Comprar produtos que já foram usados por outras pessoas não é algo exatamente novo. Os brechós fazem relativo sucesso no Brasil há tempos e ganharam inclusive versão digital. Porém, um modelo renovado desse negócio, impulsionado pelo comportamento dos novos consumidores, está ganhando força e promete sacudir o mercado. Afinal, além de traduzir preocupação com o meio ambiente e refletir um estilo de vida mais frugal, adquirir produtos usados está virando moda.
Nos Estados Unidos, marcas como threadUP, The Real Real e Poshmark, lideram o movimento de revenda de produtos usados. Estudo recente, divulgado pela threadUP, mostrou que este segmento cresceu simplesmente 21 vezes mais rápido do que o varejo de vestuário americano, nos últimos três anos. No ano passado, nada menos do que 64% das mulheres nos Estados Unidos compraram produtos usados, incluindo roupas, calçados, acessórios, livros, móveis, produtos de entretenimento e beleza. Para efeito de comparação, vale lembrar que esse índice não passava de 45%, em 2016.
Os principais clientes são os millennials. No entanto, mesmo os mais velhos estão abraçando a tendência, atraídos pela oportunidade de garimpar ofertas de produtos de marca por preços atraentes. Mas os grandes responsáveis pela perenidade deste movimento devem ser os jovens da Geração Z, formada pelos nascidos a partir de 2001, que estão abraçando a compra de usados rapidamente.
A preocupação com a sustentabilidade e a consciência de que o consumo excessivo cobra um preço alto ao planeta são fatores importantes na adesão dos jovens ao mercado de produtos de segunda mão. Porém, há outros fatores, como a busca por novidade e o desejo de estar constantemente usando roupas diferentes, sem pagar muito mais por isso. Especialistas culpam a cultura ‘instagramável’: a garotada não gostaria de ser vista com a mesma roupa em duas fotos iguais nas redes sociais. Além disso tudo, a sede de acumular coisas, típica da Geração X, não faz muito sentido para os mais novos. Prova disso é que a quantidade média de itens no armário dos americanos caiu de 164, em 2017, para 136, agora em 2019, ainda segundo o estudo do threadUP.
Todos esses fatores têm impulsionado ainda outro mercado promissor, o de aluguel de produtos. A cultura de alugar apartamentos por temporada pelo Airbnb, uma mesa para trabalhar em um coworking ou bicicletas pela Yellow começa a se espalhar pelo Brasil. Mas tudo indica que essa é apenas a ponta do iceberg. Nos Estados Unidos, já é possível alugar móveis da Crate & Barrel ou West Elm, aspiradores de pó da Dyson e até barracas de camping. Além de roupas, é claro.
Uma das empresas pioneiras no aluguel de roupas é a RTN – Rent the Runway, fundada em 2009 e que este ano alcançou o valor de mercado de US$ 1 bilhão. No início, a RTN alugava apenas artigos de marcas de luxo, mas hoje tem ampliado o estoque de roupas para o dia a dia e planeja oferecer o aluguel de vestuário infantil ainda em 2019. Atualmente há dois tipos de plano à disposição dos clientes: o básico, que permite o aluguel de quatro artigos por mês e custa 89 dólares, e o ilimitado, que possibilita que a cliente possa trocar os quatro itens todo dia, se quiser, pagando 159 dólares mensais. A RTN tem instalado postos de devolução das roupas alugadas em escritórios e em espaços de coworking, ampliando a conveniência para suas clientes.
O que foi um negócio de nicho, algum tempo atrás, está se tornando tão relevante a ponto de fazer com que varejistas tradicionais entrem também no negócio de aluguel. No início do ano, a IKEA anunciou o teste do serviço de aluguel de móveis e deve estender a opção para 30 países até o final de 2020. Na mesma direção, a URBN, empresa que possui as marcas Urban Outfitters, Anthropologie e Free People, lançou o Nuuly, serviço semelhante ao da RTN, que permitirá que os clientes possam usar até seis itens por mês, pagando 88 dólares.
Outras marcas estudam seguir o mesmo caminho, mas as dificuldades logísticas, em especial as relacionadas à entrega e devolução dos produtos, são um entrave importante. Por este motivo, alguns varejistas estão fazendo alianças com empresas especializadas. Foi o que aconteceu, por exemplo, com REI e Patagônia, que fecharam acordo com a Yerdle, empresa criada justamente para explorar essa lacuna logística e possibilitar que varejistas aluguem seus produtos ao invés de simplesmente assistirem outras empresas lucrarem às custas de suas marcas.
O rápido crescimento do mercado de produtos de segunda mão tem feito alguns especialistas projetarem que em dez anos ele ultrapassará a receita dos varejistas do fast fashion. As consequências podem atingir também operações de outlet. Afinal, muitos consumidores estão preferindo comprar produtos originais, embora usados, a preços competitivos, do que as versões de pior qualidade produzidas pelas marcas, especialmente para suas lojas outlet. O setor de shopping center, ainda muito dependente da venda dos lojistas de moda, é outro que precisará adaptar-se aos novos tempos.
A pergunta que fica é: estamos falando de um modismo ou tendência?
Muita gente boa prefere apostar que o mercado de revenda e aluguel de produtos usados veio para ficar. Vivemos tempos em que nada é feito para durar, e isso vale tanto para empregos, locais de moradia e até relacionamentos. Por que isso seria diferente com os produtos que usamos?
Além do mais, a incerteza que cerca a vida moderna estimula as pessoas a não assumirem compromissos ou fazerem investimentos em produtos de alto valor, quando podem simplesmente aproveitar o que já foi propriedade de alguém. Finalmente, ostentar sucesso por meio da posse de um relógio ou bolsa caríssima, não faz parte da lógica das novas gerações, para quem usufruir é bem melhor do que possuir.
Conclusão: é bom a gente se preparar para mais essa mudança a caminho.
* Imagem reprodução