Os 10 impactos da birutice tributária global no varejo local

Momentum nº 1.115

Os 10 impactos da birutice tributária global no varejo local

Vamos começar definindo que “birutice” é derivado do comportamento errático e imprevisível da biruta, aquele recurso usado para indicar direção e intensidade do vento como precário elemento auxiliar para pouso e decolagem de aeronaves.

Em inglês, a biruta é “windsock” de forma mais direta, mas a nossa biruta tem sentido figurado de mostrar exatamente as mudanças repentinas de ideias que caracterizam esse comportamento errático e imprevisível

No cenário atual, “birutar”, gerando “birutices”, tem sentido equivalente a “trampear”, trazendo para o português um novo sentido para o verbo em inglês “to trump”.

No contexto até então, “to trump” significava vencer ou superar algo ou alguém apresentando algo melhor, mais forte ou mais convincente.

No contexto revisitado pela realidade, “to trump” deverá significar tentar vencer ou superar alguém agindo de forma imprevisível, lançando e “deslançando” políticas e ações nas mais diversas áreas.

E, no campo das taxações no comércio internacional, gerando forte impacto no cenário interno do próprio país e com importantes reflexos globais.

“I am trumping”, em sentido figurado e revisitado, poderá significar que, para ganhar, estou fazendo o que me dá na cabeça e anunciando para o mundo com todas as suas consequências e baseado no sentimento de que sou, quero e posso fazer o que bem entender.

De outro lado e de forma absolutamente racional e quantificável, é importante lembrar que as nossas relações comerciais com EUA e China, os maiores protagonistas dessa guerra de taxações, têm dimensões bem distintas para o Brasil.

Em 2024, o saldo da balança comercial com EUA foi negativo em US$ 283,4 milhões e com China foi positivo em US$ 30,7 bilhões.

No primeiro trimestre deste ano de 2025, o saldo da balança comercial com EUA foi negativo em US$ 653,1 milhões e com a China positivo em US$ 744,6 milhões.

Se considerarmos o período acumulado de 2021 a 2023, o saldo da balança comercial com EUA foi negativo em US$ 23,1 bilhões e com a China foi positivo em US$ 120,4 bilhões.

O que por si só justifica muita cautela e visão estratégica na análise dos cenários de curto, médio e longo prazo.

Mas o que já se tem configurado, sujeito a idas, vindas e reconfigurações, permite estimar potenciais consequências no varejo local.

Vamos às 10 mais perceptíveis até o momento. Mas, parafraseando o slogan, “em 20 minutos, tudo pode mudar”.

  1. Aumento significativo da presença e atuação das plataformas de e-commerce asiáticas no varejo brasileiro, exponenciando a concorrência no mercado, mas também aumentando a oferta de produtos e marcas;
  2. Potencial aumento dos custos para importação de produtos em categorias em que a oferta é mais global, como eletrônicos, vestuário, brinquedos, artigos para o lar e eletrodomésticos;
  3. Com o aumento da volatilidade global, haverá um nível maior de incerteza no mercado local, podendo afetar a confiança dos consumidores e impactando sua propensão a consumir;
  4. O real com tendência de desvalorização aumentando o custo para importação de componentes e produtos para venda no varejo e com necessidade de elevação dos preços e impactando a venda;
  5. Aumento potencial da presença de fabricantes, produtos e marcas de origem asiática nas mais diversas categorias, disputando o mercado brasileiro e competindo diretamente com a oferta local. O lado positivo é o aumento da competição, que pode baixar preço; e o lado negativo é a pressão sobre os produtores locais com impacto na renda e emprego desses setores;
  6. Potencial aumento da inflação de algumas categorias de produtos pelo aumento da demanda externa e seu impacto na oferta interna, em especial em alimentos;
  7. Forte impacto nas cadeias de logística e abastecimento por causa da flutuação dos preços e do câmbio, impactando as compras externas do varejo;
  8. A volatilidade dos cenários dificulta tudo que envolva planejamento de mais longo prazo, inibindo investimentos na expansão de negócios, lojas e centros de distribuição, com impactos no emprego e na renda e, consequentemente, no consumo;
  9. Aumento da informalidade no varejo por conta da ação direta de indivíduos que compram das plataformas asiáticas e revendem no mercado local;
  10. Potencial instabilidade nas cadeias de abastecimento diante da dificuldade das negociações, podendo gerar desabastecimento de curto e médio prazo em determinadas categorias, setores e produtos.

Para fechar e refletir de forma mais abrangente

Todo esse cenário global de taxações, com suas ações e reações em momento e dimensões ainda indefinidos, está diretamente focado na proteção dos setores industriais, em especial dos Estados Unidos e China, mas envolvendo as principais economias do mundo.

No Brasil, também foram sinalizadas ações protetivas para o setor industrial que ficaram confirmadas na recém-aprovada reforma tributária.

Ocorre que, quanto mais se desenvolvem as economias e de forma irreversível, maior é a participação dos setores de serviços no PIB desses países.

No conjunto dos cinco mais desenvolvidos do mundo, esse percentual se aproxima dos 80%, com exceção da China, e no Brasil já estamos no patamar de 70% – apesar da força e representatividade crescente do setor agrícola.

Nos próximos dias, semanas e meses vamos continuar assistindo a esse novo capítulo da história econômica do mundo sendo reescrito de forma como o bom senso definitivamente não recomendaria.

Momento fundamental para repensar os fundamentos, práticas e conceitos dos negócios em que estamos envolvidos.

Para considerar

Vale assistir ao filme biográfico “O aprendiz” lançado no ano passado e disponível na Amazon Prime e Apple TV e que mostra a ascensão de Donald Trump no mercado imobiliário de Nova York.

Como não foi contestado, supõem-se que é bem fiel à história romanceada do atual presidente norte-americano.
Explica muita coisa do que temos acompanhado.

Notas

  • No dia 22 de abril, teremos pela segunda vez o Inside Fashion Business, discutindo as profundas e amplas transformações setoriais precipitadas pelos novos tempos com Inteligência Artificial (IA) em realização conjunta da Gouvêa Fashion Business e da Gouvêa Experience. Saiba mais sobre o evento clicando aqui.
  • De 14 a 22 de maio, estaremos em Missão Técnica organizada por Gouvêa Foodservice participando do NRA Show, em Chicago, o mais importante evento global do setor, com a delegação integrada com IFB e IDV. Mais informações podem ser acessadas por aqui.
  • No dia 26 de maio, a Mercado&Consumo, a Gouvêa Foodservice e a Gouvêa Experience vão realizar o Connection Foodservice Day – Pós NRA Show, evento de conteúdo e networking com as principais tendências do setor. Saiba tudo sobre o evento aqui.
  • No dia 27 de maio, teremos o Digitail, organizado pela Gouvêa Experience com apoio de Gouvêa Consulting. Um evento focado no setor de e-commerce, trazendo uma ampla e profunda discussão do momento e tendências e perspectivas desse setor no mundo e no Brasil. Conheça mais por aqui.

Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.

Imagem: Criada por IA.

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