A principal ameaça ao futuro dos shopping centers, em todo o Planeta, está dentro de casa: é a natural dificuldade que o setor possui em evoluir seu modelo de negócio, tão exitoso ao longo de tantos anos. No entanto, os tempos mudaram e embora o futuro dos shoppings possa ser muito promissor, para que isso aconteça será preciso repensar sua própria identidade, expressa inclusive no nome “shopping center”, que em português significa “centro de compras”, algo que os shoppings são também, mas não exclusivamente.
Essa visão parece ganhar a cada dia mais adeptos. O mais recente deles é o autor americano Doug Stephens, que lançou agora em abril um novo livro, “Resurrecting Retail” (algo como “Ressuscitando o Varejo”, em português). Nele, Stephens dedica aos shoppings um capítulo inteiro onde afirma, sem rodeios, que “os shopping centers estão morrendo porque as empresas que possuem e administram esses empreendimentos ainda acreditam que estão no negócio imobiliário”. Bem, apesar de não concordar que os shoppings estejam morrendo, não dá para negar que o rápido crescimento do digital precipitou transformações e trouxe grandes oportunidades, mas também graves ameaças para os shopping centers.
Na NRF Chapter 1, evento digital promovido pela National Retail Federation em janeiro deste ano, a britânica Kate Ancketill, da empresa de monitoramento de tendências GDR, já havia colocado uma pulga atrás das orelhas de muita gente ao avisar que “temos que começar a aceitar que o varejo físico será um sistema de suporte para o digital e o e-commerce“. Apenas dois meses depois, Allison Peterson, Chief Customer Office da Best Buy, reforçou durante o SxSW que a “a ideia da jornada do cliente começar no digital veio para ficar”. Para concluir, na NRF Retail Converge, realizada no final de junho, o Chief Stores Officer da Macy’s, Marco Mastronardi, repetiu que a centenária varejista americana agora é um “digitally led omnichannel retailer” (em bom português, “varejista omnichannel orientado pelo digital”). A soma disso tudo aponta para um ambiente de consumo híbrido, porém liderado pelos canais digitais. A loja física ainda será relevante, porém sem o protagonismo que agora, pelo menos nos Estados Unidos, já pertence ao digital em suas múltiplas formas, do e-commerce ao social selling, passando pelo live commerce, vendas por aplicativos de mensagens e outras novidades que surgirão.
Neste cenário, o negócio de locar lojas e remunerar-se em função das vendas que essas lojas produzem parece bastante anacrônico. Na verdade, a internet desafiou o próprio conceito original dos shopping centers, como aponta de forma perspicaz Doug Stephens: “Shopping centers eram essencialmente nossa versão analógica da internet. O mall era o Facebook, um lugar de encontros para reuniões entre amigos e família. O mall era o Tinder, onde vários relacionamentos surgiam… e terminavam. Era a Netflix, abrigando os cinemas da cidade. Era o Uber Eats, um lugar com inúmeras opções de comida na praça de alimentação. Era o Ticketmaster, frequentemente o único lugar onde podíamos comprar ingressos para eventos ao vivo. Finalmente, o mall era a Amazon, o lugar onde a maioria das jornadas de compra começavam e terminavam.”
Posto desta forma, percebemos que a transformação digital não alterou apenas a maneira como compramos. Ela pode ter afetado ainda diversos atributos importantes dos shopping centers. Isso significa que os shoppings estão condenados à irrelevância? De jeito nenhum.
As pessoas ainda querem e precisam de espaços de convivência presencial. Apreciam lugares onde podem fazer descobertas de produtos, marcas, sabores, sensações ou pessoas. Valorizam entretenimento e conteúdo exclusivo, daqueles que não se encontra em qualquer lugar. Desejam fazer parte de comunidades compostas por outros seres humanos igualmente interessantes, que compartilham valores comuns. E seguem sendo imediatistas, muitas vezes preferindo gratificação instantânea à compra mais racional. Focar nas demandas dos novos consumidores pode ser o caminho para reverter a percepção de trajetória descendente dos shopping centers que habita a mente de vários especialistas, varejistas, investidores e consumidores.
O livro de Stephens aponta alguns exemplos interessantes desses novos caminhos. Um deles é o Avalon, projeto de uso misto da North American Properties, ao norte de Atlanta (EUA), que oferece no mesmo local hotel, escritórios, residências e um espaço comercial com cerca de 57 mil m² de ABL. O Avalon promove cerca de 260 eventos por ano, como concertos, exibições de filmes ao ar livre, show de fogos de artifício e daí por diante. “Não estou no negócio imobiliário, mas no de hospitalidade e entretenimento”, explica Mark Toro, chairman do North American Properties. Outro bom caso citado por Stephens é o Coal Drops Yard, ao lado da estação de Kings Cross, em Londres (Reino Unido). Mais do que suas lojas e restaurantes, a força do Coal Drops Yard é ser um lugar agradável, com forte identidade, favorecendo encontros e proporcionando momentos agradáveis. Trabalha com muita competência o que chamamos de “sense of place”, ou “senso de lugar” numa adaptação livre.
Mas não precisamos ir tão longe para encontrar bons exemplos. Há soluções ótimas aqui mesmo em nosso país. Diversos shoppings começam a descobrir novos espaços e transformá-los em lugares agradáveis para a diversão e a convivência dos seus frequentadores. O BarraShopping Sul, da Multiplan, oferece o BarraCadabra, uma incrível área para entretenimento infantil a céu aberto. O novo ParkJacarepaguá, que a Multiplan inaugura esse ano no Rio, promete elevar ainda mais a qualidade dessa proposta. Já o Pátio Higienópolis acaba de fazer do seu rooftop um agradável jardim, repetindo algo que havia feito anteriormente em um dos seus pisos. Aliás, o uso dos terraços e áreas externas já vem sendo explorado por shoppings de diversas partes do País há algum tempo, como mostramos em artigo de dois anos atrás. Além disso, Pet Parks multiplicam-se país afora atraindo a comunidade de donos de animais de estimação. A ideia é uma só: ir além das compras, assumindo o papel de lugar de encontros e serviços para a comunidade formada pelos clientes do shopping.
Aparentemente, não tem volta. O futuro dos shopping centers passa por assumir sua vocação de espaço de entretenimento, socialização, descobertas e soluções, oferecendo experiências únicas, daquelas capazes de fazer o consumidor tirar os olhos das telas, levantar-se do sofá e ir correndo para o mall. A área de marketing de um shopping vai evoluir para um misto de curadoria de conteúdo de primeira com eventos diferenciados, acelerando o processo de Disneyficação desses empreendimentos. A área comercial vai não só atrair lojistas interessados nesse público como também marcas anunciantes. Na verdade, marketing, comercial e merchandising tendem a convergir em uma única super área para gerenciar o mall como um canal de mídia, apoiando a conexão entre compradores e vendedores. Como se vê, falamos de um outro negócio, bem mais amplo e complexo do que a natureza imobiliária que marcou o começo dessa trajetória.
O economista austríaco Joseph Schumpeter criou, na década de 40, o conceito da “destruição criativa”. Ele preconizava que as novas criações e inovações surgem ao destruir o que está estabelecido, como uma força incontrolável. Essa é a hora da indústria de shopping centers abraçar com convicção a ideia de evoluir seu modelo de negócio vitorioso pensando nos próximos 50 anos. Porque se o próprio shopping não desafiar seu negócio, alguém mais o fará. E logo.
Luiz Alberto Marinho é sócio-diretor da Gouvêa Malls.
Imagem: Envato/Arte/Mercado&Consumo