Uma das perguntas mais frequentes dos nossos clientes é essa: afinal, o que vai acontecer com os cinemas? A preocupação é válida, afinal, das 3.401 salas de exibição que existiam no País no final de 2022, 3.051 funcionavam em shoppings. Isso significa dizer que nada menos do que 90% dos cinemas brasileiros estão em centros comerciais.
Dados recentes mostram que, de janeiro a junho de 2023, quase 50 milhões de ingressos foram vendidos no Brasil. Esse número supera em mais de 20% a quantidade de entradas adquiridas no mesmo período do ano passado. Tem mais: de acordo com a Ancine, voltamos a ter abertura de salas e contamos hoje com 97% dos cinemas que operavam antes da pandemia, em 2019.
Nem tudo são flores, claro. Grandes lançamentos, como Avatar, Guardiões da Galáxia, Super Mario Bros., A Pequena Sereia, Transformers e Velozes e Furiosos, levaram parte do público de volta aos cinemas neste ano. Mesmo assim, a quantidade de ingressos vendida na primeira metade do ano ainda foi 37% menor do que o apurado no primeiro semestre de 2019. Hoje uma sessão de cinema no Brasil recebe em média 30 espectadores. Em 2019 eram 42 pessoas, quase 50% mais.
A crise dos cinemas não acontece apenas por aqui. Mas a situação econômica faz com que a recuperação do setor, no Brasil, seja mais lenta. A solução para as redes exibidoras é cortar custos, a começar pelo pessoal. Para isso, um caminho é investir na digitalização da venda de ingressos, por meio de totens de autoatendimento.
Outra estratégia é redimensionar quantidade e tamanho dos cinemas. Exibidores estão chegando ao extremo de abandonar shoppings, deixando para trás valiosos investimentos em estrutura. Fontes do setor avaliam que um conjunto de 6 a 7 salas é suficiente para atender a demanda atual, já que depois de 4 ou 5 semanas os filmes saem de cartaz e vão para o streaming. A tendência, portanto, é que complexos maiores negociem a devolução de parte do espaço subutilizado com os shoppings. Alguns já estão fazendo isso. Sinal dos tempos.
Voltaremos ao velho normal? Dificilmente. O consumidor mudou. E o mercado também. Durante a pandemia nos acostumamos a ver filmes em casa pelo streaming, em nossas TVs de tela grande e em laptops, tablets e celulares. Sabemos que o intervalo entre o lançamento na telona e a chegada ao streaming é pequeno. E, para culminar, o preço do ingresso está salgado. O aumento foi bem maior do que a inflação e chegou a 21% na média, segundo levantamento da Ancine. Isso faz diferença no orçamento das endividadas famílias brasileiras.
É importante dizer que as redes exibidoras não jogaram a toalha. Ao contrário, elas apostam que os grandes estúdios ainda precisarão dos cinemas para gerar bilheteria e promover seus filmes. Prova disso é que Apple e Amazon já prometeram lançamentos em cinema antes de disponibilizá-los em suas plataformas. Executivos do setor, com os quais temos conversado, acreditam que até 2026 voltarão aos patamares de público de 2019. A ver.
Se do lado dos cinemas o consumo de conteúdo anda migrando para as telas do streaming, no caso da venda de livros a situação não é muito diferente. Pela primeira vez na história, as editoras brasileiras venderam mais para livrarias virtuais do que para as de tijolo e cimento. Aconteceu ano passado. O varejo online concentrou 35,2% do faturamento das editoras, bem mais do que em 2021, quando esse índice ficou em 30%. Já as livrarias físicas tiveram um recuo de 30%, em 2021, para 26,6% em 2022. Os dados são da Nielsen, Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e Câmara Brasileira do Livro.
Acha muito? Pois saiba que quando a gente fala de obras gerais (categoria que engloba os livros de ficção), livros técnicos e profissionais, a fatia do faturamento das editoras que vem dos marketplaces digitais, como Amazon, passa da metade. Quem mais alimenta livrarias físicas são livros didáticos e religiosos. Em tempo: ebooks e audiolivros respondem por apenas 6% do faturamento do setor.
Curiosamente, apesar do predomínio da venda de livros físicos por varejistas digitais, livrarias experimentam um movimento de expansão. A Leitura inaugura esse mês sua 100ª loja, no Iguatemi Esplanada, em Sorocaba. Há mais 7 lojas planejadas para esse ano, em shoppings como Partage Natal, Iguatemi Bosque e Plaza Sul. Outras 10 abrirão em 2024. Não significa que a Leitura não feche lojas também. O trabalho de rightsizing é permanente e as lojas pouco rentáveis não duram muito.
Outra rede que cresce, sem dar passo maior do que as pernas, é a carioca Livraria da Travessa, liderada pelo mineiro Rui Campos. São 12 lojas, no Rio, em Brasília e no Estado de São Paulo, onde tem feito a diferença com projetos arrojados, como a nova loja-vitrine do Iguatemi São Paulo. Em breve, a companhia ocupará parte do espaço da antiga Livraria Cultura, no Shopping Villa-Lobos (SP). A diferença é que, enquanto a megastore da Cultura espalhava-se por mais de 3 mil m², a nova Travessa será 5 vezes menor, com uma área de cerca de 600 m².
Rever conceitos e reduzir o tamanho da loja é parte essencial da estratégia da Livraria da Vila, outra rede que avança com firmeza e cautela. A unidade do Shopping Cidade Jardim, em São Paulo, encolheu de 2.500 m² para apenas 300 m². A do JK Iguatemi nasceu um pouco menor, com 1.700 m², mas também adotou os 300 m² da irmã mais velha. A livraria do Pátio Higienópolis, que não era tão grande quanto as outras, emagreceu menos. “As megastores pretendiam ser mais do que simples livrarias, para competir com o digital. Mas a conta não fechava”, admitiu Samuel Seibel, presidente da Livraria da Vila, durante agradável papo pelo telefone.
Hoje a Vila, que nasceu há 38 anos na Vila Madalena, em São Paulo, já se faz presente também no Paraná e em Brasília, com 18 unidades – 15 delas em shoppings. Não existe um planejamento formal que determine quantas inaugurações haverá nos próximos anos. “A gente analisa e decide em cima das oportunidades que surgem”, diz Samuel.
Ele acredita que, apesar da expressiva participação do canal digital nas vendas dos livros físicos, as livrarias ainda têm espaço para crescer. “Com a saída da Cultura e da Saraiva do mercado, ficou um vazio que as novas e menores livrarias estão repondo. Além disso, novos shoppings viabilizam a chegada de livrarias a outras cidades. Ainda hoje, os shoppings não podem não ter uma livraria”, afirmou Samuel.
Resumo da ópera: o canal digital caminha a passos largos para ser dominante na venda de livros no País. Da mesma forma, o streaming terá mais público do que os cinemas. Mas afirmar que cinemas e livrarias desaparecerão é uma aposta para lá de arriscada. Não acabarão. Mas, certamente, não serão como antes.
Cinemas e livrarias, assim como shopping centers, estão em evidente transição. A capacidade de todos esses negócios de sobreviver e prosperar está diretamente relacionada com sua adaptação a um mercado mais complexo e competitivo e aos novos hábitos dos consumidores.
Lembra do “Momento Kodak”? Pois é. Todos devem aproveitar a janela de tempo que ainda possuem e ajustar suas estratégias a esse admirável mundo novo. Incluindo você e eu, é claro. 😉
Luiz Alberto Marinho é sócio-diretor da Gouvêa Malls.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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