A consolidação de mercado é uma consequência quase natural ao aumento da competitividade determinada pelo empoderamento do consumidor conjugado com o maior acesso a recursos financeiros, tecnológicos e humanos dos conglomerados empresariais. Esse é um fato consagrado.
Na Europa, em alguns setores, como supermercados, as cinco maiores redes podem representar até 60% das vendas em alguns países. Nos Estados Unidos, esses números são menores e atingem patamares de 30%.
No Brasil pré-pandemia, os níveis de consolidação nos diversos setores, dentro do mesmo critério de participação das cinco maiores redes, variavam de 20% a 55%, incluindo supermercados, eletrodomésticos, material de construção, farmácias e outros.
Esse movimento aconteceu e acontece no mercado global e local e parece inevitável, exceto quando uma forte disrupção tecnológica cria alternativas, como ocorreu no setor financeiro brasileiro com a explosão das fintechs que, estimuladas pelas circunstâncias e pelo próprio Banco Central, estão contribuindo para reduzir o indesejável e elevado grau de concentração que chegou a atingir 88% de todo o valor do crédito no País.
No setor de varejo não é diferente, porém com cores locais mais particulares.
No varejo do mundo, a combinação das plataformas exponenciais ocidentais como Amazon, incorporando negócios digitais e posteriormente tradicionais, como Whole Foods, criou alternativas e espaços para surgimento de novas opções que rapidamente as transformaram de novos entrantes a consolidantes.
No mercado da Ásia, em especial na China, os Ecossistemas de Negócios, como Alibaba, Tencent, JD, Pinduoduo e outros seguiram pelo mesmo caminho.
De entrantes gerados pela tecnologia avançaram para se tornarem consolidadores com um voraz apetite para o crescimento, integrando e-commerce, varejo em diversos formatos e canais e ampla frente de serviços e se posicionando entre as maiores corporações globais.
Na realidade brasileira, o boom que vivenciamos de formação dos Ecossistemas de Negócios Made in Brazil, como Magalu, Via, Americanas, Mercado Livre, Soma, Carrefour, Riachuelo, Arezzo e outros mais, sofre momentâneo refluxo como resultado de uma combinação perniciosa de alta inflação, desemprego, redução da renda real e da massa salarial que baixa a velocidade de seu crescimento.
Reduz, mas não inibe e nem paralisa. É a apenas um soluço no processo que retarda sua evolução.
É inevitável que esse crescimento voltará a se intensificar à medida que as condições macroeconômicas voltem ao seu curso mais normal e previsível.
Estaríamos condenados então a um mercado de poucos dominando muito nas diversas categorias de produtos e soluções no varejo?
Definitivamente não.
Existem soluções que conciliam respostas estruturais positivas aos desafios da consolidação pela integração de pequenos, médios e até grandes, com soluções interessantes e que promovem um melhor equilíbrio de forças, muitas delas estimuladas pelos fornecedores de produtos e marcas que, definitivamente, são os mais ameaçados pelo crescimento da consolidação.
Existem muitas opções nas quais pequenos e médios podem se integrar e se manter competitivos e crescer por meio das franquias, centrais de negócios e grupos voluntários, incluindo os mais diversos modelos híbridos e as opções geradas pelos modelos digitais, como os marketplaces.
É o caso, por exemplo, da Rede Brasil, que reúne 16 grupos supermercardistas com forte expressão regional e que se integraram para criar soluções próprias e compartilhadas.
Ou a opção da rede Smart, criada e subvencionada pelo Atacadista Martins, que reúne centenas de pequenos supermercados pelo País que, com acesso maior a recursos financeiros, tecnológicos e outros, se tornam mais competitivos em seus mercados locais. Assim como os grupos criados pela integração de redes de lojas de material de construção, inclusive com apoio decisivo de fornecedores.
Ou as opções criadas pela DPaschoal para integrar pequenos negócios locais com suas operações em larga escala.
A realidade é que corporações globais ou locais de varejo consideram cada vez mais alternativas onde possam integrar pequenos e médios para aumentarem sua participação de mercado por meio de franquias ou modelos híbridos.
Na realidade internacional, um exemplo interessante era do grupo X5 da Rússia, que tem a liderança do setor de supermercados com diferentes bandeiras e formatos de operações próprias, com franquias de independentes, modelo que também inspirou o Dia na Espanha e aqui no Brasil, spin off da operação anteriormente parte do grupo Carrefour e agora controlada pelo grupo LetterOne inglês, com participação de investidores ligados ao X5.
Da mesma forma como Casino na França, que tem modelos como seu formato Leader Price com proposta similar de modelo híbrido de operações próprias corporativas com independentes, e E.Leclerc, também na França.
A dinâmica de mercado está aproximando cada vez mais os fornecedores de produtos e marcas do varejo e o faz também considerando modelos híbridos com operações próprias e outras integrando pequenos operadores, como P&G com suas lavanderias e lava-rápidos nos Estados Unidos.
Sem falar de muitas dessas marcas, em diversas categorias no ambiente físico e digital, por meio dos marketplaces.
Se é inevitável que a consolidação é regra importante do jogo, acelerada pela expansão do digital e do e-commerce, também é nítido que crescem as oportunidades para modelos combinados que envolvam pequenos e médios para aceleração e multiplicação do crescimento, em especial com as novas alternativas criadas pelo avanço do digital.
No momento atual, se torna cada vez mais relevante pensar alternativas disruptivas para combinar crescimento orgânico próprio com opções diferenciadas com as virtudes de alguma forma de integração.
E sempre depende de como vemos a realidade. Ameaça ou oportunidade?
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
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