Desde 2015, a pesquisa Crest acompanha as mudanças no comportamento do consumidor no Brasil e também as transformações do foodservice. Antes, com operações marcadas pelo consumo massivo em lojas, guerra de preços e promoções, e hoje, mais intensivas em tecnologia, com destaque para o delivery e, em menor escala, aplicativos, CRM e programas de loyalty.
Os últimos 8 anos também não foram fáceis para a cadeia de valor. Crises econômicas, incertezas, pandemia e eleições. Em meio a tanta instabilidade, o foodservice brasileiro provou sua resiliência e seguiu em transformação. E o consumidor também mudou.
Desde 2020, a Mosaiclab realiza anualmente o estudo proprietário Tomorrow’s Consumer, que estuda a evolução comportamental das pessoas, a partir do qual foi observado que os consumidores estão cada vez mais exigentes, fluidos, ignorando barreiras entre on e off-line, mais apegados a causas sociais e influenciados pelo uso massivo da tecnologia em suas tomadas de decisão. Ou seja, não existe volta ao normal, já que, com novos comportamentos, foram estabelecidas novas expectativas. E isso naturalmente impactou o setor de alimentação fora do lar.
Em 2022, o foodservice brasileiro atingiu um gasto total de R$ 216,2 bilhões, recorde histórico, e 28% acima do verificado em 2021, impactado principalmente pelo tráfego, que cresceu 15% em relação àquele ano. Resultado robusto e importante para o setor.
Aos poucos, o setor também vai normalizando seu crescimento, enquanto recupera as perdas da pandemia. O que se nota é uma maior pressão sobre o ticket médio após 2020, refletindo, entre diferentes fatores, a alta inflação que afeta diretamente os custos da indústria, dos operadores e, por consequência, os preços praticados junto ao consumidor.
Enquanto o gasto já está 1% superior aos níveis de 2019, o grande desafio do setor é o tráfego, que está 20% abaixo. Contabilizou 12 bilhões de visitas em 2022, 3 bilhões a menos do que no ano pré-pandemia.
Alguns fatores ajudam a explicar o tráfego ainda muito abaixo: alta inflação afetando sobretudo os preços da alimentação dentro do domicílio, apertando a renda das famílias; a alta inadimplência, com as altas taxas de juros encarecendo o crédito e as famílias mais endividadas; apesar da queda consistente do desemprego, ela é impactada também pelo aumento da informalidade, cuja renda é menor e mais instável do que a oferecida por um emprego formal, deixando consumidores mais cautelosos para consumir. Deste modo, o ticket médio mais elevado acaba sendo uma barreira para uma volta mais intensa e massiva dos consumidores.
E essa volta dos consumidores para o foodservice pode ser analisada pela penetração do setor, ou seja, de cada 100 potenciais consumidores, quantos estão efetivamente consumindo refeições preparadas fora do lar.
Em 2019, a penetração do setor atingiu 29%, muito aquém de mercados desenvolvidos como Estados Unidos, mas foi um recorde histórico no Brasil, mostrando todo o potencial de crescimento que o setor ainda tem no País. A penetração caiu ao longo da pandemia. Está se recuperando, mas de forma lenta, mostrando que existe espaço para crescimento e expansão dos negócios do foodservice.
Se os consumidores mudaram ao longo da pandemia e tornaram-se mais intensivos em tecnologia, isso impactou suas motivações de consumo. Conveniência e indulgência ganharam força nos últimos anos, e parte desse processo passou pela rápida expansão do delivery e dos pedidos digitais – que se tornaram uma das únicas opções disponíveis para consumo durante os meses de isolamento.
Em 2022, pedidos via delivery já representavam 16% do tráfego do setor, após ter atingido seu pico, de 21%, em 2021. Um salto expressivo, já que em 2019 era apenas 9%. Pedidos digitais (via aplicativo ou site) também mostraram uma evolução rápida, representando 12% do tráfego total do setor em 2022 – e já são o dobro do pré-pandemia.
Se por um lado o delivery e a digitalização dos pedidos facilitam a vida do consumidor, oferecendo conforto e máxima conveniência, por outro pulverizam a concorrência. Ou seja, para um operador que antes precisava focar em atrair consumidores em uma grande via ou praça de alimentação, agora precisa disputar os consumidores no ambiente digital, no qual as opções são inúmeras.
E esse cenário de concorrência forte e pulverizada é reforçado pelo fato de que, no Brasil, o foodservice é pulverizado, ou seja, fortemente marcado pela presença de operadores pequenos e independentes. Porém, as redes têm aumentado gradativamente sua participação no mercado, indicando desenvolvimento e melhor estruturação do setor – mas com um grande espaço para expansão.
Além do forte potencial de desenvolvimento e expansão de redes no Brasil, ainda aquém do verificado em mercados maduros como o norte-americano, as redes de forma geral têm mostrado um desempenho superior ao dos operadores independentes. Enquanto estes estão aquém dos níveis pré-pandemia em termos de gasto, as redes já operam acima.
O foodservice brasileiro tem mostrado recuperação consistente, e em 2022 apresentou resultados robustos, tanto em gasto como em tráfego. Seus principais desafios para 2023, porém, serão a inflação e o fluxo de visitas. Apesar de crescer, a recuperação do setor é desigual em termos de canais, ocasiões e público. A inflação dentro do domicílio segue pressionada, criando restrições orçamentárias às famílias.
Mesmo em meio a um cenário complexo, com todos os desafios previstos para 2023 na economia brasileira, os consumidores estão gastando mais, otimistas quanto ao futuro, ainda que cautelosos – mais racionais e reflexivos, escolhendo melhor como gastar. Estes fatores suportarão a recuperação contínua do setor, que deve ser fortalecida pela difícil tarefa de entender o comportamento cada vez mais volátil dos consumidores.
Eduardo Bueno é head de Pesquisa e Inteligência na Mosaiclab, responsável pela pesquisa Crest no Brasil.
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