“A expansão e crescente participação do foodservice no conjunto das despesas com alimentos e, consequentemente, no varejo é uma realidade medida a cada momento e consistente nos mercados mais ou menos desenvolvidos e em claro processo de retomada após o período da crise gerada pela Covid. É consequência estrutural da mudança de hábitos e evolução de conceitos e práticas e avança pelo lado da demanda e pela ampliação e diversificação da oferta. Além de confirmar a tendência também mais estrutural do aumento de gastos com serviços em relação aos produtos em si”.
É um fenômeno global o aumento da participação das despesas com alimentos preparados fora do lar no total das despesas com alimentos. Tem muito a ver com o amadurecimento das sociedades e os novos hábitos adquiridos. E retoma uma tendência histórica após a crise gerada pela Covid.
Nos Estados Unidos essa participação é perto de 50%. No Brasil, pré-pandemia, em janeiro de 2020, o percentual era 30,3%. Caiu durante a crise da Covid, mas em julho de 2023 já tinha retornado para 27,2%, retomando a tendência de crescimento.
Mesmo o fenômeno do home office, um dos principais legados do período da pandemia, não alterou a tendência mais estrutural. Essa é a vertente determinante pelo lado da demanda.
Além dos tradicionais operadores do setor, como restaurante, bares, fast food, catering, casual dinning, padarias, outros mais foram incorporados ou ampliaram participação, como o delivery via dark kitchens e aumento da presença nas lojas de conveniência e supermercados. E também em outras categorias de lojas e quiosques, além das operações digitais das lojas autônomas.
Do lado da oferta, tem tudo a ver com o aumento das alternativas e da variedade de opções que têm sido oferecidas, especialmente quando combinadas com a vertente da melhoria da experiência e conveniência em novas operações. Ou incorporadas em modelos mais tradicionais como forma de revitalizar esses conceitos de lojas ou também em centros comerciais, alternativas ainda não corretamente avaliadas e quantificadas nos modelos atuais de análise desse mercado.
É isso que faz com que a Nordstrom, nos EUA, opere mais do que 400 negócios de restaurantes, bares e cafés em suas lojas. Ou que, El Corte Inglés, na Espanha e em Portugal, abra cada vez mais espaço em suas lojas de departamentos orientadas para moda para incluir experiências e serviços em gastronomia. Da mesma forma como Rinascente, Selfridges, KaDeVe, Harrods, Karstadt e muitas mais também fazem.
Na nossa realidade local a Track & Field passou a operar área de foodservice em algumas de suas lojas e as lojas de conveniência de GPA e Carrefour ampliam a oferta nesse serviço. Da mesma forma que operadores regionais, como Mercadinho São Luiz, no Ceará, Zona Sul, no Rio, ou Rakuo, no interior de São Paulo, avançam na mesma direção.
No Brasil esse processo recente permitiu que o setor retome vendas nas próprias lojas (on-premise) que atinge 39% das vendas totais. Mesmo número da Austrália e que se compara com 57% na China, 50% na Itália ou 65% na Espanha, segundo dados da Circana.
As vendas através das plataformas digitais e o delivery tiveram declínio em relação aos picos durante a pandemia, mas estão acima dos patamares anteriores a esse período. No Brasil esse percentual era 19% no primeiro trimestre de 2019 e estava em 23% no mesmo período de 2023, um dos maiores dos estudos da Circana e que se compara com 9% nos EUA, 15% no Canadá e Inglaterra, 20% na China e 21% na Coreia.
Por outro lado, existe ainda muito espaço para o crescimento desse setor no Brasil, tomando por base número globais. Quando perguntado se fez alguma refeição preparada fora do lar no dia anterior, apenas 28% dos consumidores brasileiros respondem que sim. Números muito distintos do que respondem os australianos e ingleses, com 47%, os norte-americanos, com 52%, os espanhóis, com 59%, os japoneses, com 65%, e os chineses, com surpreendentes 83%.
Esse conjunto de elementos demonstra a vitalidade e o espaço do foodservice nos gastos com alimentos no Brasil e, por conta disso, no varejo como um todo. Problemas pontuais com marcas e/ou conceitos desse setor, como recentemente ocorreram por aqui, não devem e nem podem ser confundidos com questões estruturais ou sistêmicas.
O foodservice no mundo amplia e ampliará sua participação de mercado e no Brasil atrairá mais players para esse setor pela combinação virtuosa do aumento da demanda e diversificação da oferta, tornando-o cada vez mais relevante e protagonista no universo do varejo de alimentos e bebidas.
Lições do Cotidiano
Em viagem para a China passamos algumas horas no recém ampliado aeroporto de Doha, no Qatar. Sem forçar muito o raciocínio quase que podemos dizer que o complexo é um conjunto de pistas de pouso e decolagem integradas com um excepcional centro comercial. Mas ainda com diversas áreas em expansão, o que faz prever que o que já é excepcional se tornará ainda mais impactante.
São muitas operações de varejo e alimentação com forte ênfase em luxo, moda, viagens, eletrônicos e conveniência com o apelo Duty Free. O novo espaço North Garden apresenta um exuberante cenário com plantas, cascatas, tanques e efeitos visuais digitais em ambiente fechado e climatizado que, com razão, se tornou a área preferida pelos que passam algumas horas por ali nos embarques ou conexões.
E não faltam lojas conceito de marcas esportivas, moda, luxo e alimentação que aproveitam o apelo criativo e inovador para estabelecer conexão direta com consumidores.
Na área de alimentação e bebidas se multiplicam as ofertas em linha com o avanço do foodservice no conjunto dos dispêndios em alimentos no mundo. A arquitetura e o design seguem os padrões atuais de tudo que se faz no Oriente Médio, combinando visão futurista, arte, ousadia, inovação e, lógico, recursos financeiros também exuberantes derivados do petróleo.
A experiência do viajante que passa pelo aeroporto de Doha é tão intensa que acaba estimulando a visita à cidade e ao país, tal o apelo que é gerado pela ousadia e modernidade do projeto.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
Imagem: Gustavo Grohmann