O que têm em comum a Terra do Nunca, Atlântida, Lilipute, Macondo, Pasárgada, Shangri-La e o Sítio do Pica-Pau Amarelo? Bem, esses lugares não existem, a não ser na imaginação de adultos e crianças de todo o mundo. Mas estão minuciosamente descritos no delicioso livro “Dicionário de Lugares Imaginários”, dos italianos Alberto Manguel e Gianni Guadalupi.
A maior parte destes lugares imaginários foi idealizada, segundo Manguel, “para satisfazer os viajantes enfastiados com a realidade”. É o meu caso. Mas não me limito ao mundo da fantasia. Pode parecer estranho, mas alguns cafés, livrarias, revistarias, lojas, restaurantes, funcionam para mim como lugares imaginários. Durante instantes, ou mesmo horas, me desligo da vida real e experimento uma vida sonhada, sozinho ou na companhia de pessoas queridas, para aliviar o estresse. A maioria dos lugares imaginários descritos no livro de Manguel e Guadalupi fica em ilhas. Faz sentido. Em nossos sonhos mais loucos, buscamos ilhas de felicidade, cercadas de caos por todos os lados.
Você deve estar se perguntando: o que shopping centers têm a ver com tudo isso?
Já faz tempo que os shoppings não são simplesmente centros de compras. Somente 37% dos frequentadores, em média, vão a esses locais especificamente para comprar. O que buscam por lá, então? Fácil. São pessoas à procura de momentos de prazer, apartados da realidade, das notícias angustiantes, das pressões cotidianas. Se souberem abraçar sua verdadeira vocação, que é construir ilhas de felicidade, cercadas de caos por todos os lados, os shopping centers podem até ampliar sua importância nas nossas vidas.
O bacana é que já tem gente grande apostando nessa ideia. A Ancar Ivanhoe, uma das maiores e mais importantes empresas de shoppings do País, é um exemplo. Exatamente um mês atrás, o Natal Shopping inaugurou o Alpendre, uma área de 2.200 m², localizada na entrada do empreendimento, onde, ao redor de jabuticabeiras, distribuem-se doze operações gastronômicas, dois palcos para pocket shows, brinquedos para as crianças e espaço para os filhos de quatro patas.
Mas o Alpendre não é uma ideia isolada. Ele faz parte de uma estratégia muito bem pensada. Hoje a Ancar conta com outros espaços que vão na mesma direção: o Quintal do Ban, no Parque das Bandeiras, em Campinas, o Jardim Urbano, no Conjunto Nacional de Brasília, o Terraço Botafogo, no Rio, e o Terraço do Pan, no Pantanal, em Cuiabá.
E não vai parar por aí. Ainda no primeiro semestre abre mais um, o Quintal do Jóquei, em Fortaleza, ocupando 5 mil m² em terreno ao lado do North Shopping Jóquei. Até dezembro o North Shopping Fortaleza também ganha um quintal, assim como o Shopping Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. A ideia da Ancar Ivanhoe é contar com um lugar desses em cada um dos seus empreendimentos.
Você com certeza reparou nos nomes, não? Quintal, jardim, alpendre, terraço, varanda. Não é por acaso. “Nosso intuito é proporcionar experiências, conexões e construir memórias afetivas. Pensando nisso, começamos a desenvolver áreas que remetessem à extensão da casa das pessoas”, disse Evandro Ferrer, CEO da Ancar Ivanhoe. O embrião de tudo isso, segundo o Evandro, foi a Rua do Rio, no Nova América, que tornou-se sucesso e referência para outros projetos quando trouxe, 20 anos atrás, o clima da rua para dentro do ambiente seguro e organizado do shopping.
Além de atender ao anseio dos clientes, o projeto, chamado internamente na Ancar Ivanhoe de “espaços proprietários”, também tem potencial para elevar as receitas dos shoppings. No Pantanal Shopping, onde um restaurante do Madero deu lugar ao Terraço do Pan, a soma do aluguel pago pelas várias operações do novo espaço superou o que era arrecadado do antigo locatário. “Essa estratégia pode ser essencial para cobrir os espaços eventualmente deixados por operadores grandes, que estão enfrentando dificuldades e podem sair”, observou Evandro, que não deu nomes aos bois, mas evidentemente está com as barbas de molho diante das crises enfrentadas por Americanas, Marisa, Tok&Stok, Amaro e outras mais.
Os eventos que acontecem nos quintais, terraços, jardins e alpendres da Ancar Ivanhoe geram ainda oportunidades para ativação de vendas nas demais lojas e ajudam a alimentar a base de clientes e a quantidade de downloads do aplicativo da companhia. “Pensar em como aumentar a base de clientes em cada ação do shopping aqui é premissa básica”, garantiu Evandro.
Assim como a Ancar Ivanhoe, há mais empresas perseguindo o mesmo objetivo, que é a construção da ideia de lugar, associado a momentos escapistas. Todas elas entenderam que vai se consolidando, aos poucos, o conceito do novo shopping. Ele é formado não apenas por um tenant mix adequado aos novos tempos, mas também por espaços semelhantes àqueles para os quais fugimos quando mergulhamos em uma boa história. São a reprodução, no mundo físico, de lugares que pertencem ao nosso imaginário, mas que podem ser experimentados, mesmo que por algumas horas, na vida real.
Luiz Alberto Marinho é sócio-diretor da Gouvêa Malls.
Imagens: Divulgação/Ancar Ivanhoe