Para o marketing dos shoppings, já não basta gerar fluxo: é preciso promover conexões

Para o marketing dos shoppings, já não basta gerar fluxo: é preciso promover conexões

Quatro crianças, com cerca de 6 anos de idade, abordam adultos que tomam café sozinhos em suas mesas, em uma cafeteria londrina.

Uma lourinha, com penteado maria-chiquinha e lindos olhos azuis, puxa conversa com um senhor de óculos e paletó de veludo marrom, que estava ao celular. “Por que seu cabelo é branco?”, pergunta ela. Surpreendido pela pergunta inusitada, ele responde de forma poética. “É como as árvores no outono. Você perguntaria a uma árvore por que suas folhas são marrons?”

Em outra mesa, Layla, uma menina espevitada, que veste camisa listrada branca e azul sob um casaco azul marinho, se senta na mesa de uma senhora jamaicana. Layla pergunta onde estão os amigos dela, ouve que eles moram em outro país e conclui filosófica: “Por que as pessoas não podem ser amigas umas das outras?”.

As crianças interagem com os adultos, conversam e brincam e riem com eles. Ao final, o dia de todos muda para melhor. Essas cenas fazem parte de um lindo vídeo produzido pela Sheffield Hallam University, seis anos atrás, para a ‘Campanha para Acabar com a Solidão’.

A epidemia da solidão

O site da campanha revela números alarmantes: nada menos do que 43% dos adultos no Reino Unido se sentem sozinhos, com maior ou menor frequência.

O fenômeno não está restrito aos britânicos. Em sua palestra na NRF deste ano, Cassandra Napoli, da WGSN, avisou que 23% das pessoas no planeta estão solitárias, de acordo com dados recentes do Gallup. No Brasil, o percentual é parecido: um em cada quatro brasileiros se sente só na maior parte do tempo, segundo investigação da Koga, unidade de estudos comportamentais da DOJO, uma agência de comunicação baseada em São Paulo.

O assunto merece atenção. Em 2023, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu oficialmente a solidão como uma grave questão global. Vivek Murthy, importante autoridade norte-americana em assuntos de saúde pública, afirmou, dois anos atrás, que “se sentir só equivale a fumar 15 cigarros por dia”.

Antes de seguir em frente, que tal definir solidão?

Para a Sheffield Hallam University, solidão é “um sentimento subjetivo e indesejável de falta ou perda de companheirismo. Acontece quando há um descompasso entre a quantidade e a qualidade das relações sociais que temos e aquelas que desejamos”.

Em outras palavras, é possível se sentir só e desconectado, mesmo com um monte de gente ao redor. O frenético relacionamento nas redes sociais, muitas vezes superficial e egocêntrico, não é suficiente para atenuar o sentimento de isolamento de boa parte das pessoas.

O problema é sério e o cenário, complexo. Mas tem luz no fim desse túnel. O oposto da solidão é conexão.

Grupos intencionais – já ouviu falar?

O ótimo estudo desenvolvido pela Koga, batizado de ‘Queridos Estranhos’, aponta caminhos interessantes. Após conversar com especialistas no assunto, analisar documentos, dissecar o comportamento dos internautas brasileiros nas redes sociais, promover grupos de discussão e entrevistar 1.500 pessoas, os pesquisadores da Koga perceberam que uma outra forma de se relacionar vem ganhando protagonismo. São os ‘grupos intencionais’.

Sabe aquelas pessoas que se encontram na praia para jogar Beach Tennis? Ou o pequeno grupo de donos de cães que marcam todos os dias de passear no parque no mesmo horário? E aqueles motoqueiros que a gente encontra na estrada no fim de semana? Já reparou nos ciclistas urbanos, que percorrem juntos as ruas da cidade à noite? São exemplos de pequenas comunidades que se formam de maneira intencional, unidas por gostos ou valores comuns. Gente que se entende, se apoia e sente que faz parte de algo importante.

A pesquisa da Koga mostrou a força dessas ligações, motivadas por identificação, que acontecem a partir da intenção de interagir com outros, antes desconhecidos. Nada menos do que 50% dos entrevistados pelo estudo participavam de algum grupo intencional. Destes, 74% afirmam que eles são tão ou mais importantes para seu bem-estar do que as relações com amigos formais.

A evolução do terceiro lugar

O sociólogo americano Ray Oldenburg, que faleceu há 2 anos, criou o conceito do ‘terceiro lugar’. Para ele, o primeiro lugar era a casa e o segundo, o trabalho. Oldenburg acreditava que precisamos todos de um terceiro lugar, onde seria possível socializar de forma segura e conveniente. Com o caos urbano e a balbúrdia climática, as ruas e praças públicas já não servem tão bem a esse propósito.

No Brasil, os shoppings ocuparam rapidamente o posto de terceiro lugar para importante parcela da população. Como consequência, deixaram de ser ‘templos de consumo’ para tornarem-se destinos de prazer e pontos de encontros.

O relatório de ‘Queridos Estranhos’, no entanto, faz uma provocação que deveria gerar boas reflexões para os nossos shoppings. Ele menciona ‘a queda do terceiro lugar’. De fato, se o mall for só cenário e não estimular conexões, ele perde a sua função socializadora.

Em outras palavras, não é mais suficiente criar espaços de descanso, promover eventos, agregar cafés e restaurantes ao mix e gerar fluxo. É preciso fazer tudo isso e, ainda por cima, fomentar a criação de grupos intencionais.

Grupos espontâneos e estimulados

Mas, afinal, as pessoas aceitariam participar de grupos organizados pelos shoppings? Segundo a pesquisa da Koga, sim. Dentre os participantes de grupos intencionais, 66% acreditam que marcas e empresas podem colaborar e participar, fornecendo espaços ou serviços, abastecendo a comunidade com informações relevantes e ajudando a organizar e até a gerir o grupo.

Tem mais: 70% dos brasileiros que não estão atualmente em um grupo intencional, gostariam de ter a oportunidade de participar de um. Vale lembrar que 79% dos grupos hoje acontecem presencialmente. Ou seja, precisam de espaços seguros, convenientes, bem localizados, com estrutura. Olha só, que baita oportunidade para os shoppings.

Dá para afirmar, sem medo de errar, que a imensa maioria dos grupos intencionais que os shoppings brasileiros abrigam nasceu de maneira espontânea. Foi o caso dos ‘Carioquinhas’, um clube surgido no Rio Sul, no Rio de Janeiro, a partir dos interesses comuns das mães dos bebês que frequentavam o fraldário. Ou do grupo de idosos que se reúne ao redor do piano no Plaza Casa Forte, em Recife, para cantar a plenos pulmões canções do passado. No Shopping Barra, em Salvador, clientes se reúnem diariamente em um café, para trocar ideias e debater os assuntos mais palpitantes. O encontro dessa turma ganhou o apelido de ‘Senadinho’.

Qual o caminho?

O primeiro passo é entender a importância de incorporar à estratégia de marketing dos shoppings programas para incentivar conexões entre as pessoas. O segundo é pesquisar quais tribos urbanas habitam a área de influência do empreendimento, identificando quais delas já contam com grupos intencionais e quais ainda não possuem um.

A partir daí, é estruturar, convidar e nutrir os grupos, tomando muito cuidado para não confundir a iniciativa com ação promocional. Estamos falando de ‘relatability’ e conexão, não de venda de produtos e serviços. Isso será consequência.

Tutores de pets, bikers, geeks, amantes de doramas, artesãos, mães de crianças pequenas, protetores de animais abandonados, grupos identitários diversos. A lista de possíveis grupos intencionais é interminável. E as oportunidades infinitas, para os que estiverem dispostos a trilhar novos caminhos.

Luiz Alberto Marinho é sócio-diretor da Gouvêa Malls.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
Imagem: Mercado&Consumo

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