Comparação do momento do varejo e consumo dos EUA e do Brasil em seis pontos

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Comparação do momento do varejo e consumo dos EUA e do Brasil em seis pontos

Na segunda semana de janeiro de cada ano acontece o evento NRF Big Show em, Nova York, que este ano reuniu perto de 40 mil profissionais, dirigentes e empresários do setor de varejo, dos quais estimados e surpreendentes 3400 do Brasil. Mais uma vez a maior delegação internacional presente no evento.

É um momento para importantes discussões sobre a transformação estrutural e ampla dos setores de comércio e varejo, dos maiores empregadores privados em ambos os países, precipitadas pelas mudanças envolvendo o omniconsumidor metaconectado e por tudo que envolve tecnologia, digital e seus impactos no mercado.

Mas é importante avaliar alguns pontos de comparação envolvendo questões estruturais de ambos os países para que as análises estratégicas e operacionais possam ser contextualizadas.

Eis seis pontos que ajudam a entender e comparar aspectos estruturais, a evolução recente e a perspectiva à frente:

1 – A participação do comércio e do varejo no PIB mostra momentos bem distintos

Nos Estados Unidos o crescimento nominal das vendas totais do varejo incluindo todos os setores, segmentos, formatos e canais e incluindo food service no período de 2000 a 2022 foi de 156%, em dólares constantes, portanto desprezando a variação inflacionária e tendo alcançado US$ 8,16 trilhões em 2022.

Apesar desse relevante crescimento nominal a participação dos setores comércio e varejo no PIB dos Estados Unidos variou de 21,3% em 2000 para estimados 22,0% em 2022. No Brasil a participação dos setores de varejo e consumo teve evolução muito mais marcante, pois representava 23,6% % do PIB em 2000 e cresceu de forma consistente tendo alcançado 27,4% em 2022.

E com potencial de ainda evoluir de forma positiva à medida que renda, emprego, massa salarial, crédito e confiança possam contribuir para incorporar ao mercado de consumo uma parcela maior da população hoje menos beneficiada.

Essa evolução positiva e constante ao longo do tempo mostra o potencial de evolução futuro, que pode variar segundo a expansão dos demais setores econômicos e sinaliza a atenção que esses segmentos deveriam ter por conta de sua contribuição ao crescimento do emprego e da renda.

2 – O maior crescimento entre canais e conceitos ocorre no e-commerce em ambos os países

Nesse período de 22 anos o setor/segmento com maior expansão e crescimento foi o e-commerce nos dois mercados. E durante o período recente de pandemia houve aceleração desse crescimento. Nos Estados Unidos no período de 2019 a 2022 o setor cresceu 63,9% e ampliou fortemente sua participação nas vendas totais do varejo.

O e-commerce nos EUA representava 13,3% da venda total do varejo em 2019 e evoluiu para 16,2 % ao final de 2022. E isso ocorreu de forma similar no Brasil e com reflexos ainda mais marcantes considerando a menor base de negócios comparativamente.

Entre 2019 e 2022 a participação no Brasil das vendas por e-commerce sobre o total das vendas no varejo foi de 3,1% para 7,4%, tendo saltado de US$ 11,5 para US$ 37,9 bilhões como resultado das mudanças de hábitos e comportamentos precipitado pela pandemia.

3 – O varejo de valor é o principal vetor de crescimento em ambos os mercados

Tanto na realidade norte-americana, quanto no Brasil o chamado varejo de valor, aquele que atende consumidores em busca de mais por menos como resultado do cenário macroeconômico, é o principal vetor de crescimento.

Em ambos os mercados essa situação reflete uma combinação de fatores que envolve a evolução do comportamento de um consumidor mais conectado e informado e que compara mais alternativas, mas também, e principalmente, um macro cenário econômico marcado por pressões envolvendo emprego e renda, que faz emergir essa atitude mais cautelosa e orientada para a busca de caminhos mais racionais no processo de escolha de produtos, marcas, locais de compra e canais de vendas.

No período entre 2000 e 2022 os clubes de atacado e supercenters nos Estados Unidos, dois formatos mais representativos do conceito de varejo de valor, tiveram o segundo maior crescimento, logo atrás do e-commerce.

No Brasil, de forma similar, o atacado de autosserviço, ou atacarejo, formato derivado dos clubes de atacado dos EUA, foi aquele com maior crescimento e ainda mais marcante durante o período da pandemia, tendendo a manter ou ampliar sua participação de mercado nos próximos anos.

4 – Os setores de comércio e varejo estão entre os maiores empregadores nos Estados Unidos e Brasil

Tanto nos Estados Unidos como no Brasil, o setor de varejo e comércio tem se mantido entre o maior empregador, ainda que com momento e perspectivas distinta.

Nos Estados Unidos o processo iniciado durante a pandemia, que se convencionou chamar The Great Resignation, associado com mudanças na estrutura de emprego e as limitações no acesso de imigrantes, criaram uma situação bastante complexa para os setores de comércio, varejo e hospitalidade, tidos como aqueles com maior participação no emprego mais básico.
Apesar dos baixos índices de desemprego do geral da economia norte-americana, nos setores mencionados existe falta de mão de obra e crescente problema na contratação e reposição de funcionários.

Nos Estados Unidos os setores de comércio e varejo representam 10,3% do emprego total do país com tendência de leve declínio por conta da dificuldade e o custo da mão de obra que estimula a incorporação de alternativas tecnológicas e digitais para oferecer mais a menor custo para os consumidores.

No Brasil, em outra perspectiva, também existe carência de mão de obra nessas áreas, sinalizada pelo menor desemprego geral em relação ao passado recente, mas em escala muito diversa dos Estados Unidos.

No país o comércio e o varejo representam 20% do emprego formal, com tendência de crescimento nos próximos anos. Se computada a parcela do varejo informal esse percentual tende a aumentar consideravelmente.

Existe um processo de mutação do perfil dos funcionários dos setores de comércio e varejo pela necessidade de incorporação de mais habilidades nas áreas de tecnologia e digital como resultado das mudanças nas demandas para atender um consumidor que tem amadurecido muito em suas demandas, experiências, conhecimento e desejos.

5 – Serviços e Soluções se tornaram cada vez mais representativos no negócio de varejo em ambos os países

É reconhecido que o amadurecimento de uma sociedade leva ao aumento da participação dos dispêndios com serviços. Por essa razão quanto mais desenvolvida uma sociedade maior a participação dos serviços no PIB do país ou região.

Dados recentes mostram que nas economias mais desenvolvidas e as maiores do mundo, o setor de serviços tende a representar em torno de 68% do PIB.

Muito tem a ver com a revisão estrutural dessas economias com redução do peso do setor industrial e o crescimento dos setores de serviços e/ou a agricultura.

Como resultado desse processo transformacional que envolve o amadurecimento dessas sociedades também os dispêndios com compra de produtos migram para a compra de serviços, tais como educação, saúde, entretenimento, viagens e lazer.

Nos Estados Unidos no ano 2000 os serviços representavam 73% do PIB e atualmente essa participação evoluiu para 78% com potencial de ainda ser ampliada graças à transferência de atividades industriais para a Ásia e, mais recentemente, para o México. E a transferência poderia ser maior não fosse o conflito político com reflexos comerciais envolvendo a China.

No Brasil o setor de serviços em 2000 representava 58% do PIB e evoluiu ao longo do tempo sua participação tendo chegado a 63% nos anos 2016, 2017 e 2018, regredindo nos anos mais recentes para os mesmos 58%. Muito por conta dos efeitos da Covid-19 e do aumento da participação do setor agropecuário.

No comportamento de consumo essa transformação estrutural impactou o mercado de forma mais marcante pela aceleração do amadurecimento da sociedade brasileira com reflexos no aumento da oferta e da demanda por serviços pessoais e profissionais.

Talvez um setor que melhor represente esse comportamento é o da alimentação, com migração das despesas de alimentos comprados para preparo no lar que evolui para a compra de alimentos prontos, ou semiprontos, preparados fora do lar.

Nos Estados Unidos a participação dos alimentos preparados fora do lar oscilou de 48 a 51% no total das despesas com alimentação ao longo dos últimos anos mesmo durante a pandemia.

No Brasil os alimentos preparados fora do lar representavam 24% dos dispêndios totais com alimentação em 2012 e essa participação evoluiu para 37% em 2018, tendo recuado, sintomaticamente, durante a pandemia. Mas é irreversível o aumento de sua participação no conjunto das despesas com alimentos e é possível estimar que possa chegar a 40% nos próximos três anos.

Tomando como exemplo o que aconteceu com o setor de alimentação fora do lar – o Food Service – é possível deduzir que haverá crescente aumento da integração de produtos com serviços, gerando soluções à medida que evoluam e amadureçam essas economias, sendo que no Brasil esse processo será ainda mais marcante para diversas categorias e segmentos de mercado.

6 – Renda, emprego, crédito, massa salarial e confiança são os fatores decisivos de evolução

Em qualquer economia os fatores determinantes do comportamento do comércio, varejo e consumo são renda da população, emprego, massa salarial (que é a combinação de renda e emprego), crédito e confiança do consumidor.

Existe diferença significativa da representatividade direta desses fatores dependendo do grau de maturidade e tamanho da economia.

No Brasil o crédito ao consumo, considerando sua oferta e custo, tem peso mais relevante do que nos Estados Unidos.

Em ambas as economias a inflação também tem peso relevante, sendo que no momento recente o impacto tem sido maior nos Estados Unidos, pelo elevado índice atual para os parâmetros locais. No Brasil a economia incorporou mecanismos de convívio com a inflação, ainda não desenvolvidos em outros países, minimizando os impactos diretos no comportamento dos consumidores e no consumo.

O comportamento recente pós-pandemia em muitos países, incluindo Brasil e Estados Unidos, foi marcado pelo crescimento da inflação com forte impacto nos salários reais, no emprego e na própria confiança do consumidor que teve impacto direto nas vendas reais do varejo.
No Brasil o processo de reequilíbrio, usando de diversos mecanismos, permitiu um mais rápido equilíbrio da inflação, acumulada com redução do desemprego e aumento da renda real que viabilizou uma retomada maior do consumo.

Nos Estados Unidos o problema da inflação só mais recentemente começou a ceder, não tendo abalado tanto o emprego e nem as vendas nominais do varejo que, porém, apuradas em termos reais mostraria estabilidade.

Conclusão

Para sintetizar os impactos potenciais para o mercado brasileiro e considerando o que foi visto e ouvido no período, de forma muito sintética, é possível concluir que:

– Temos um potencial ciclo de crescimento à frente passada a turbulência de curto e médio prazo com mudança na geografia de consumo e contínuo crescimento do varejo de valor;

– O peso do digital é elemento decisivo na reconfiguração do mercado;

– O cenário futuro envolve aumento da competitividade conjugado com concentração de participação dos maiores grupos do varejo;

– Haverá aumento da participação dos serviços e soluções nos negócios de varejo;

– Mercado norte-americano é referência, mas a realidade brasileira é muito particular;

– O varejo brasileiro tenderá a aumentar sua participação no PIB e no emprego formal do setor privado nos próximos anos;

– Por sua conexão direta com o omniconsumidor metaconectado o varejo será cada vez mais protagonista na economia e no mercado. E deveria assumir novas posturas por isso.

Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
Imagens: Shutterstock

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