Para conquistar a preferência dos consumidores digitais, as marcas estão cada vez mais empenhadas em estabelecer conexões com esse público. Dentro desta visão de jornada mais ampla com entendimento das necessidades do consumidor, aparece a venda direta para o consumidor, o chamado DTC.
Ao adotarem esse modelo de negócio, as marcas eliminam intermediários como distribuidores, revendedores e lojas físicas tradicionais e passam a controlar completamente a experiência do cliente, desde a produção até a entrega final.
“A venda da indústria de forma direta não é nenhuma novidade, mas certamente ganhou espaço e notoriedade ao longo da pandemia e se consolidou no mercado como mais uma forma de contato e vendas”, afirma Ricardo Moura, diretor de Market Inteligence da GfK.
Moura destaca que hoje 45% das vendas são realizadas via e-commerce, com algumas categorias atingindo até 70% das vendas através deste canal. A integração do online com as lojas físicas, inclusive, necessita da adequação da indústria e do varejo para que as necessidades dos consumidores sejam atendidas e a margem da cadeia como um todo protegida.
“Importante destacar que ‘mais uma forma’ é uma verdade, inclusive para os varejistas que também fortalecem sua relação com a indústria com a participação dos sites de venda direta dentro de seus marketplaces. Sendo assim, um jogo de ‘ganha-ganha’ para toda a cadeia”, diz.
Mas o ambiente online é bem mais dinâmico. E, ao mesmo tempo que o cliente tem uma experiência com a marca, ele pode adquiri-la em tempo real. Isso obrigou as empresas a irem além da comunicação. Elas também tiveram que prover o transacional. “Esse fenômeno atingiu todas as esferas humanas, não seria diferente no processo de consumo de produtos e serviços. Esse processo foi tão forte que obrigou as marcas a seguirem o mesmo caminho, sob o risco de inexistirem com o tempo, caso não o fizessem”, afirma Roberto Wajnsztok, sócio-diretor da Gouvêa Consulting.
Guilherme Pedroso, diretor-geral da Nuvemshop no Brasil, aponta que, para se aproximar diretamente dos consumidores nesse cenário digital, as marcas precisam estar presentes em diversos canais online relevantes para seu público-alvo, como mídias sociais, sites e aplicativos, oferecendo uma experiência consistente e integrada. Além disso, é preciso oferecer uma excelente experiência de compra ao cliente, que envolve desde a facilidade de navegação no site até o suporte pós-venda e políticas de devolução flexíveis, além de entrega no prazo e embalagens de qualidade.
“Aqueles que conseguem oferecer conveniência, personalização e uma experiência positiva têm maior probabilidade de se destacar e criar relacionamentos duradouros com os consumidores”, afirma Pedroso.
A Nestlé é um exemplo de empresa que tem avançado nesse modelo, de diferentes formas. Com a aquisição do grupo CRM, controlador das marcas Kopenhagen, Cacau Brasil e Kop Koffe, a empresa assumiu a operação de mais de mil lojas dessas marcas, além dos canais digitais de venda. Com essa estratégia, a marca visa consolidar a presença no segmento de chocolates premium e cafés especiais, produtos de alto valor agregado que demandam uma conexão mais direta com os consumidores. Outro movimento estratégico é a venda dos cafés da Starbucks em suas lojas comuns desde 2018.
A venda direta ao consumidor, no entanto, traz como desafio a adequação do modelo logístico às operações para, ao mesmo tempo, ter flexibilidade para migrar pedidos com altos volumes para poucos itens, de forma pulverizada nas casas dos consumidores em todo o País.
“Muitas vezes, é necessário implementar mudanças estruturais para garantir que a experiência de compra seja excelente, considerando desde a navegabilidade no site ou app, facilidade para a escolha do produto, realização da compra, comunicação de status de entrega, recebimento do pedido e atendimento pós-compra ágil e eficiente”, afirma a gerente de E-commerce da Nestlé Health Science, Julia Crúz.
Além da eficiência operacional, a proximidade com o consumidor pode significar um diferencial estratégico em relação aos concorrentes. “O caminho é a totalidade da indústria implementando seu modelo DTC. Não tem volta, nem é opcional, pois seu concorrente está fazendo e roubando sua venda, pois está mais próximo ao consumidor que você”, destaca Wajnsztok.
Além disso, a proximidade com o consumidor traz muitas informações para desenvolvimento de produto e escolha na evolução do sortimento. “O DTC deixou de ser um grupo de iniciativas, de ser pontual e se tornou uma nova unidade de negócio na indústria, com P&L próprio, e consequentemente estratégia própria. Isso transforma a estratégia de toda companhia. Hoje a indústria desenvolve um produto sabendo que ela mesma pode ser a maior vendedora, explica Wajnsztok.
Controle da experiência
O DTC acaba por atrair um público bem específico, com menor sensibilidade aos preços e que busca uma compra mais fluída, com uma visão mais compacta de produtos dentro do espectro selecionado da marca. São os brand lovers. “É um consumidor que busca um produto de sua marca do coração com melhor desempenho, visando um upgrade tecnológico em seus devices domésticos”, explica o diretor de Market Inteligence da GfK.
E, ao vender diretamente aos consumidores, os fabricantes estabelecem uma conexão mais próxima e íntima, permitindo uma maior compreensão das necessidades e preferências do público-alvo. Soma-se a isso a facilidade de introduzir novos produtos, realizar testes de mercado e ajustar rapidamente suas estratégias de acordo com as demandas dos consumidores.
“O maior controle sobre a experiência, desde a descoberta do produto até o pós-venda, permite uma personalização mais direta e uma compreensão mais profunda do comportamento do consumidor”, afirma Pedroso, da Nuvemshop no Brasil.
Produtos mais exclusivos, muitas vezes de nicho, ou lançamentos específicos, encontram no DTC um ambiente propício para alcançar um público-alvo específico. Essa abordagem oferece não apenas um espaço de destaque, mas também a oportunidade de avaliar o desempenho desses produtos em um ambiente de vendas mais amplo.
“Com isso a indústria pode até ter um termômetro do desempenho deste produto em um ambiente mais amplo de vendas e alavancar ainda mais seu relacionamento direto com seus brand lovers, seja através de promoções específicas, seja conhecendo as preferências e tendências de compra, e a jornada desses consumidores”, avalia Moura, da GfK.
Com esse objetivo, a Bombril inaugurou a sua primeira loja conceito, em dezembro de 2023, no Shopping do Coração, em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. Projetado para oferecer uma imersão ao portfólio de mais de 200 produtos e 16 marcas da Bombril, o espaço também abrigará um centro de pesquisa, onde serão mapeadas as tendências dos consumidores e avaliação de lançamentos.
A abertura da loja, no entanto, não significa uma mudança no modelo de negócio da companhia, que continuará presente e valorizando as parcerias atuais. “Nosso objetivo com a loja conceito é oferecer uma imersão dos consumidores em todas as marcas da Bombril. Além disso, é uma excelente forma de evidenciar que além de Bombril temos outras 15 marcas no portifólio como Sapólio Radium, Mon Bijou, Limpol, Pinho Bril e Kalipto”, afirma Ronnie Motta, presidente da Bombril.
Dona da marca Swift, a JBS também investiu nesse modelo de negócios, com mais de 600 unidades exclusivas e pontos de venda em supermercados. A estratégia também inclui vendas direta ao consumidor por meio do e-commerce e aplicativo, com produtos ligados ao consumo de proteína animal. Todos os canais de venda estão sob o controle direto da corporação.
Ao abraçar a diversidade de opções de venda, a marca consegue ter uma identificação mais eficiente das preferências do cliente e oferecer benefícios para atender às necessidades individuais de cada um.
“Além dos profissionais que atendem nas lojas físicas da marca, a Swift personaliza a experiência ao vender diretamente por meio de comunicações diretas, como o WhatsApp, o aplicativo próprio da marca e também por telefone”, afirma o diretor de Marketing da Swift, Marcos Carvalho.
Aproximação com o consumidor
Para manter uma conexão direta com o consumidor e criar uma experiência de compra mais interativa e envolvente, as empresas têm utilizado as redes sociais. Em um ambiente mais amigável e informal, a interação tem potencial de gerar mais confiança e lealdade do cliente. “Os conteúdos para as redes sociais se tornam uma parte relevante da estratégia de vendas, direcionando os consumidores para o e-commerce dessas marcas”, destaca o diretor-geral da Nuvemshop no Brasil.
Segundo uma pesquisa feita pela Nuvemshop, o uso das redes sociais para alavancar vendas e conquistar novos clientes teve um salto de crescimento nos últimos anos: em 2020 as pequenas e médias empresas do varejo online tiveram 437 mil pedidos gerados no e-commerce diretamente pelas redes sociais. Já em 2023, esse número saltou para 1,5 milhão de pedidos, um aumento de 243%.
Com isso, muitos empreendedores se tornam criadores de conteúdo, passando a ser influenciadores da própria marca. Em levantamento do início do ano, a Nuvemshop apurou que, em 2022, cerca de 97% dos pequenos e médios empreendedores do varejo online criaram conteúdo para sua marca no Instagram, seguido por Facebook (71%), WhatsApp (63%) e TikTok (33%). Além de potencializarem as vendas por meio das integrações com o e-commerce, as redes sociais oferecem a oportunidade de compartilhar conteúdos sobre produtos e recomendações com amigos e familiares, criando um efeito de marketing de ‘boca em boca’ amplificado.
Impulsionadores
Segundo Wajnsztok, quanto mais habitual é a compra de um segmento de produtos e serviços pela internet, mais a indústria se torna obrigada a prover essa experiencia para os clientes. Como exemplo, ele cita que a venda de eletroeletrônicos pelos canais digitais existe há mais de 10 anos, com a Whirlpool e a Samsung liderando esse caminho, com iniciativas de e-commerce e marketplace.
“Os impulsionadores são as mudanças de hábito. Antes da pandemia, as vendas online de supermercado eram baixas, hoje cresceram muito. As indústrias de alimentos e limpeza tiveram que acelerar seus processos de DTC”, afirma.
O futuro do DTC
A personalização, a integração de tecnologias emergentes e a ênfase na experiência do cliente estão entre os pilares que continuarão a moldar o futuro do comércio direto ao consumidor. Confira algumas tendências apontadas por Guilherme Pedroso, diretor-geral da Nuvemshop no Brasil, que devem moldar a evolução da estratégia D2C nos próximos anos:
Relacionamento cada vez mais humano: A experiência do cliente ainda será o diferencial de muitas empresas. Não basta investir em chatbots avançados, suporte proativo e estratégias de fidelização para manter os clientes satisfeitos. É ir além e valorizar a experiência online mais próxima da marca, olhando para as pessoas, com mensagens personalizadas enviadas por campanhas de e-mail, recomendação de produtos aderentes ao perfil do consumidor e interação em canais de vendas preferenciais.
Nichos de mercado: Outro fator de diferenciação será o desenvolvimento de produtos especializados, embalagens exclusivas e mensagens de marketing altamente direcionadas, além de estratégias de construção de comunidade para conectar-se diretamente com seus nichos de mercado. A criação de plataformas de comunidade online, fóruns especializados e eventos exclusivos podem fortalecer os laços entre a marca e seus consumidores, facilitando a descoberta de produtos e a partilha de experiências.
Conectividade omnicanal: A integração perfeita entre os canais de vendas físicos e online continuará a ser uma prioridade. As empresas D2C podem investir em tecnologias que permitam uma experiência de compra contínua, independentemente se o cliente estiver online ou em uma loja física. A ausência de interação física com o produto pode ser um fator que atrapalha a jornada de compra do cliente. Nesse caso, pode haver mecanismos que aprimoram a experiência como um todo, como o uso de fotos das mercadorias e a adoção de recursos visuais como vídeos e realidade aumentada.
Com Felipe Mário
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