Comerciantes da capital paulista e da Região Metropolitana de São Paulo (RSMP) podem ter deixado de arrecadar R$ 126 milhões em razão do apagão sofrido na última sexta-feira, 3, segundo estimativas feitas pelo Instituto de Economia Gastão Vidigal da Associação Comercial de São Paulo (IEGV/ACSP). O cálculo é baseado no volume movimentado diariamente na cidade de São Paulo e na RMSP.
As chuvas e os fortes ventos que atingiram a região na semana passada derrubaram árvores e postes, interrompendo o fornecimento de energia elétrica para os estabelecimentos das áreas afetadas. A Eletropaulo Metropolitana Eletricidade de São Paulo S.A (Enel), distribuidora responsável pelo fornecimento, não conseguiu restabelecer a energia no prazo determinado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), de até 4 horas.
Cerca de 11 mil imóveis continuavam sem luz até o meio-dia desta quarta-feira, 8, segundo declarações do presidente da companhia, Max Lins, durante a coletiva de imprensa na sede da empresa, na zona sul de São Paulo.
Na avaliação do economista da ACSP, Ulisses Ruiz de Gamboa, é difícil estimar os prejuízos com precisão, pois os efeitos do temporal não foram homogêneos e várias regiões ainda não tiveram o restabelecimento da energia. “Mas, podemos dizer que o prejuízo se dá, principalmente, por reduções nas compras imediatas e por impulso dos consumidores”, diz Gamboa.
Um dos sócios da empresa “noPorto Espaço Lounge”, que fica no Campo Belo, Marcelo Lima estima um prejuízo de R$ 35 mil pelos dois dias fechados sem energia elétrica. De acordo com o empresário, estava previsto um público de aproximadamente 260 pessoas entre reservas, evento agendado e público orgânico.
Depois de sobreviver às restrições sanitárias impostas pela covid-19, Lima, assim como outros empresários do setor, se vê às voltas com imensos prejuízos em decorrência do apagão. “Essas perdas são muito complicadas, ainda mais no final do ano, quando temos compromissos para cumprir, como o décimo terceiro salário dos funcionários, que começa a ser pago agora”, desabafa.
Durante os dois dias, ele tentou contato com a concessionária, mas não conseguiu nem por telefone nem pelo site. A energia do lounge voltou somente às 18h do domingo, 5.
A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes de São Paulo (Abrasel-SP) fez um levantamento do impacto do blackout no setor na capital. Até o dia 6, segunda-feira, 47% dos estabelecimentos afirmaram ter sofrido prejuízos leves e moderados e 49% consideraram insatisfatória a resposta da Enel em relação ao restabelecimento de energia. Ainda segundo o levantamento, 23,4% dos bares e restaurantes esperaram mais de 24 horas para ter a energia restabelecida e, até o início da semana, 15% permaneciam na escuridão.
Reparação pelos danos
As pessoas jurídicas têm direito à reparação por danos e prejuízos causados pela interrupção no fornecimento de energia, segundo Ernani Mascarenhas, advogado especializado em Direito do Consumidor. “O prazo da agência reguladora para o restabelecimento de energia em centros urbanos é de até 4 horas”, afirma Mascarenhas.
“Os donos das empresas devem documentar os prejuízos com vídeos, fotos e notas fiscais”, orienta Mascarenhas. Isso porque, durante a ação por danos materiais e morais, é preciso comprovar as perdas para que a Justiça determine a restituição, caso o autor ganhe a ação.
Geralmente, os cálculos são feitos sobre o lucro cessante, isto é, sobre o valor que o estabelecimento deixou de receber na sua atividade pelo corte na energia. Ele acrescenta, ainda, que as empresas dificilmente conseguem indenização por danos morais. O mais comum é a indenização por danos materiais. “Há um entendimento no judiciário de que a empresa não sofre dano moral.”
As microempresas podem procurar a Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon) do seu município para fazer a queixa. Aquelas que estão estabelecidas em São Paulo devem entrar no site do Procon-SP, procurar o canal de denúncia online e registrar o dano.
O órgão de proteção ao consumidor informou que está notificando as distribuidoras de energia elétrica em todo Estado, além das operadoras de telefonia, “para que expliquem detalhadamente os problemas e as providências que estão sendo tomadas, face à interrupção dos serviços desde a sexta-feira (3), especialmente na capital e Região Metropolitana, além da Baixada Santista”.
O Procon-SP solicitou números precisos sobre a quantidade de consumidores atingidos e de equipes atuando na emergência. Também pediu informações sobre as providências práticas adotadas e em curso para o restabelecimento dos serviços.
A Associação Nacional de Restaurantes (ANR) também emitiu nota sobre o caso e destacou que os eventos climáticos “foram desproporcionais a quaisquer precedentes”, o que poderia isentar a concessionária de quaisquer responsabilidades. No entanto, a associação informa que o entendimento dos órgãos de proteção ao consumidor, como Procon e Idec, é diferente quando ocorrem danos a equipamentos, como, por exemplo, computadores, entre outros, que devem ser ressarcidos ao consumidor pela empresa distribuidora.
Ministério Público
A Promotoria de Justiça do Consumidor da capital abriu investigação para apurar a interrupção no fornecimento de energia elétrica. Em nota, a assessoria de imprensa do Ministério Público de Estado de São Paulo (MPSP) informou que houve uma reunião entre Promotoria, Enel e Arsesp (Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo) na terça-feira, dia 7.
No encontro, a Promotoria propôs à concessionária “solução consensual dos problemas relacionados às interrupções no fornecimento de energia, em especial a melhoria nos padrões de qualidade do serviço prestado, o fortalecimento dos canais de atendimento à sociedade, a reparação material dos consumidores prejudicados com os fatos ocorridos a partir de 3 de novembro de 2023, a indenização pelos danos morais individuais sofridos pelos consumidores atingidos pelos eventos do dia 3 de novembro e o pagamento de indenização pelo dano moral coletivo imposto à sociedade nos últimos dias”.
A diretoria da Enel tem 15 dias para analisar a proposta e, caso não haja consenso, a promotoria ajuizará ação civil pública para resguardar os interesses dos consumidores.
Procurada para comentar as informações dessa reportagem, a assessoria de imprensa da Enel não retornou à solicitação até o momento da publicação.
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