância que cada cliente ou consumidor tem para a empresa. E por isto, de alguma forma, deslocam o eixo de preocupações mercadológicas: de uma disputa por market share para um esforço de consolidação nas relações mais permanentes com os “mesmos” consumidores.

A quinta razão. Quando Dona Benta, até então somente farinha de trigo, lançou mistura pronta para bolo, muita gente já imaginava que esse novo produto já existia. Será? Sim, já existia na “gôndola mental” dos consumidores/as. Quando a empresa identifica o que já está na “gôndola mental”, vá em frente. Mas se franzir a testa como quando viram pizza McDonald’s na década de 1990 (nos EUA), desista desse caminho. E por falar em franzir a testa, vejam este outro erro crasso: roupas íntimas Bic, juro que tentaram!

Portanto, bem-vindos ao século das grandes famílias! Bem-vindos ao século da extensão de marca! O que começou timidamente há algumas décadas está explodindo agora e, até chegarmos a 2030, teremos um novo e fascinante mundo de concentração em torno de marcas-mãe mais poderosas do que nunca, cercadas de uma ampla prole.

Jaime Troiano é CEO da Troiano Branding.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
Imagem: Shutterstock

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