São vários fatores convergindo ao mesmo tempo para exponenciar desafios. Primeiro uma rotina complexa, envolvendo muitas horas de atenção e atuação para atender consumidores cada vez mais empoderados combinada com os desafios de atualização com novas tecnologias. Junto à necessidade de oferecer de forma constante, consistente e inovadora “experiências memoráveis” para poder diferenciar e oferecer muito mais do que produtos e serviços habituais nos setores de varejo e hospitalidade. Esses elementos combinados com o fato de que existe uma mudança atitudinal radical na relação entre trabalho e pessoas, em especial os mais jovens, acabam por criar em âmbito global uma combinação perversa de elementos envolvendo tudo que diga respeito à gestão de pessoas nesses negócios.
E, no caso do Brasil, ainda agravado por situações envolvendo os programas assistenciais – Bolsa
Família/Auxílio Brasil – que que desestimulam as relações formais de trabalho. Além das estimulantes e importantes alternativas para os MEIs (Micro Empreendedores Individuais), porém tudo converge e contribui para um índice de desemprego cada vez mais baixo impactado pela metodologia que caracteriza como desempregado quem está procurando emprego. E por conta disso vamos continuar assistindo a uma queda estrutural do desemprego formal no País.
O conjunto desses fatores impacta muitos setores, mas de forma dramática o comércio, o varejo e a hospitalidade que inclui hotéis, pousadas, albergues, bares, restaurantes e foodservice.
O quadro ainda é agravado pelo crescente e irreversível nível de competitividade que limita as possibilidades de aumento da remuneração dos profissionais, pois, como acontece na maioria das economias os custos com pessoal, são o principal item das despesas operacionais dos negócios de varejo e comércio e impactam em muito o setor de hospitalidade.
Se no passado atrair, desenvolver e reter gente nesses setores já era um desafio, o cenário tornou-se ainda mais complexo pelo aumento do nível de competição de preços que restringe as possibilidades de atrair e reter por incremento salarial. Muito pelo contrário.
No plano global, os elementos citados contribuem para o processo de desglobalização do varejo físico com a metaglobalização do varejo digital.
O cenário em tese deveria ser favorável com as mudanças estruturais por conta da robotização no setor industrial e a crescente tecnologia incorporada nos setores da agroeconomia, impactando o nível de urbanização e com a tendência de reduzir a demanda por gente nesses dois segmentos.
Nessa lógica, os setores de serviços deveriam atrair mais profissionais, como de fato atraem, mas a ampliação de alternativas e as exigências específicas dos setores de varejo, comércio e hospitalidade tornam esses segmentos discriminados no processo de captação e retenção de profissionais.
Na nossa realidade
No comércio e varejo no Brasil, estão empregadas perto de 10,1 milhões de profissionais e isso esses setores coloca como o maior empregador privado do país e esse número é composto por 7,4 milhões de trabalhadores no comércio varejista, 1,8 milhão nas diversas formas de atacado e mais 830 mil no setor de veículos. Já no setor de hospitalidade estão empregadas 6 milhões de pessoas.
A combinação de ambos mostra que esses setores representam 21,3% do total do emprego no setor privado e o quanto os desafios que enfrentam tornam o cenário à frente ainda mais complexo e demandando soluções estruturais e inovadoras. E só para comparação, o setor público, maior empregador do País, representa 25,7% do total.
Caminhos alternativos
Os caminhos alternativos envolvem a crescente incorporação de tecnologia, em especial com recursos de Inteligência Artificial para complementar, substituir e racionalizar atividades e processos tanto nas atividades que envolvem os consumidores, oferecendo mais conveniência e melhores e mais envolventes experiências, mas também, e cada vez mais, na infraestrutura dos negócios.
O processo tem tudo para se tornar cada vez mais crítico e a busca de alternativas para equilibrar esse cenário precisa cada vez mais considerar soluções integradas, envolvendo o próprio varejo, o comércio e a hospitalidade e seus fornecedores de produtos, equipamentos, serviços e soluções de forma criativa e inovadora. Pensando de forma mais aberta como a indústria automobilística faz com a pintura de carros que é operada por fornecedores de tintas. Ou, apenas como exemplo, como a promoção de produtos nos setores de varejo e atacado de alimentos que é operada pelos fornecedores.
O quanto mais poderia ser integrado em termos de tecnologia, experiências, serviços e soluções para criar alternativas para um cenário que tende a se tornar ainda mais complexo?
A realidade aí está e muito conspira para agravar o cenário atual e futuro.
Pontos para muita reflexão e quebra de paradigmas.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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