As lições que um shopping pode dar a um prefeito

Shoppings podem ensinar prefeitos a cuidar das cidades, diz CEO do Iguatemi

O Iguatemi, considerado o primeiro shopping do Brasil, está completando 50 anos. Num balanço da história, seu presidente, Carlos Jereissati Filho, 45, diz que o setor pode ajudar os prefeitos a tratarem melhor seus cidadãos.

Como? Simplesmente ouvindo seus desejos e fazendo coisas práticas.

“Os shoppings souberam atender a necessidade das pessoas. Primeiro no consumo e hoje no lazer. A Associação Brasileira de Shopping Centers fez uma pesquisa, uns cinco anos atrás, e o equipamento urbano mais bem avaliado eram os shoppings.”

O shopping sabe se adequar ao que o cidadão precisa. Isso é o que as cidades precisam fazer

Segundo ele, a boa avaliação ocorre porque os shoppings dão o que os cidadãos querem. “Quer mais restaurantes, cinema, teatro? Fazemos isso. O shopping soube responder com mais velocidade ao que as pessoas estavam precisando.”

O empresário acha que está acontecendo um avanço pelo menos, e as cidades estão se esforçando para criar alternativas de entretenimento.

Jereissati apoia as ciclovias instaladas em São Paulo pelo prefeito Fernando Haddad (PT), que não se reelegeu, e diz que o petista foi “vitorioso” no aspecto de tornar a cidade mais amigável para as pessoas. As ciclovias foram muito criticadas inicialmente, mas pesquisa do Datafolha de julho deste ano mostra que 58% aprovam sua implantação.

As pessoas estão entendendo a necessidade de construir a cidade para os pedestres. E o prefeito [Haddad] foi vitorioso nesse caso.

“Haddad foi um prefeito que imaginou a cidade nessa direção. Acho que não conseguiu fazer tudo o que gostaria, mas ele apontou para questões importantes”, diz.

O shopping é um parque de diversões

Na entrevista, Jereissati citou várias vezes os shoppings como centro de diversões para a família e se disse fã de Walt Disney. Questionado se gostaria de fazer um parque de diversões, ele responde que considera já ter feito.

“Eu sonho que os Iguatemis são parques de diversão para as pessoas. Para mim, nosso negócio é muito isso: fazer as pessoas felizes, ter um lugar bacana, bonito, em que elas entrem e se surpreendam com o que tem lá.”

Brasileiro não quer mais blá-blá-blá de político

Para Jereissati, o brasileiro quer soluções para sua vida, sem blá-blá-blá político. E olha que ele é sobrinho de político (o pai é irmão do ex-governador do Ceará e senador Tasso Jereissati, PSDB-CE).

“Às vezes, a discussão em Brasília não é a mesma da rua. As pessoas estão vivendo a vida do dia a dia, e os caras ainda falando coisas que não têm mais conexão”, afirma.

O cidadão quer coisas práticas. O empresário também não quer mais um discurso bobo.

Apesar da veia familiar na política, ele não pensa em entrar para a vida pública, mas se diz interessado pelo debate e por “ajudar as iniciativas públicas a funcionarem”.

“Tive oportunidade de conviver com muita gente da politica, tenho muitos amigos que gostam de política, então a gente acaba debatendo sobe ‘n’ assuntos relacionados a isso.”

Trump não é a solução

Sobre a eleição do bilionário Donald Trump como presidente dos EUA, ele vê uma insatisfação dos americanos com a economia, mas discorda das propostas do escolhido.

“Os americanos mostraram que estão insatisfeitos com o modelo de desenvolvimento. A tecnologia e a globalização tiraram muito emprego, pioraram a qualidade da classe média. A demanda é certa, a resposta não é muito. Trump não é a solução para essas questões, mas todo mundo vai aprender em conjunto o que isso vai significar daqui a alguns anos.”

Crises econômicas são cíclicas e naturais

Jereissati declara que os empresários e as pessoas têm sempre de estar preparados para imprevistos e que as crises sempre acontecem.

“É preciso se preparar sempre para passar pelos momentos difíceis. As grandes companhias têm visão de futuro, elas se preparam. Sempre vai haver ciclos de crescimento e queda da economia. Eles são naturais. Quem tem um olhar histórico e se prepara para esses ciclos se sai melhor.”

Para ele, as pessoas não sabiam o tamanho da crise atual, e não se pode enganar com as notícias. É preciso se informar melhor.

“A crise foi maior do que a gente imaginava. Não se conhecia a história inteira. Hoje a gente está vendo o tamanho do problema. Às vezes, você fica inebriado pelas notícias e não vai ver os fatos. Quem faz bem o dever de casa olha várias fontes para saber o real estado de uma economia. Agora é preciso fazer um esforço coletivo, de todo mundo, para poder sair dessa crise.”

O Iguatemi teve queda no lucro no terceiro trimestre deste ano, mas Jereissati se diz otimista.

“Todas as empresas sofreram com seu lucro, mas não me preocupo. O Iguatemi mostrou que mesmo nesses mais difíceis momentos é muito resiliente. Isso me dá segurança de olhar para o futuro. Vejo um céu mais azul.”

Segundo ele, já há mais procura de lojistas para novos pontos comerciais em 2017 dentro dos shoppings do que em 2015 e 2016.

Como shoppings vão sobreviver no futuro de briga com online?

Neste trecho da entrevista, o presidente da Iguatemi Empresa de Shopping Centers, Carlos Jereissati Filho, fala por que as marcas de luxo custam mais caro no Brasil do que fora, projeta como será o futuro dos shoppings na briga com as vendas online, fala dos 50 anos do Iguatemi e dá dicas de carreira para quem quer ser um executivo de sucesso e de negócios para quem pretende entrar no comércio.

Preços das marcas de luxo no Brasil e no exterior

“Essa diferença diminuiu muito. No passado, as empresas que vieram de fora eram licenciadas, tinham de comprar o produto, colocar suas margens. O preço chegava ao dobro do que era lá fora. Hoje a maior parte das marcas veio de forma própria, e os produtos estão 20%, 30% acima do preço, o que é muito mais competitivo.”

Shoppings estão fechando nos EUA. Qual o futuro do negócio?

“O mercado americano sempre foi ‘over supplied’ [tinha muito shopping]. Agora está sofrendo um ajuste, não só da crise de 2008, mas do crescimento do varejo online. O Brasil sempre foi muito mais frugal, com um varejo muito contido. Em alguns lugares, talvez tenha exagerado um pouco e haja algum ajuste. O varejo online ainda é menos impactante no Brasil, embora ainda vá ser mais. O desafio é se tornar relevante no espaço físico. Não é de hoje a tendência de acoplar coisas presenciais, como academia, cinema, alimentação, lojas com experiência, serviços, trabalho. Cada vez mais há shoppings atrelados a escritórios, hotéis, até r esidências. Isso faz quase um mercado cativo. Então, o Brasil ainda tem um espaço bom para crescer no consumo físico.”

Shoppings vão mudar a cara e ter mais lazer?

“Sim, já vêm mudando e adotando muito dessas coisas, e a tendência é cada vez maior. 80% dos cinemas do Brasil estão em shoppings. Você não teria cinema em cidades com 200 mil habitantes se não fosse em shoppings. Teatros passaram a ser uma realidade, clínicas, spas. Claro que consumo ainda é a parte mais vigorosa do negócio. Moda, acessórios correspondem a 40%, 50% desse negócio. Acredito que vão continuar a ser, embora variando de formato e tamanho.”

Desempregados devem investir sua indenização em uma loja?

“É um movimento interessante, sim. As pessoas estão olhando para o empreendedorismo. Nem sempre os empregos vão estar aí para todo mundo. É importante as pessoas empreenderem. A franquia é o modelo mais padronizado, organizado de começar uma atividade que você não conheça tão bem, porque alguém já desenhou aquele modelo para você. É uma forma mais segura de entrar no varejo. Trabalhando com aquilo você pode aprender e até fazer melhor do que a franquia no futuro.”

Erros de novatos no comércio

“Há várias coisas. Não se planejam tão bem, não têm o capital necessário para passar os momentos de aprendizado. Tem de ter uma reserva para esse tempo de dificuldade. Não conversar antes e fazer pesquisa para entender o que é melhor e o que realmente precisa naquele local. É todo mundo querer empreender na mesma coisa ao mesmo tempo. Não se dedicar tanto. Tem de olhar a estratégia, a operação e as pessoas. Se olhar esse tripé e souber organizá-lo, vai ter melhor desempenho.”

Dicas para quem quer ser um executivo de sucesso

“Primeiro, faça o que tem paixão. Você tem de procurar fazer aquilo de que gosta, porque a vida é rápida, é curta. Depois, achando o que gosta, faça bem feito e faça o seu melhor. Eu sinto obrigação de fazer o meu melhor. Não estou sendo empurrado por ninguém. É uma automotivação, uma vontade de fazer. Isso é o que te leva a aprender, a se interessar, a trabalhar, porque você se sente feliz e motivado. E ser íntegro. Tenho uma preocupação hoje com a ganância, com a maluquice que as pessoas inventam de necessidade e acabam destruindo coisas bonitas porque não souberam ir aos poucos.”

50 anos do Iguatemi: o que faria de diferente e o que repetiria

“O que repetiria sempre é a inovação. Chegamos a 50 anos atualizados porque estamos sempre inovando, conquistando, reverenciando o passado, mas sempre propondo coisas novas. O que faria diferente: gostaria de ter crescido mais rápido no passado para ter mais shoppings. Às vezes vou a alguns lugares e vejo shoppings horrorosos e penso: ‘puxa, podíamos estar aqui e fazer melhor’.”

A Iguatemi é assim

  • Empregos diretos e indiretos

    Mais de 61 mil

  • Número de shoppings administrados

    17

  • Lucro líquido em 2015

    R$ 194 milhões

  • Principais concorrentes

    Multiplan, BR Malls, Aliansce, General, JHSF

Um “ratinho de loja” perfeccionista

O presidente do Iguatemi gosta de circular pelas lojas, faz suas próprias compras, dá palpites aos comerciantes, se diz um perfeccionista chato e um “ratinho de loja”.

Como herdeiro do negócio de shopping iniciado pelo pai, Jereissati afirma que isso tem um lado bom e um ruim. Conheça mais do cotidiano do empresário por ele mesmo:

Ser herdeiro facilitou a vida?

“Há coisas boas e não tão boas. As pessoas julgam você de estar ali por ser herdeiro. As boas é que às vezes você tem acesso, começa cedo. Meu pai diz que trabalhar é um hábito. Você não se questiona se deve ou não trabalhar. Dei sorte, caí num negócio que gosto muito, me identifiquei. Não tive esse peso.”

Teria outra profissão?

“Não. Sou muito feliz no que faço. Eu sou um chato nessa coisa. A gente tem de aperfeiçoar e fazer cada vez melhor. Prestar atenção e oferecer coisas novas para as pessoas. Se você está motivado e chega todo dia com essa energia, com essa vontade, você está no lugar certo.”

Bate pernas pelo shopping

“Gosto de bater perna em shopping. Um executivo de shopping uma vez disse que a esposa fazia compras e raramente entrava em loja, porque ele tem pouco tempo. Eu gosto de loja, gosto de conhecer, saber o que está vendendo, dou palpite, e acho que é uma característica da Iguatemi. A Iguatemi sempre se envolveu muito na concepção. De alguma forma, ela inventou vários dos varejos do Brasil. Começou, interferiu, apoiou o desenvolvimento de várias marcas. A gente tem uma tendência, não sei se pela origem libanesa, de gostar do comércio.”

O que o atrai numa loja?

“Como todo mundo, a vitrine, o produto, o conceito, coisas inusitadas, qualidade, identidade da marca, bater com seu estilo.  Muita coisa me atrai, sou realmente um ratinho de loja, gosto de conhecer, entender o conceito por trás.”

De bicicleta para o trabalho

“Vou de vez em quando de bicicleta para o trabalho. Sou um daqueles que acreditam muito nessa tendência da cidade para os pedestres. Fui um dos grandes incentivadores da ciclovia ali na av. [Brigadeiro] Faria Lima [região comercial chique de São Paulo]. Espero que a cidade tenha mais ciclovias como aquela.”

Fonte: UOL

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