Shopping Centers: as 4 dimensões

Por Luiz Alberto Marinho*

Em janeiro do ano passado, Rick Caruso, CEO da Caruso Affiliated e proprietário de alguns dos shoppings mais lucrativos dos Estados Unidos, subiu ao palco da Convenção da National Retail Federation (NRF) para fazer um importante discurso sobre o futuro da indústria de shopping centers. Entre outras coisas, Caruso afirmou que os empreendimentos que não se adaptarem aos novos tempos desaparecerão. Disse ainda que o futuro dos shoppings será baseado em algo muito antigo, que é a necessidade humana básica de socialização.

Ele está certo.

O comércio, ao longo da história, sempre procurou, de alguma maneira, marcar presença em pontos de convergência da população. A Ágora Grega, o Fórum Romano e as feiras medievais, por exemplo, eram lugares onde as pessoas reuniam-se para discutir ideias, promover encontros sociais, divertir-se e também adquirir os produtos oferecidos pelos comerciantes que instalavam-se por ali. As compras eram parte da experiência.

Comprar continuou sendo parte da experiência no Country Club Plaza, de Kansas City, considerado por muitos o primeiro shopping center americano, que já oferecia em 1922, além de lojas, espaços de convivência e eventos comunitários. Trazer de volta os espaços comunitários mesclados com lojas, aliás, foi também a intenção de Victor Gruen, arquiteto austríaco que trocou Viena por Nova Iorque durante a 2ª Guerra Mundial, e acabou tornando-se uma referência no desenvolvimento de projetos de lojas e shopping centers nos Estados Unidos. Gruen sonhava em reproduzir nos shoppings o ambiente convidativo das ruas e cafés europeus, onde as pessoas poderiam unir consumo e socialização.

No entanto, ao longo do tempo, os shopping centers foram se distanciando desse conceito. No pós-guerra, centros comerciais foram erguidos nos subúrbios americanos para oferecer exclusivamente opções de compras a pessoas que já contavam com clubes, escolas e centros comunitários no entorno. Victor Gruen viu suas ideias serem desvirtuadas e passou o resto da vida renegando a alcunha a ele atribuída de ‘pai dos shoppings americanos’.

A ideia que importamos no Brasil há quase 50 anos foi basicamente essa desprezada por Gruen – a de que shoppings deveriam ser essencialmente uma concentração organizada de lojas, com vantagens convenientes para os clientes em comparação com o comércio de rua. Bom exemplo de como essa visão prevaleceu nos primeiros tempos foi o debate, na década de 80, sobre as vantagens e desvantagens de haver cinemas nos shoppings brasileiros. Uma corrente de pensamento defendia a tese de que salas de cinema atrairiam usuários que, além de não comprar nas lojas, ocupariam por longo período as vagas de estacionamento – que naquela época eram gratuitas, vale lembrar.

A arquitetura dos centros de compras da época apoiava vigorosamente a função comercial, determinando que eles fossem caixotes escuros (as vitrines é que deviam brilhar, para atrair a atenção dos clientes), sem abertura para o exterior (para que os clientes não percebessem se era dia ou noite) e com escadas posicionadas de forma a levar os frequentadores a desfilar diante da maior quantidade possível de lojas.

Aos poucos, porém, os shoppings foram incorporando não apenas cinemas, mas também parques infantis, restaurantes, cursos, clínicas e espaços para descanso dos clientes. A luz natural invadiu gradualmente tanto novos shoppings quanto os antigos, em projetos de remodelação. O motivo para tantas mudanças foi o consumidor, que passou a escolher o shopping como destino de passeio, fugindo do caos urbano.

O sociólogo americano Ray Oldenburg criou, no final dos anos 80, o conceito do terceiro lugar, explicado em seu livro ‘The Great Good Place’. Para ele, existe o primeiro lugar, que é a casa das pessoas, o segundo lugar, representado pelo local de trabalho e o terceiro lugar, onde as pessoas promovem encontros informais com os amigos. O problema é que o cenário do terceiro lugar, em geral espaços públicos, tornou-se inviável em função da insegurança e das dificuldades próprias dos grandes centros, como trânsito e falta de vagas para estacionamento de automóveis. Oldenburg propôs que bares, cafés e restaurantes assumissem esse papel. Foi o trabalho de Oldenburg um dos elementos inspiradores de Howard Schultz na construção do conceito moderno da Starbucks – o terceiro lugar é ainda hoje um dos pilares estratégicos daquela marca.

Também os shopping centers funcionam atualmente como terceiros lugares, oferecendo oportunidades de socialização. Porém, não se limitam a essa função. São igualmente locais onde as pessoas buscam informação sobre diversos assuntos, como moda e design, experimentam novos sabores e exploram novos universos. Em sua maioria, proporcionam oportunidades de entretenimento além de ser, claro, centros de compras.

Hoje, a expressão ‘shopping center’ (centro de compras, em uma tradução literal) é insuficiente para traduzir o conceito da maioria dos nossos empreendimentos, porque enfatiza apenas uma das suas quatro dimensões. Para nós, aqui na GS&BW, além da dimensão ‘shopping center’, há ainda outras três a serem trabalhadas: ‘social hub’ (socialização), ‘entertainment center’ (diversão) e ‘marketplace of ideas’ (informação).

Qual delas é a mais importante?

Bem, é inegável que o modelo de negócios atual dos shoppings está intrinsicamente ligado às vendas dos lojistas. Mas será possível atrair consumidores qualificados sem trabalhar adequadamente as demais dimensões? Nós acreditamos que não.

Cada mercado, obviamente, valoriza de maneira distinta as diferentes dimensões. Uma cidade onde faltam opções de lazer tenderá a dar peso maior à dimensão ‘entertainment center’ do que uma grande metrópole onde o entretenimento seja mais farto. Por isso, procuramos analisar de um lado, por meio de uma metodologia específica, a importância de cada dimensão em um determinado mercado e de outro como os consumidores avaliam a presença das quatro dimensões nos centros comerciais da cidade.

Após esse trabalho, é possível desenvolver com maior precisão o posicionamento e as recomendações estratégicas para nossos clientes. Acreditamos que a perfeita equalização das quatro dimensões em um mercado específico é que determina a qualidade do ambiente de negócios para o shopping e seus lojistas.

Albert Einstein, que além de cientista era também professor universitário, certa vez escrevia as perguntas de uma prova na lousa quando um aluno levantou o braço e alertou-o: “Professor, essas são as mesmas perguntas da prova do ano passado!’. Enstein respondeu: “Eu sei, as perguntas são as mesmas, mas é que as respostas mudaram”.

Essa história ilustra muito bem o momento vivido pelos shopping centers. Porque as perguntas são as mesmas (como elevar as vendas dos lojistas, conquistar novos clientes, enfrentar a concorrência etc), somos levados a acreditar que as respostas podem ser também iguais às do passado. No entanto, é o próprio conceito do shopping center que está em mutação. Isso faz com que as dificuldades para a conquista e ativação de clientes sejam completamente diferentes em relação ao passado.

Em resumo, quem insistir em enxergar apenas uma dimensão dos shopping centers, dificilmente fará bons diagnósticos dos problemas atuais ou encontrará soluções completas e integradas para os complexos desafios de mercado.

*Luiz Alberto Marinho (marinho@gsbw.com.br) é sócio-diretor da GS&BW.  Siga-o no Twitter: @luizmarinho

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