Nos últimos anos, o mercado de brinquedos tem enfrentado transformações significativas, moldadas pelo avanço da tecnologia digital e pela ascensão das plataformas de streaming. Após um crescimento robusto durante a pandemia, com um aumento de 28% no faturamento entre 2021 e 2022, o setor viu uma retração de 12% em 2023 e uma queda acumulada de 7% até maio de 2024. Essa desaceleração, embora influenciada por fatores macroeconômicos e crises pontuais no varejo, reflete mudanças fundamentais no comportamento do consumidor em relação ao entretenimento.
A relação entre brinquedos e mídia é antiga. Desde as bonecas inspiradas em Shirley Temple na década de 1930 até os Transformers dos anos 1980, cuja popularidade inicial como brinquedos foi ampliada por um desenho animado, a interdependência entre essas indústrias sempre foi forte. No cenário atual, 60% dos brinquedos mais lucrativos no Brasil e 70% dos que mais crescem estão ligados a franquias de entretenimento como Hot Wheels, Avengers e Barbie. É nesse vínculo que reside a força das franquias e licenças que o entretenimento produz. Tal vínculo é um diferencial competitivo, aumenta a atração, conversão e retenção dos seus produtos quando comparado a produtos sem licença.
Entretanto, a ausência de conteúdo também tem um impacto adverso significativo. Entre junho de 2023 e maio de 2024, as licenças que mais perderam receita foram aquelas associadas a lançamentos no cinema que não mantiveram o conteúdo atualizado. Jurassic World, Toy Story e Marvel foram algumas das maiores vítimas dessa queda, resultando em uma perda de R$160 milhões em vendas de brinquedos licenciados. A greve dos roteiristas, que afetou a criação de novos conteúdos, também contribuiu para essa perda.
O domínio das plataformas de streaming, como Netflix e Disney+, está redefinindo o mercado de brinquedos. Em 2023, a Netflix alcançou 238 milhões de assinantes e a Disney+ ultrapassou 160 milhões. O sucesso de “Gabby’s Dollhouse”, uma série nascida diretamente no streaming, ilustra o potencial desse canal. Com um crescimento de 71% em vendas de brinquedos licenciados no Brasil, “Gabby’s Dollhouse” destaca o impacto positivo do streaming no mercado. Nos EUA, a série acumulou 1,45 bilhões de visualizações e U$ 257 milhões em vendas de brinquedos.
Outras franquias que se beneficiaram do streaming incluem “Addams Family”, impulsionada pela série “Wandinha” no Netflix, e “Ninja Turtles”, que teve um filme exclusivo na plataforma. O streaming não apenas substituiu parte do consumo de cinema, mas também ampliou o alcance e a frequência de visualizações, criando oportunidades para licenciadores.
Além do streaming, outras plataformas de entretenimento, como o YouTube e os games têm desempenhado papéis importantes. O boneco do Youtuber Enaldinho, por exemplo, tornou-se um dos mais vendidos no Brasil, demonstrando o poder dos influenciadores digitais. A indústria de games também é relevante, com franquias como Sonic gerando impressionantes U$ 110 milhões em vendas de brinquedos apenas nos EUA. Os dados contidos neste artigo são um levantamento da Circana, empresa global de data tech para análise do comportamento de consumo.
Essas mudanças revelam que a internet e o streaming estão transformando o mercado de brinquedos, exigindo que fabricantes e licenciadores adaptem suas estratégias. Cada vez mais a inovação tecnológica e a personalização serão fundamentais, assim como explorar novas formas de engajamento online e presencialmente. Brinquedos interativos conectados a apps, conteúdo em redes sociais, uso de realidade aumentada e conteúdos exclusivos em streaming, são exemplos de inovações em brinquedos que devemos esperar para os próximos anos.
Todas essas estratégias e inovações, não apenas aumentam a visibilidade e venda dos produtos, mas cria um vínculo mais forte e duradouro com o público.
Guilherme Bocchi é gerente de contas da Circana.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
Imagem: Shutterstock