Na fronteira entre tradição e futuro: a transformação inevitável do varejo multimarcas de moda brasileiro

Na fronteira entre tradição e futuro: a transformação inevitável do varejo multimarcas de moda brasileiro

Há tempos, o varejo deixou de ser apenas o território da boa mercadoria e do ponto de venda movimentado. Hoje, ele é, antes de tudo, o campo onde vencem aqueles que dominam a arte da leitura — não das planilhas, mas dos sinais invisíveis do comportamento humano, das mudanças culturais, das novas dinâmicas econômicas e dos pequenos movimentos que, quando bem interpretados, antecedem as grandes transformações. O varejo multimarcas brasileiro talvez seja a maior expressão dessa complexidade.

Distribuído em milhares de cidades de médio e pequeno portes — muitas vezes longe dos holofotes do eixo urbano —, ele é um elo fundamental da economia local e da vida social do interior do País. São mais de 150 mil pontos de venda especializados em moda no Brasil, segundo dados do IEMI, respondendo por mais de 90% do faturamento total do setor de vestuário nacional, que, em 2023, movimentou R$ 254,2 bilhões.

Mas é justamente nesse território que a resiliência virou uma questão de sobrevivência.

O novo varejo não perdoa o olhar míope

Em 2023, o setor enfrentava talvez um de seus momentos mais delicados: lojistas sufocados por estoques mal dimensionados, consumo desaquecido, inadimplência em alta e um custo de capital que transformava a gestão financeira em um campo minado.

Era preciso ir além das estratégias convencionais. Era preciso criar um novo código de leitura do mercado. Abandonar certezas antigas e se permitir ouvir, com profundidade, o que os clientes — e não apenas os números — estavam tentando dizer.

O diagnóstico foi claro: mais do que produtos, os lojistas precisavam de performance. Mais do que marcas, precisavam de desejo. Mais do que marketing, precisavam de conexão. Mais do que processos, precisavam de inteligência aplicada. A equação que antes se resolvia com catálogo e tabela de preços, agora exigia sensibilidade, precisão e velocidade.

A partir dessa escuta ativa e nova lente de leitura, alguns pilares se mostraram determinantes para ressignificar o papel da indústria junto ao varejo multimarcas:

Marcas quentes não são opção — são requisito de sobrevivência

Em um mercado inundado por informação, apenas as marcas que geram desejo genuíno encontram espaço no coração (e no caixa) do consumidor. Marcas mornas, previsíveis ou desconectadas da conversa cultural estão, inevitavelmente, condenadas à irrelevância.

Produtos precisam ser rápidos — no giro, no desejo, no uso

Com o custo de dinheiro nas alturas, estoque parado é sentença de morte. Coleções precisam ser mais democráticas, assertivas e com maior potencial de repetição de uso. Quanto mais ampla a utilidade, maior a velocidade de venda.

Marketing precisa vender — e não apenas embelezar

A comunicação não pode mais ser um adereço estético; ela precisa ser um motor de conversão. Marcas que humanizam seus porta-vozes, colocam seus times e consumidores reais em destaque, conquistam confiança e o desejo autêntico.

Excelência operacional virou estratégia de marca

Disponibilidade, agilidade, qualidade e pontualidade deixaram de ser atributos invisíveis. Hoje, são fatores críticos de percepção de valor. Quem entrega bem, vende mais e fideliza.

O ciclo de estoque precisa de inteligência viva

Dar ao lojista a segurança de que ele não está sozinho em suas apostas comerciais é revolucionário. Dinâmicas de giro de sobras e recompras inteligentes são, hoje, ferramentas de sobrevivência, mas também de construção de confiança a longo prazo.

Quem compartilha conhecimento, constrói mercado

Num ambiente ainda muito marcado pela informalidade, educar virou estratégia de diferenciação. Mostrar o caminho, inspirar e provocar mentalidades. Tudo isso aproxima, fideliza e qualifica.

A aplicação desses pilares, em sinergia, levou os clientes de uma taxa de pontualidade de 83% para 96% em apenas um ano. Um salto que não se explica apenas por ajustes táticos, mas por uma mudança profunda de mentalidade: deixar de olhar para o mercado apenas como um canal de vendas e passar a vê-lo como um organismo vivo, que precisa de atenção contínua, nutrição estratégica e relações genuínas.

O próximo passo: tecnologia como ponte definitiva entre indústria, lojistas e consumidores

Se, até aqui, falamos sobre leitura de cenário, estratégia e execução, é impossível não olhar adiante e enxergar com clareza qual será o próximo capítulo inevitável da evolução do varejo multimarcas: a integração total dos ecossistemas.

O futuro do canal multimarcas, especialmente em mercados tão continentais e fragmentados como o brasileiro, passa necessariamente pela tecnologia. Não mais como suporte ou ferramenta lateral, mas como verdadeira espinha dorsal da relação entre indústria, lojista e consumidor final.

O cliente mudou. Ele quer fluidez, acesso, personalização e serviço. Ele não enxerga mais os limites entre o físico e o digital, entre quem produz, quem vende e quem entrega. Para ele, existe apenas a marca — e a experiência.

Nesse novo desenho, integrar os lojistas aos grandes ecossistemas digitais não é apenas uma escolha estratégica; é um imperativo competitivo.

Mais do que vender um produto, a indústria do futuro precisará oferecer ao lojista uma estrutura completa de tecnologia, serviços e inteligência que lhe permita competir com a mesma sofisticação das grandes redes e dos players puramente digitais.

O pequeno varejo precisa ter acesso a grandes soluções. A indústria precisa se transformar de fornecedora em parceira de jornada. E o consumidor precisa perceber que, independentemente do canal, a experiência é contínua, fluida e encantadora.

No fim, não se trata apenas de digitalizar processos. Trata-se de criar um novo pacto de colaboração, em que tecnologia e sensibilidade andam lado a lado.

A beleza do invisível

Porque o varejo multimarcas brasileiro é, antes de tudo, um universo de relações humanas. E, em momentos desafiadores, é nesse universo que reside a maior força do setor: a sua capacidade de adaptação, escuta e reinvenção.

Não estamos diante da maior crise do varejo. Estamos diante da maior oportunidade de todas. Em mares calmos, todos navegam. Mas é em águas turbulentas que se revelam os navegadores de verdade — aqueles que leem o invisível, ajustam as velas e constroem o futuro com coragem e propósito.

O que a sua marca tem feito para ser parte ativa dessa transformação e não apenas espectadora dela?

Hugo Olivo é CEO do Grupo La Moda.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
Imagem: Criada por IA.

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