O falso dilema entre a indústria e o comércio

 

No período de 2003 a 2013, o crescimento médio composto (CAGR) do comércio varejista foi de 6,6% e o da indústria de transformação de 3,7%. Neste período, o Brasil viveu uma forte expansão de consumo, principalmente pela conversão de mais de 40 milhões de consumidores que migraram para a classe média graças ao aumento da massa salarial pela expansão do emprego e da renda real das famílias, pelo aumento da oferta do crédito ao consumo e pelo nível médio de confiança do consumidor elevado.

Foi um período virtuoso que o comércio e o Varejo puderam aproveitar e que, pontualmente, foi também estimulado por incentivos fiscais, especialmente para o setor industrial, e em particular para a indústria automobilística e de outros bens duráveis.

Pelas mais diversas razões mas, principalmente por questões competitivas, alguns segmentos industriais no Brasil não puderam aproveitar plenamente esse surto de crescimento e têm enfrentado muitas dificuldades em operar num cenário onde as motivações ao consumo se tornaram menos relevantes.

Importante considerar que muitos outros segmentos da indústria, especialmente os ligados aos setores de alimentação e bebidas pouco ou nada foram incentivados para se manterem competitivos e dependeram fundamentalmente de sua própria capacidade para aproveitarem a expansão do consumo interno e, alguns, para atuarem no cenário externo, à despeito dos problemas cambiais.

O comércio e o Varejo para suprirem necessidades da demanda interna e oferecerem condições competitivas para o consumidor brasileiro foram buscar alternativas no mercado externo, através das importações, como se faz em todos os países mais desenvolvidos.

No momento atual em que todas as atenções se concentram na análise comparativa das propostas dos candidatos à presidência, particularmente importante no cenário adverso que o país atravessa, por conta da Crise de Confiança que se instaurou, a discussão do necessário resgate da indústria nacional tem sido uma constante em todas as propostas considerando uma visão míope, muitas vezes, de que o consumo e o comércio já foram contemplados.

Solução, não problema

Esse quadro fica evidente na ausência de projetos ou mesmo um discurso correto no que diz respeito ao como se pretende atuar no apoio aos setores de comércio e consumo, como se o apoio a essas áreas tivesse se convertido em problema e não em solução.

O que de mais relevante ocorreu no Brasil no período recente foi a transformação sócio econômica no perfil da população que permitiu a expansão da base consumidores, melhoria na sua qualidade de vida, acesso a produtos e serviços e amadurecimento de seu comportamento como consumidores e cidadãos.

Mas existe espaço para muito mais e, principalmente, consumo significa cada vez mais consumo de produtos e serviços.

A penetração dos bens de consumo nos lares brasileiros pode e deve ser ainda melhorada, o acesso a uma educação de melhor nível é o principal desejo da população, que depende cada vez mais do ensino privado básico ou complementar, a busca de melhores serviços na área de saúde também é cada vez mais dependente do setor privado. Além disso, na área de alimentação a necessidade da alimentação fora do lar é cada vez maior e pressupõe acesso e disponibilidade a mais alternativas de formatos.

Ou seja, é preciso pensar condições para que o consumo de serviços e acesso a produtos cada vez mais modernos e com novos benefícios, incluindo menor consumo de energia, possa continuar a ocorrer para continuar sustentando a expansão do PIB através do aumento do consumo de produtos e serviços como vem ocorrendo no Brasil desde 2004 com o comércio crescendo muito mais do que outros setores e contribuindo para um melhor desempenho do PIB que insiste em se manter muito baixo por conta de outros setores econômicos, em especial, o industrial.

Não se pode ignorar que quanto mais moderna e madura uma sociedade maior a participação dos serviços, incluindo o comércio e o varejo, no seu PIB, sendo que em uma amostra de economias mais desenvolvidas esses segmentos participam com perto de 70% sinalizando que esse é um caminho inexorável na expansão econômica brasileira.

Num projeto estratégico para o Brasil, que deveria ser a preocupação de todos os atuais candidatos, não podemos ignorar que a matriz futura para o país deverá concentrar maior atenção nas áreas onde podemos ser mais competitivos globalmente, em especial nos setores agropecuário, extrativo mineral e nas indústrias de maior valor agregado, trabalhando e continuando a desenvolver o consumo interno de produtos e serviços e dedicar ainda maior atenção aos setores onde, apesar de termos potencial, como o turismo, estamos operando de forma amadura.

Não pode existir dilema entre indústria e comércio mas temos que ser realistas que não conseguiremos ser competitivos em escala global em todas as áreas e setores e que na economia, como na vida, temos que fazer opções.

Nota: Alinhado com o momento em que vive o mercado, o 17a edição do Fórum de Varejo da América Latina, realizado pela GS&MD – Gouvêa de Souza nos dias 26 e 27 de Agosto no auditório da Fecomércio em São Paulo terá como tema central a busca da Eficiência e Produtividade no setor.

Nos painéis iniciais do evento, teremos um amplo debate sobre o cenário e as perspectivas para o setor, contando com a participação dos economistas e ex-presidentes do Banco Central, Gustavo Franco e Gustavo Loyola, e de alguns dos mais importantes empresários e dirigentes do Varejo. Acesse o programa completo através do site www.forumdevarejo.com.br

 
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