Quem ganha na pandemia é o varejo de valor

A história se repete. Assim foi na crise financeira de 2007-2010, que nasceu nos Estados Unidos e se espalhou pelo mundo, e agora com a Covid-19 e suas variantes, que nasceu na China e também se espalhou pelo mundo. Quando o quadro é de crise e cresce a vertente racional no processo de escolha e compra de produtos e serviços, o varejo de valor é o maior vencedor. E o Brasil atual confirma de forma clara essa perspectiva.

Nas crises anteriores nos Estados Unidos e na Europa, os formatos de lojas que mais cresceram foram os clubes de atacado (warehouse clubs), bem representados por Costco, Price Club, Sam’s Club e BJ, assim como as operações hard e soft discount, como Aldi, Lidl e Trader Joe’s, com sua proposta focada em preço baixo, máximo valor percebido pelo cliente. Quando o ambiente fica complicado e difícil, o consumidor foca especial atenção nas alternativas que permitem comprar mais por menos.

No Brasil, para além do forte crescimento e expansão do e-commerce e delivery, o melhor desempenho no varejo de lojas tem sido no formato do atacarejo, como Assaí, Atacadão, Roldão, Spani, Mega e muitos outros, que apresentou evolução próxima a 20% em 2020 em relação a 2019, apesar e por conta da crise gerada pela pandemia. Em termos de desempenho, os hipermercados, supermercados, farmácias e drogarias, além de material de construção, foram os formatos e segmentos que também tiveram evolução positiva, apesar da pandemia.

Mas, tanto quanto no mercado internacional, a atração representada pelos formatos de valor, que para muitos consumidores foi descoberta durante os períodos de crise, tende a se consolidar no período pós-crise, razão pela qual crescem as alternativas para expansão e conversão de lojas para esses formatos.

Essa perspectiva ensejou o movimento estratégico envolvendo o Assaí, que passa a ser listado na Bolsa de Nova York a partir desta segunda-feira (8), depois de sua cisão do Grupo Pão de Açúcar, amparado pelo forte desempenho recente que representou crescimento de 31% do lucro líquido no último trimestre do ano passado quando comparado com o mesmo período do ano anterior.

E também justifica a expansão no número de lojas de quem já opera no segmento, a entrada de novos players nesse mercado e a conversão de formatos de hipers e supermercados para atacarejos como resposta ao crescente e consistente aumento da preferência por sua proposta focada em valor. Esse valor é representado pelo preço mais baixo para atendimento de consumidores finais, pequenos comerciantes e transformadores, assim entendidos os operadores de foodservice, representados por bares, botecos, pequenos restaurantes e assemelhados.

Essa característica híbrida de atendimento de consumidores finais e revendedores/transformadores é uma das marcas desse formato, sendo as demais o sortimento, a operação simples e básica, os serviços limitados e a localização de acesso fácil e de baixo custo – tudo revertendo para a oferta de preços mais baixos, sua proposta fundamental de valor.

O futuro dos atacarejos no Brasil deverá envolver a incorporação de alguns serviços, especialmente orientados para os operadores de foodservice, a expansão das alternativas de pagamentos e, num futuro não muito distante, também as marcas próprias como forma de diferenciar e buscar a oferta de preços ainda mais baixos.

Mas o futuro próximo também sinaliza a expansão de operações de soft e hard discount no Brasil, derivadas ou não dos modelos de atacarejos, em lojas mais compactas e mais próximas e convenientes aos consumidores, modelo já operado pela rede Dia por aqui.

A história se repete

Interessante lembrar que o movimento de cisão do Assaí em relação ao Pão de Açúcar repete o ocorrido com Carrefour e a rede Dia em 2011, quando a empresa abriu capital na Espanha, na Bolsa de Madrid, e em 2019 passou a ser controlada pelo grupo LetterOne Holdings, grupo que teve origem com negócios na Rússia e com investimentos em tecnologia, energia, saúde e varejo.

No Brasil, o Dia, um conceito focado em valor, viveu sucessivos ciclos de evolução no negócio de supermercados de vizinhança com apelo soft discount, combinando de forma inovadora operações próprias com franquias e elevada participação de marcas próprias, um dos requisitos fundamentais para esse modelo de negócio.

Mas tudo indica que o consumidor médio que emerge da pandemia, mais endividado, tendo convivido com o desemprego e/ou redução de salário, pressionado por todo o quadro de incertezas, será, decisivamente, mais racional em seu processo de escolha de produtos e marcas. Ele tentará equilibrar seu orçamento contingenciado pela crise com suas necessidades nas diversas categorias de produtos e serviços e, portanto, estará mais interessado em formatos e conceitos que ofereçam mais valor por menos dinheiro.

Isso em todos os segmentos e categorias e, logicamente, apenas excluídos os “happy few” de setores que se deram bem no período, independentemente da realidade mais geral.

Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvea Ecosystem.
Imagem: Arte/Mercado&Consumo

Sair da versão mobile