A vida voltou ao normal no 3º trimestre de 2022 no Brasil. Grandes festivais de música, ruas lotadas de pessoas trabalhando, consumindo e aproveitando suas vidas após dois anos difíceis. O cenário econômico trouxe certo alívio, com redução lenta, mas consistente, da inflação, redução dos preços dos combustíveis e do desemprego. Enquanto o mundo assiste atônito à escalada inflacionária e instabilidades econômicas, o Brasil apertou a política monetária antes dos demais Bancos Centrais, ajudando a conter efeitos ainda mais duros da inflação, criando boas perspectivas para a economia doméstica neste ano.
Nesse contexto, o foodservice brasileiro teve boa performance no 3º trimestre: crescimento de 4,1% no tráfego e de 19,6% no gasto total, resultado do forte aumento do ticket médio por consumidor, que foi de 14,9%, reflexo não apenas os efeitos inflacionários ainda sentidos no país, como também o aumento no gasto individual médio. Comparando o 3º trimestre de 2022 aos níveis pré-pandêmicos, porém, o desafio continua a ser a quantidade de visitas: enquanto o gasto ficou 3,2% acima do verificado no 3º trimestre de 2019, o tráfego ainda está 14,9% abaixo daquele período.
Enquanto o Brasil assiste a uma recuperação consistente do setor, existem riscos reais de uma recessão global em 2023, com a inflação sendo a peça central no mundo desenvolvido, cujos mercados monitorados pelo Crest mostram desaceleração econômica ao longo dos trimestres em 2022.
Nos Estados Unidos, Europa, Coréia do Sul, Japão e Austrália, a inflação segue em níveis elevados, demandando medidas de caráter recessivo para controlar a alta dos preços, criando um cenário desafiador para o foodservice, que depende diretamente de renda disponível e do consumo para crescer. China, por sua vez, tem sido prejudicada por conta da sua política de tolerância zero contra a covid-19, impactando a produção industrial e o consumo, ao que se soma a crise no setor imobiliário chinês. A desaceleração da segunda maior economia do mundo impactará não apenas os mercados emergentes, como também a demanda global, reforçando o cenário recessivo que se avizinha.
De forma geral, a confiança do consumidor também está em queda, com exceção dos EUA (mais recentemente) e do Brasil.
Embora o Brasil tenha aumentado as taxas de juros de forma antecipada, e lentamente esteja reduzindo a inflação, o país sentirá os efeitos da desaceleração global, ao que se somarão os desafios fiscais do próximo governo, que tomará posse em janeiro de 2023. Esses desafios impactarão o endividamento público e os índices inflacionários, o que poderá demandar novas medidas de aperto monetário por parte do Banco Central, desaquecendo uma economia que aos poucos se mostrava em recuperação, com potencial para afetar emprego, renda e consumo.
Se para o foodservice global já havia o desafio de recuperar os níveis de tráfego pré-pandemia, ele será potencializado por consumidores que estão com o orçamento doméstico cada vez mais apertado por conta do aumento generalizado dos preços, não apenas no foodservice, mas também no consumo básico e essencial do dia a dia.
Apesar do contexto, em relação a 2021 quase todos os países monitorados pelo Crest cresceram em termos de gasto (exceto Reino Unido e China), impactados pelo tráfego e pelo ticket médio, mas esse crescimento é desigual entre segmentos, ocasiões e canais.
O QSR, ou seja, as redes de fast-food, cresce em todos os países, exceto nos EUA, Reino Unido e na China – ou seja, nas duas maiores economias do mundo, em mercados de grande penetração do setor, um sinal de alerta para o foodservice de forma geral. Full service mostra boa recuperação na Europa, com exceção da Alemanha, o que também ajudou a fortalecer o ticket médio do continente.
Analisando as ocasiões do dia (os dayparts), o almoço mostra crescimento generalizado (exceto nos EUA e na China), sinalizando a recuperação de um daypart que sofreu muito durante a pandemia, por ser historicamente relacionado ao consumo de dias úteis e ao trabalho nos escritórios – ou seja, um movimento positivo que mostra uma recuperação consistente em relação aos volumes perdidos durante os últimos dois anos.
O consumo on premise, ou seja, no local de compra, mostra crescimento generalizado (exceto na China, reflexo das fortes restrições devido à covid-19), ajudando a reforçar a recuperação do setor e de ocasiões como almoço e dias úteis, e também refletindo o retorno das pessoas não apenas ao consumo do dia a dia, mas em momentos de maior indulgência (por exemplo, à noite e aos finais de semana). O on premise cresce, mas no Brasil, EUA e Espanha opera em patamares inferiores aos verificados pré-pandemia, refletindo as mudanças de hábito de consumo ocorridas nos últimos dois anos.
De fato, o delivery alcançou novos patamares de importância em todos os mercados, inclusive no Brasil. O canal está se ajustando à reabertura total das economias e à ausência de restrições ao consumo e à circulação de pessoas, mas opera hoje em níveis superiores aos de 2019, desafiando operadores que tiveram que se adaptar a essa operação complexa, e agora precisam mantê-la porque a concorrência se tornou ainda maior.
De forma geral, os mercados crescem em relação a 2021, mas nenhum país atingiu os patamares de tráfego do pré-pandemia, e o gasto tem crescido refletindo os efeitos inflacionários, movimento insustentável a médio e longo prazo. A confiança do consumidor está caindo lentamente, o risco de recessão global em 2023 é maior, com potencial para impactar um setor tão dependente do crescimento da renda e do consumo como é o foodservice.
Para 2023, o tráfego continuará a ser um desafio para os operadores, redes ou independentes, dos diferentes segmentos. Ocasiões e canais se recuperam de forma desigual, demandando atenção e estratégias específicas para atrair, em diferentes momentos do dia e locais, um consumidor que se tornou muito mais reflexivo durante a pandemia, que está otimista em relação ao futuro por um lado, mas que segue cauteloso e menos confiante, tendo em vista um cenário não tão promissor no próximo ano.
Nota: O Crest é um estudo sindicalizado sobre foodservice, criado e liderado há 40 anos pelo The NPD Group, operando em 12 países: Brasil, Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Espanha, França, Itália, Reino Unido, China, Coréia do Sul, Japão e Austrália. O estudo está presente no Brasil desde 2015, liderado pela Mosaiclab em joint venture com a NPD. Seu objetivo é entender os hábitos dos diferentes perfis de consumidores em suas visitas a restaurantes, nos diversos segmentos, canais e ocasiões de consumo que compõem o setor.
Eduardo Bueno é head de Pesquisa e Inteligência na Mosaiclab, responsável pela pesquisa Crest no Brasil.
Imagens: Shutterstock e Reprodução