Do trabalho invisível à mudança social: o papel das empresas na economia do cuidado

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Restrita por tantos anos ao universo acadêmico, a economia do cuidado finalmente se tornou um debate público. Depois de circular no discurso de influenciadoras, episódios de podcasts e artigos nas redes sociais, a pauta chegou também ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2023, fazendo milhares de estudantes – e todos mais que estão no seu entorno – enxergarem o que era invisível: o trabalho não remunerado das mulheres que cuidam de casa, filhos, pais idosos, familiares com deficiência, entre outros.

Um estudo da ONG Think Olga mostrou que as mulheres gastam, em média, 61 horas em trabalhos não remunerados no Brasil. Um esforço que equivale a 11% do PIB, que é maior do que qualquer indústria e é mais que o dobro do que representa a produção do setor agropecuário.

É o maior subsídio à economia, conforme conclui a organização. E a consequência disso recai, é claro, sobre as próprias mulheres: desigualdades de renda, estresse, depressão e outros problemas de saúde.

As soluções competem ao coletivo, desde a ação individual com uma simples mudança de comportamento, passando pelo poder público com políticas públicas de valorização desse trabalho, até as empresas privadas, que podem começar cuidando do seu próprio time. 

Veja três formas de envolver sua empresa na resolução desse problema, gerando impacto social positivo no mundo:

Cuide das mulheres do seu time

Muitas dessas mulheres que sofrem com a sobrecarga do trabalho invisível estão dentro das empresas. E elas não estão felizes: segundo o estudo “Esgotadas”, da Think Olga,  a insatisfação com o trabalho é um dos motivos do esgotamento feminino: 4 em cada 10 mulheres estão insatisfeitas com seu trabalho. Além disso, a falta de dinheiro e a sobrecarga de trabalho são as questões que mais afetam a saúde emocional das mulheres. 

E há muitas formas de cuidar dessas profissionais, contribuindo para aliviar sua sobrecarga. Uma política de remuneração que leve em conta a equidade de gênero é uma dessas formas. Se a mulher recebe o salário adequado, ela terá menor dependência financeira – que reforça a sobrecarga do trabalho com cuidado -; mais condições de acionar rede de apoio remunerada e recursos para cuidar de si mesma.

Benefícios pensados nas mulheres também são um caminho para o tão falado “cuidar de quem cuida”. No Grupo MOL adotamos, desde março de 2023, a licença menstrual, que concede até dois dias por mês às mulheres que sofrem com o período, sem a necessidade de atestado médico. É uma autorização formal para que elas cuidem de si mesmas – assim como fazem com todos ao seu redor – e uma forma de a empresa dividir essa sobrecarga.

Cuide das mulheres próximas ao seu time

A empresa também pode investir em uma cultura organizacional que contribui para o compartilhamento do cuidado nas casas de todos os seus funcionários, inclusive dos homens. Ou seja, não apenas cuidar das mulheres que compõem suas equipes, mas também daquelas que fazem o trabalho invisível no entorno dos seus colaboradores: mães, esposas, avós e irmãs.

Um bom começo é uma política de licença à paternidade estendida. Os atuais 5 dias garantidos em lei são insuficientes tanto para que o pai gere vínculo com o filho, quanto para que ele exerça seu papel de co-cuidador. Também pode-se pensar em auxílio-creche, jornadas flexíveis, dias off e, se fizer sentido para a sua empresa, o modelo dos 4 dias de trabalhos semanais. 

Ao permitir que seus funcionários tenham um dia útil para dedicar à sua família, as empresas contribuem com o compartilhamento do cuidado.

Embora ainda seja novidade, o modelo começa a circular no Brasil: a Editora MOL inclusive é uma das 20 empresas que experimentam um piloto organizado pela 4 Day Week Brazil e pela Reconnect Happiness at Work.

Vale lembrar que benefícios como esses geram satisfação, senso de pertencimento e melhoria na produtividade, fazendo retornar os ganhos para o negócio.

Cuide das mulheres que cuidam do mundo

Quando pensamos em dar mais apoio a esse trabalho invisível do cuidado, falamos principalmente de trabalhos realizados no âmbito doméstico. Mas há, ainda, uma grande parcela de mulheres que estendem esses cuidados para além de seus lares, liderando projetos incríveis que cuidam de outros. 

Lançada no início de 2023, a pesquisa “Periferias e Filantropia – As barreiras de acesso aos recursos no Brasil”, realizada pela Iniciativa Pipa em parceria com o Instituto Nu, mostrou que mulheres negras periféricas com tripla jornada lideram ações de impacto social com menos de R$ 5 mil por ano.

São coletivos que possuem no máximo 10 membros, movidos por trabalho voluntário, mas com capacidade de impactar públicos de até 1000 pessoas e promover profunda transformação nas comunidades. 

Ao apoiar organizações como essas, as empresas dividem com as mulheres esse trabalho do cuidado e, de quebra, ajudam a melhorar o mundo. A verdade é que há muitas formas de mudar essa realidade do trabalho invisível e o melhor início é passar a enxergá-lo. E então, quem começa?

Roberta Faria e Rodrigo Pipponzi são cofundadores do Grupo MOL, ecossistema de negócios sociais que promove a cultura de doação.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
Imagem: Shutterstock

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