É como caminha o mercado e o consumo, e consequentemente o varejo, neste começo de ano que entramos embalados e cheios de otimismo com a perspectiva de uma recuperação mais marcante.
Nós e todos os brasileiros que pensam no imperativo de uma rápida reviravolta. Mas tudo indica que a música-tema do momento é aquela interpretada por Martinho da Vila, ‘Devagar, Devagarinho’.
É um cenário difuso onde existem macro fatores positivos que deveriam estimular o consumo, como a evolução da massa salarial real e a inflação controlada, e outros que conspiram contra, como a persistência do desemprego.
A massa salarial, que representa o consolidado da renda recebida pela população empregada, tem apresentado crescimento real positivo e está hoje em R$ 205,4 bilhões, o maior número dos últimos seis anos, apesar dos 13,4 milhões, oficial e estatisticamente desempregados.
Atingimos no final de abril 8,2 milhões de microempreendedores individuais, os MEIs, número que mais do que dobrou em relação há apenas cinco anos atrás. Eram menos do que quatro milhões no final de abril de 2014. Uma mudança estrutural importante.
Em termos crédito, mola importante do consumo, temos a menor taxa Selic dos últimos nove anos e tivemos no ano passado um crescimento da oferta de crédito de 9%.
Mas o crédito ao consumo continua caro quando comparado em termos globais e limitado. O crédito às famílias no Brasil representa algo como 25% do PIB enquanto em outras economias similares ou maiores, varia de 60 a 120% quando comparado ao PIB desses países.
E temos hoje um dos menores índices de comprometimento de renda com crédito das famílias dos últimos anos. Além do nível de endividamento, que é a relação da dívida das famílias em relação à massa salarial, que também mostra tendência de queda. A inflação, que sempre conspirou de forma decisiva, contra ou favor do consumo, permanece em patamares estáveis faz tempo.
O atual índice de 4,58% se mostra equilibrado, apesar da recente alta de 8,72% nos alimentos para consumo em casa, que pode explicar em parte o recuo da confiança do consumidor nestes meses recentes, já que inflação de alimentos tem forte impacto na confiança geral da população.
E esse é fator que pode explicar em parte esse movimento estagnado de consumo.
Faz exatos três anos, abril de 2016 quando do impeachment da então presidente Dilma, que atingimos a pior marca (64,4) de Confiança do Consumidor na série histórica desse indicador. De lá para cá a confiança tem crescido de forma consistente, com direito a soluços e recuos, e hoje está em 91,1 depois de ter chegado em 96, em janeiro. Ambos, porém, muito distantes dos picos que tivemos entre 2010-2012 quando atingiu índice 113.
É aí que reside o maior problema.
Massa salarial real em crescimento, desemprego alto, em parte substituído pelo empreendedorismo individual, inflação sob controle, crédito com custo mais baixo, porém, comparativamente caro e escasso, menor comprometimento de renda com débitos e pagamentos gerados no passado porém, e tem sempre um porém, a confiança do consumidor não evolui como deveria por conta de um clima geral onde a incerteza substituiu a esperança.
É isso que faz com que vendas nos supermercados cresçam no primeiro trimestre em termos reais apenas 0,5% sobre o mesmo período do ano passado, segundo os dados da ABRAS, ou que todos os demais setores do varejo tenham evolução positiva pífia no seu comportamento.
É isso também que gera menor expansão de lojas e negócios, que não contribui com a geração de novos empregos. E o bom crescimento do mercado digital não é suficiente para compensar a estagnação no ambiente físico. E não faltam boas intenções, promessas e algumas ações.
A eventual nova liberação do PIS/Pasep, algumas importantes ações no âmbito da necessária simplificação de processos na esfera federal, o lançamento do programa de micro-crédito, ações pontuais em vários estados e no governo federal para enxugamento da máquina pública, para citar apenas algumas iniciativas.
Tudo isso importante, mas longe de ser suficiente para mudar o ritmo.
O que faz com que o país ande devagar, devagarinho, quando deveria estar correndo obsessivamente para reduzir a distância que nos separa de outras economias mais desenvolvidas. E o mais incrível é que está apenas entre nós a solução.
O atual cenário e suas perspectivas têm muito pouco a ver com o que está acontecendo no mundo, que até conspira positivamente, considerando, por exemplo, o conflito político-comercial dos Estados Unidos com China, a estagnação na Europa, ou as indefinições sobre o Brexit na Inglaterra.
Mas parece que insistimos em nos apequenar como Nação em momentos críticos.
E não é por falta de discurso, uso de redes sociais ou pregações. E não temos que olhar para fora em busca de inspiração ou soluções.
É aqui mesmo que mora o problema.
Sempre temo que aquela piada possa virar profecia. Aquela sobre o planejamento de Deus ao criar ao mundo, que distribuiu tornados, clima inclemente, vulcões, furacões, inundações, desertos e muitas desgraças mais pelo mundo e, além de poupar das desgraças o espaço do Brasil, ainda colocou água em abundância, um solo incrível, sol o ano todo, praias maravilhosas e muitas benesses mais. Indagado do porquê dessa opção, teria respondido que iríamos ver o povo que colocaria naquele espaço. Talvez devesse ter também mencionado as lideranças que estariam por aqui.
Só depende de nós. E não pode ser devagar, devagarinho. Quem espera, chega atrasado e nunca alcança.
* Imagem reprodução