Aprendendo com a recessão espanhola

A Espanha viveu, e ainda vive, as consequências de uma profunda crise econômico-financeira, desencadeada na esteira da crise econômica norte-americana, que contagiou diversos países pelo mundo. E naquele país precipitou o estouro de uma bolha imobiliária que contaminou diversos segmentos de negócios e teve seu pior momento em 2013, quando o desemprego chegou a atingir 26,1%.

No período que vai do final dos anos 1990 até 2008, o país viveu forte boom econômico, atraindo investimentos e mão de obra, o que precipitou uma expansão artificial do setor imobiliário. E com a crise global, perdeu substância, precipitando uma das mais dramáticas crises da história recente do país. No período mais recente, muitas famílias tiveram que devolver aos bancos e construtoras os imóveis comprados e muitos voltaram para a casa de pais e parentes.

Para efeito de comparação, vale lembrar que no ano passado tivemos no Brasil índice de desemprego próximo a 4,5%, mas de janeiro para cá esse índice vem crescendo fortemente e já se aproxima dos 8,5%, também forçando forte ajuste no setor imobiliário, que havia expandido nos períodos anteriores de bonança.

Passado o período mais agudo da crise espanhola (2012-2013), o país tem buscado sua recuperação, que tarda a acontecer por conta de outros problemas econômicos que mais recentemente afetaram a econômica europeia. Só como medida do abalo vivido pelo país, de 2007 para agora, a perda real estimada dos salários é de 25%.

Como parte do processo de recuperação, o governo agiu fortemente no corte de despesas envolvendo Educação, Saúde, Pesquisa, Direitos Trabalhistas e Serviços Públicos, mas também promovendo aumento de impostos e agindo de forma radical para tentar reverter o quadro recessivo.

Como resultado desse quadro, neste ano o país poderá ter um crescimento de 3-3,5% do PIB, porém o desemprego ainda se mantém num patamar de 23,7%, afetando principalmente a população mais jovem que, quando pode, tem migrado em busca de oportunidades profissionais fora do país.

Como resultado: o setor de consumo e varejo tem sido um dos mais afetados, porém, diferentemente do Brasil, o turismo na Espanha, que representa 11% do PIB, tem servido como um colchão, reduzindo o impacto da economia interna debilitada, pela continuidade do fluxo turístico que traz neste momento um recurso fundamental para não agravar ainda mais o combalido momento econômico.

O momento mais dramático para o setor de varejo e consumo foi no biênio 2012-2013, mas em 2014-2015 o Indicador de Preços ao Consumidor vem mostrando comportamento negativo, sinalizando a atuação do setor varejista na busca por ofertar preços ainda mais competitivos para ganhar a preferência dos consumidores. As redes varejistas que conseguiram sobreviver à recessão estão mais estruturadas, fortes e evoluíram muito em seu modelo de gestão.

Um elemento distinto do que acontece no Brasil, em momentos recessivos, é que as promoções na Espanha aparentam-se em quantidade mais limitada e os varejistas trabalham com preços de partida mais competitivos, evitando “educar” o consumidor a comprar só em promoções, ofertas, liquidações ou campanhas especiais de vendas. Essa estratégia que busca rebaixar os preços de partida para torná-los mais competitivos, limitando as promoções de preços, tem um efeito importante no longo prazo, pois, diferentemente do mercado norte-americano, ou brasileiro, não condiciona o consumidor a só buscar preços especiais e promocionais, “deseducando-o” em relação à compra de produtos com “preço cheio”.
Como parte dessa estratégia, diversas redes lançaram ou repaginaram conceitos e formatos, buscando criar alternativas estrategicamente diferenciadas, como é o caso do El Corte Inglés, com Sfera; Zara com Lefties e Mango.

Para completar o período difícil que vivem os varejistas por lá, conceitos globais inovadores na proposta de value fast fashion, como a inglesa Primark, entraram no mercado e estão colocando ainda mais pressão na rentabilidade de todos os varejistas do setor.

Para agravar um pouco mais o cenário, o digital tem ajudado a criar uma nova realidade, pois 77% da população de 46,5 milhões de habitantes têm acesso à internet e o e-commerce representa 3,5% das vendas totais do varejo, exatamente o mesmo número no Brasil, com a diferença de que por lá a categoria mais comprada via e-commerce é exatamente a moda.

Na área de alimentos, os supermercados também têm buscado rever seus formatos e conceitos para atrair clientes cada vez mais ressabiados e racionais, que preferem a conveniência de comprar próximo de onde moram ou trabalham. A líder de mercado há anos é a Mercadona, uma empresa local com controle familiar, com mais de 1.500 lojas que conseguiu se posicionar ao longo do tempo de forma vencedora, se impondo frente às corporações globais que atuam nesse segmento, como fez no passado o Pão de Açúcar, no Brasil.

Mas uma das principais mudanças que têm ocorrido na Espanha, diferentemente do que aconteceu nos Estados Unidos, no período recessivo, é que a alimentação fora do lar, o Foodservice, continua a expandir, e já representa aproximadamente 32% do total do consumo de alimentos, um pouco inferior ao que acontece no Brasil.

Para atender essa irreversível mudança de comportamento, os supermercadistas têm criado novas alternativas em sua lojas tradicionais, como o Carrefour, ampliando a área de comida pronta, desenvolvendo uma pizzaria logo na entrada da loja e mais uma área destinada à comida japonesa, ambas para quem quer uma compra rápida. Ou mesmo a Caprabo-Eroski, que oferece opções de sushi-sashimi prontas na loja ou alternativa de pratos preparados de forma conveniente e estruturada, à vista do consumidor, com um cardápio diferente todos os dias para aqueles que querem passar pelo supermercado, pegar e levar para casa ou escritório.

Na área dos duráveis, o quadro é similar ao Brasil, com a recessão impactando mais fortemente esse segmento, um cenário agravado pela concorrência direta dos preços praticados na internet que está obrigando as redes mais tradicionais, como Media Market, a buscar novos modelos com maior apelo nos serviços oferecidos.

Como resultado desse quadro mais complexo, houve uma aceleração no mercado espanhol da estratégia de expansão das redes exclusivas de marcas e fornecedores, especialmente na área de alimentos, com operações próprias de Moritz, tradicional marca de cerveja, que segue os passos da Ambev, criando conceitos próprios, assim como Freixenet, nos espumantes e os vinhos Torres, sinalizando o avanço das operações exclusivas de bebidas. Mas chama a atenção também a primeira ação global da Danone, com suas yogurterias, agora sendo implantadas em outras lojas, dentro do conceito de lojas dentro de lojas.

Seguramente, o momento da economia, do varejo e do consumo na Espanha podem gerar inspirações interessantes para o mercado brasileiro que vive, depois do boom de consumo que tivemos por aqui tal qual eles tiveram por lá, um momento de sérios ajustes, com mudanças que são momentâneas e, portanto, passageiras; e outras que serão estruturais e definitivas.

Nota: O Grupo Ebeltoft, associação que reúne empresas especializadas em serviços e consultoria para o setor de varejo e consumo, reuniu-se em Barcelona no período de 30/9 a 3/10, com a participação de especialistas de 28 países, trocando informações e analisando as características do mercado local e buscando insights para gerar inovação e alternativas em seus próprios mercados. A GS&MD – Gouvêa de Souza representa o mercado latino-americano no Grupo Ebeltoft desde 2002, sendo parte do Conselho Global do grupo.

Marcos Gouvêa de Souza (mgsouza@gsmd.com.br) é diretor-geral da GS&MD – Gouvêa de Souza

Sair da versão mobile