Quase chegado o meio do ano e é possível afirmar haver um certo sentimento de frustração ao se analisar as expectativas versus a realidade do primeiro semestre de 2024. Por mais que as expectativas para o ano fossem tímidas, embebidas em incertezas, ainda assim, previa-se arrefecimento inflacionário, crescimento modesto de PIB, uma certa estabilidade cambial e redução paulatina da taxa de juros.
A previsão era “morna”, com os agentes “em cima do muro”, podendo virar para positiva ou negativa, decorrente do que aconteceria ao longo do ano. O que acontece é que diversos fatores têm impedido que esse cenário vire para o positivo, e, aos poucos, o mercado passa a sinalizar que espera novo aumento nos preços, no câmbio, nos juros e estabilidade no crescimento, desenhando-se mais um ano de desafios para a economia brasileira.
Apesar do cansaço, sinalizado pelo pequeno recuo do Índice de Situação Atual (ISA), que mede como é interpretado o momento atual da economia pelo consumidor em 0,1 ponto, o brasileiro mantém-se otimista em relação ao futuro, com o Índice de Confiança do Consumidor (ICC da FGV) registrando melhora nos meses de março e abril.
A sensação, que aos poucos começa a ficar mais evidente, é de que 2024 também será um ano difícil, decorrente dos acontecimentos recentes, nacionais e internacionais (conflitos bélicos, eventos climáticos extremos – como a tragédia vivenciada no Rio Grande do Sul –, incertezas em relação à condução da política econômica etc.).
Em 2022, o dicionário britânico Collins elegeu o termo “permacrise” como a expressão do ano, referindo-a a um período extenso de instabilidade e insegurança. Para o brasileiro, este termo faz muito sentido. Em 2024, o Brasil contabiliza 10 anos em crise, ora política, ora econômica, ora decorrente da pandemia de coronavírus, ora climática, ora de todos estes fatores “juntos e misturados” e outros mais. Mas, o fato é que 10 anos de crise desafiam até o próprio termo crise que, em economia, é utilizado para caracterizar uma fase do ciclo econômico. No caso brasileiro, 10 anos de crise é mais aderente às características de uma permacrise do que de uma crise em si, que se espera ter começo, meio e o tão esperado fim.
O cenário de permacrise está posto. Não é raro encontrar pessoas céticas em relação ao futuro e não é simples desvendar os motivos pelos quais o mundo passa por um período de permacrise. A permacrise afeta os governos, as empresas e agrava o quadro já limítrofe de saúde mental da população. O cenário de permacrise reflete-se em aumento da pressão sobre as pessoas e é necessário e urgente encontrar um caminho que leve a economia mundial de volta à bonança e ao crescimento. Este artigo não irá romantizar a permacrise dizendo que há oportunidades neste cenário, mas convidará o leitor a ter uma visão pragmática, que faça as empresas repensarem sua gestão de maneira a atenuar os efeitos dessa situação.
Novamente, o cenário está posto e, frente a ele, alguns comportamentos podem aliviar a pressão sobre as empresas e, assim, sobre as pessoas. São estes:
Previna-se e invista
Parece contraditório falar em prevenção e investimento, mas explicamos. Primeiramente, opere eficientemente. Identifique seus desperdícios e elimine-os. Utilize da melhor maneira possível seus recursos. Caso a forma de sua empresa ser mais eficiente e de melhor satisfazer seus clientes esteja no mercado, invista.
Invista em uma ação que irá reduzir seu consumo de energia elétrica, invista no desenvolvimento daquele produto que seu cliente está demandando, invista naquele novo canal que ampliará o alcance de sua oferta ou invista em compras mais inteligentes, invista na integração dos seus canais, reduzindo atrito.
Pense no custo de oportunidade e leve a sério, pois as oportunidades que você não aproveita também representam uma forma de desperdício.
Coloque, de uma vez por todas, o seu cliente no centro da sua estratégia
Colocar o cliente no centro da estratégia significa compreender que sua empresa existe, pois existe uma dor do cliente que você pode resolver. Nesse sentido, a sua missão deve ser resolver essa dor da melhor maneira possível, de forma criativa, com uma proposta de valor diferenciada. Mas, um ganho secundário é ainda mais relevante em tempos de incerteza quando uma empresa se aproxima de seu cliente.
Em tempos de incerteza, nada mais adequado do que receber informações estratégicas, em primeira mão e direto da fonte para direcionar a sua tomada de decisão. Estas informações estão com os seus clientes, por isso, você deve se aproximar dele.
Inclusive, o seu cliente vai adorar cocriar a oferta para suprir exatamente a necessidade dele e “de quebra” você cria relacionamento e aumenta o Lifetime Value (LTV), o que é muito valioso em tempos de elevados Custos de Aquisição de Clientes (CAC) devido ao aumento da concorrência.
A cultura do aprendizado deve estar enraizada em uma postura antifrágil
Aprender não significa apenas treinar, capacitar, realizar reuniões de avaliação e feedback. É tudo isso e muito mais. Uma organização que aprende desloca sua forma de pensar sucesso.
É evidente que auferir lucro é um objetivo das empresas, mas o caminho até o lucro envolve reconhecer que há projetos fracassados que são base fundamental para os projetos de sucesso. Se sua empresa não encoraja os colaboradores a ousar, a pensar “fora da caixa”, apesar do risco de errar, o máximo que alcançará são estratégias conservadoras com resultados convencionais.
Incentivar as ideias inovadoras, os testes e normalizar o erro, além de criar na empresa uma cultura de aprendizado, criar um ambiente de confiança, atenuando a pressão sobre as pessoas e melhorando a saúde mental dos colaboradores.
O conceito de antifragilidade (desenvolvido por Taleb) pode ser um guia na hora de colocar o aprendizado no DNA da sua empresa. A mentalidade antifrágil refere-se a sistemas que conseguem se beneficiar dos choques e crises por meio de alguns comportamentos: aprender com o erro, ter capacidade adaptativa, se beneficiar da redundância e diversificação (não colocar todos os ovos em uma só cesta), inovar continuamente, aceitar o caos (considerar a incerteza característica inerente ao sistema) e pensar a longo prazo.
Crie um ambiente de confiança para o trabalho
Já abordado no tópico anterior, é importante ressaltar que um ambiente de confiança é de suma importância para mitigar os danos de uma saúde mental precária. A permacrise afeta as pessoas em diversos âmbitos: seja por meio da redução do poder de compra, pelo impacto das notícias ruins, pelo aumento das incertezas e, assim, da ansiedade.
Se as organizações puderem ser um fator atenuante da pressão sobre as pessoas já contribuem grandemente. Além de que, há um ciclo vicioso entre saúde mental precária e desempenho no trabalho que pode ser quebrado quando se cria um ambiente que incentiva a confiança, o acolhimento e a criatividade.
Em resumo, o cenário de permacrise está aí e é mais real do que nunca. Certamente, é um cenário desafiador e que coloca as organizações em um lugar de incerteza, assim como coloca as pessoas em uma situação de pressão e de saúde mental precária. Sair deste cenário exige políticas amplas, de âmbito governamental, nacional e internacional, mas as empresas podem lançar mão de estratégias visando mitigar suas consequências e atenuar seus danos na vida de seus colaboradores.
Neste cenário adverso, mitigar os danos deve ser interpretado com um resultado positivo às empresas. No entanto, as práticas de gestão apontadas funcionam e potencializam os resultados empresariais a qualquer tempo. Neste sentido, nunca é tarde fazer os esforços necessários para implementá-las visando benefícios amplos e sustentáveis.
Carolina Cândido é consultora na Gouvêa Consulting.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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