WhatsApp Pay e o futuro dos canais

O que o lançamento do WhatsApp Pay significa para o consumo, para o varejo e para o futuro dos canais? Potencialmente TUDO!

No dia 4 de maio, o Facebook lançou oficialmente no mercado brasileiro a sua solução de pagamentos por meio do aplicativo e que tem potencial de revolucionar a forma como nos relacionamos com os consumidores. Talvez o Facebook não seja o grande vitorioso no final dessa jornada, mas definitivamente pode ser o agente que iniciará a corrida pela transformação dos canais de consumo no Brasil.

Base instalada e hábitos consolidados

Tenho certeza de que você conhece diversas pessoas que não têm familiaridade com canais digitais, nunca compraram online, têm uma enorme dificuldade com tecnologia ou que não são bancarizadas, mas que usam o WhatsApp sem nenhum problema – mandam mensagens, fotos, vídeos e fazem chamadas tranquilamente.

Segundo a recente pesquisa TIC Domicílios 2019, o Brasil tem cerca de 235 milhões de smartphones que alcançam 79,3% da população com 10 anos ou mais. Há uma predominância ainda maior entre os mais jovens: os smartphones alcançam 90,3% na faixa etária de 30 e 34 anos. Outro dado surpreendente é que o celular é o único ponto de conexão com a internet para 58% dos brasileiros, número que chega em 85% nas classes D/E.

Dentro dessa massa enorme de usuários de smartphones, 99% deles têm o WhatsApp instalado, segundo a pesquisa Panorama Mobile Time divulgada em fevereiro de 2020. De acordo com o estudo, 98% acessam o aplicativo todos os dias, 61% dos usuários indicaram que gostariam de utilizá-lo para pagamentos e que 76% deles já usam o WhatsApp para se comunicar com marcas.

Pesquisa Panorama Mobile Time

Essa enorme popularidade gera um grande diferencial competitivo para o WhatsApp e cria uma alta barreira de entrada para os concorrentes, mas que definitivamente NÃO é intransponível.

WhatsApp Pay e os dados de consumo

O WhatsApp Pay foi autorizado pelo Banco Central do Brasil e começou a ser disponibilizado para uma pequena base dos usuários brasileiros, algo na casa de 1% a 2% nessa primeira onda. A maior parte das soluções de pagamento por mensageria no mundo cria uma carteira digital para os usuários, que por sua vez devem depositar recursos nessa conta para passar a fazer transações e movimentações dentro da plataforma. Já a solução do WhatsApp Pay, operacionalizada pela Cielo, usa a infraestrutura bancária já estabelecida no Brasil. Em grandes linhas, o WhatsApp é um inicializador de operações: a cada transação, ele faz uma chamada/pedido para os agentes financeiros envolvidos executarem a transação entre si.

WhatsApp Pay

Atualmente o sistema não está integrado com o Pix, mas nada impede que a solução seja incorporada em breve, bem como é provável que a solução passará a oferecer uma carteira digital orientada para a população não bancarizada.

Nessa primeira fase, só é possível fazer transferência entre pessoas físicas e assim o Facebook, dono do WhatsApp, passará a ter dados cadastrais (CPF e dados bancários). Em uma próxima fase, o sistema deverá se abrir para CNPJs e, dessa forma, o Facebook também terá acesso aos dados do comportamento de consumo dos usuários por categoria, empresa e localização.

Qual o futuro?

Fica claro que o Facebook começa a se movimentar para tornar-se um superapp, assim como outros players nacionais que já estão nesse movimento há algum tempo.

Quando se trata de superapps, todos nós já sabemos para onde olhar: para a China! Os superapps estão consolidados no país e em boa parte do Sudeste Asiático, liderados por WeChat (Tencent) e AliPay (Alibaba). A realidade do consumidor chinês hoje pode ser uma janela para o futuro próximo de como iremos interagir e nos conectar com os consumidores no Brasil.

O vídeo abaixo, produzido pelo The New York Times, mostra de forma clara e divertida como é essa realidade na China e como em breve pode ser aqui no Brasil (principalmente do minuto 2:11 ao 3:54).

Superapps como canal de venda

Como fica evidenciado no vídeo acima, os superapps têm enorme potencial de se tornarem o maior e mais relevante canal de relacionamento e vendas com os consumidores, pois, além de serem um poderoso canal por si só, eles também se tornam a principal ferramenta de conexão dos consumidores nos pontos físicos e digitais.

Exemplos de telas do miniapp da Starbucks China nos superapps

Vale lembrar que essa já é uma realidade no Brasil. Ainda que o processo esteja sendo feito de forma amadora em decorrência da falta de disponibilidade de ferramentas por parte do WhatsApp, são incontáveis as marcas e empresas que já se relacionam de forma estruturada com os seus consumidores por meio deste canal. Em uma recente pesquisa realizada pelo Instituto Foodservice Brasil (IFB), foi mapeado que o WhatsApp já tem mais disponibilidade do que o iFood como canal de venda nos restaurantes em todo o Brasil. E tenho certeza de que a maioria de vocês também já se inscreveu em eventos/palestras online em que ele é o único canal de comunicação, não é?

O que falta no nosso mercado para que esse canal ganhe o protagonismo que ele pode ter é que sejam disponibilizadas ferramentas (na China são chamados de miniapps) para que as empresas possam oferecer soluções profissionais dentro da plataforma, desenvolvendo um ecossistema de serviços dentro dela.

A vantagem competitiva pode acabar

O WhatsApp Pay foi lançado na Índia em novembro de 2020 seguindo o mesmo modus operandi que está sendo utilizado no Brasil. Desde o seu lançamento, a empresa conquistou apenas 0,02% do market share de transações mobile no país (dados de abril de 2021), enquanto os líderes de mercado, como PhonePe, Google e Paytm (Alibaba), avançam e consolidam o setor.

A Índia é um dos mercados em que os meios de pagamento mobile mais crescem. Eles foram incentivados pela política do governo local que “baniu” o papel moeda em novembro de 2016. Desde então, o setor vem se sofisticando e atraindo investimentos dos gigantes do setor. Os dados evidenciam que, mesmo com a popularidade do WhatsApp no país (é o maior mercado da empresa, com cerca de 400 milhões de usuários), o Facebook entrou atrasado e está perdendo a corrida.

No Brasil, o grande negócio não está nas transferências entre pessoas físicas, mas sim nas transações entre pessoas físicas e as empresas. A velocidade de entrada do Facebook nesse mercado, incluindo a abertura da plataforma para a criação de um ecossistema de soluções, é que determinará quem serão os campeões no mercado nacional.

Outro ponto relevante para ser considerado na equação é que o Facebook voltou as suas atenções para a batalha que está sendo travada contra a Apple com a mudança das políticas de privacidade implementadas em abril de 2021 na atualização do sistema operacional dos dispositivos da marca, fator que deve tirar foco da empresa para iniciativas em mercados emergentes.

E eu com isso?

Acreditamos que os superapps têm enorme chance de se tornarem o principal canal de interação, comunicação e vendas com os consumidores no futuro próximo e esse fator mudaria o status quo de como se faz consumo e varejo no Brasil (e claro, no mundo). Essa realidade JÁ ESTÁ AQUI e os consumidores brasileiros estão prontos para ela. As empresas que aproveitarem esse momento e se movimentarem primeiro terão um diferencial competitivo relevante frente aos seus concorrentes.

Eduardo Yamashita é COO da Gouvêa Ecosystem.
Imagens: Reprodução e Envato/Arte/Mercado&Consumo

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