No final de 1979, um jovem Steve Jobs, na época com apenas 24 anos de idade, visitou o Xerox PARC, centro de pesquisa e inovação da Xerox, em Palo Alto, na California. Obcecado por novas tecnologias, Jobs conseguiu um tour pelo PARC em busca de ideias para a Apple, que já era uma startup promissora àquela altura.
De tudo o que viu, o que mais chamou a atenção de Jobs foi o computador que os cientistas da Xerox haviam desenvolvido. Ele ficou impressionado com a solução para abrir e fechar janelas com um clique e, mais importante, entusiasmou-se ao ver um mouse funcionando pela primeira vez.
Até ali, era necessário escrever comandos na tela ou usar as setas para mover o cursor. De volta à Apple, Jobs reuniu a equipe que trabalhava no projeto de um novo computador pessoal e determinou mudanças: ele queria menus na tela e janelas. E queria um mouse, melhor que o da Xerox. Nascia ali o Macintosh. O resto é história.
Na Xerox, prevaleceu a versão de que Jobs havia roubado a ideia deles. No entanto, a invenção do mouse aconteceu anos antes. O primeiro a pensar nele foi o cientista Douglas Engelbart, do Stanford Research Institute, nos anos 60. A Xerox apropriou-se e melhorou a invenção de Engelbart. Assim como Jobs fez com a própria Xerox.
Malcolm Gladwell, jornalista e escritor americano, contou essa história em um artigo, publicado em 2011, na The New Yorker. Poucas semanas depois, a repetiu em uma palestra inspiradora no palco do festival Cannes Lions. Eu estava na plateia assistindo.
Naquele dia, Gladwell defendeu a tese de que não há apenas um tipo de inovador. Há aqueles que são visionários, e idealizam novos conceitos, como Engelbart. Outros, como a Xerox, pegam a ideia e desenvolvem projetos ou produtos sofisticados. E existem os que estão preocupados em tornar a ideia aplicável, pelo menor custo e com maior eficiência, para o maior número possível de pessoas. Como fez a Apple de Steve Jobs, ao tornar o mouse elemento essencial para que o computador fosse de fato pessoal.
Você deve estar se perguntando: afinal, o que tudo isso tem a ver com o negócio dos shopping centers? Bem, vamos lá.
Durante o lockdown imposto pela pandemia, muitos shopping centers brasileiros lançaram-se na corrida pelas soluções de venda online e delivery de produtos. Não havia mesmo outra saída, era necessário criar pontes entre os consumidores trancados em suas casas e os lojistas, impedidos de abrir as portas. Porém, antes mesmo da covid-19 mudar nossas vidas, já havia iniciativas visando a integração das vendas nas lojas e no e-commerce, aqui e lá fora.
Diversas dessas soluções implementadas nos shoppings priorizaram as questões tecnológicas ou operacionais, em vez de identificar e atender as reais demandas dos clientes. Isso pode ser um problema.
A tecnologia deveria ser simplesmente um meio para alcançar o objetivo de melhorar a experiência dos consumidores, os resultados de lojistas e do próprio empreendimento. Mas nem todo mundo tem a visão pragmática de Steve Jobs. A gente chama isso na Gouvêa Malls de fenômeno do “rabo balançando o cachorro”.
Como consequência dessa inversão, muitos projetos foram cancelados ou sofreram mudanças de rota, gerando importantes prejuízos para redes grandes, médias e até para shoppings independentes. Isso não quer dizer que a omnicanalidade não deva ser prioridade. Ao contrário, possuir uma estratégia consistente e adaptar-se à nova realidade é fundamental para a evolução do modelo de negócio dos shoppings.
Mas essa estratégia deve estar orientada para prover uma solução eficiente e acessível para as necessidades de consumidores e lojistas. Não existe um único caminho e o roteiro ideal começa pelo entendimento de onde queremos (e podemos) chegar.
Neste momento, estamos testemunhando a repetição deste processo em outro campo igualmente estratégico: o dos programas de CRM. É cada dia mais evidente que construir e gerir uma base de dados de clientes será vital para o futuro dos shoppings. Também aqui há diversos caminhos possíveis. Porém, cabe o alerta: quando existe confusão de conceitos e os investimentos em tecnologia precedem a definição da estratégia, surgem riscos desnecessários.
O gerenciamento do relacionamento com clientes não é algo novo e está na própria essência do varejo. O CRM (Customer Relationship Management ou Gerenciamento do Relacionamento com Clientes, em português) como estratégia de negócio foi impulsionado pela tecnologia a partir da década de 80. De um jeito ou de outro, hoje a maioria dos shopping centers brasileiros usa um sistema de gestão de clientes.
No entanto, a forma de captura de dados, o uso dessas informações e, principalmente, qual o objetivo do programa de CRM são pontos críticos. Contratar e implementar ferramentas tecnológicas deveria ser uma maneira de viabilizar o atingimento desse objetivo.
Steve Jobs não inventou o mouse. Também não copiou a ideia da Xerox. Ele desenvolveu a melhor versão desse produto. E pôde fazer isso porque estava de olho na experiência do cliente. Da mesma maneira, os melhores e mais inovadores programas de omnicanalidade e CRM em shoppings não serão necessariamente aqueles lançados na frente ou com maiores investimentos em tecnologia. O sucesso pertencerá a quem investir mais recursos na definição estratégica e no desenho correto desses programas, pensando nas necessidades de consumidores e lojistas.
Em maio de 1997, Steve Jobs estava voltando à Apple depois de ter sido demitido pelo conselho da companhia 12 anos antes. Durante a conferência de desenvolvedores, que aconteceu em San Jose, na California, ele foi questionado sobre seu direcionamento estratégico por uma pessoa da plateia.
Durante sua longa resposta, Jobs mostrou que havia aprendido a lição. Foi quando disse uma frase que ficou famosa. “Você precisa começar pensando na experiência do cliente e trabalhar de trás para a frente, definindo a melhor tecnologia para alcançar isso”.
É isso, simples assim.
Luiz Alberto Marinho é sócio-diretor da Gouvêa Malls.
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