O futuro dos shoppings dependerá dos sinais que conseguirem capturar

O futuro dos shoppings dependerá dos sinais que conseguirem capturar

Cerca de dois anos atrás, bem no meio da pandemia, Scott Galloway, o provocativo professor da NYU (New York University), trouxe à tona o conceito de signal liquidity (liquidez de sinal). Quer saber o que isso significa? O signal liquidity de uma empresa, em tese, define a capacidade que ela tem de capturar e interpretar sinais que os consumidores emitem sobre suas preferências.

De acordo com Galloway, quando alguém assiste a um filme ou série na Netflix, por exemplo, envia informações importantes sobre seus gostos. Isso ajuda o serviço de streaming a ajustar o produto e fazer recomendações relevantes para o assinante. Como consequência, a taxa de cancelamento da Netflix é mínima e anda por volta dos 3%.

A verdade é que, embora a gente nem perceba direito, nos tornamos viciados em algoritmos. Já perdi a conta de quantas vezes fiquei chateado quando o Spotify incluiu músicas ruins na minha lista de “descobertas da semana”. Ou nas vezes em que a Amazon me recomendou um livro de autoajuda e o YouTube sugeriu vídeos que nada tinham a ver comigo.

Isso já aconteceu também com você? Pois é, nossas expectativas estão mais altas.

Galloway sugere que a efetividade das estratégias de marketing das empresas dependerá essencialmente da quantidade de sinais que conseguirem provocar, da habilidade em transformar esses dados em insights e da competência em desenvolver planos de ação eficazes a partir desse arsenal de informações.

Para efeito de comparação, enquanto a Netflix reúne um punhado de sinais a cada episódio de 50 minutos que assistimos, o TikTok obtém centenas no mesmo período, porque trabalha com vídeos curtos. Isso significa que a liquidez de sinais do TikTok é bem maior.

Você deve estar se perguntando: afinal, qual é a relação entre shopping centers e o fenômeno da liquidez de sinal?

É meio óbvio. As pessoas emitem dezenas de sinais durante os 76 minutos que, em média, costumam permanecer dentro de um shopping no Brasil. Podemos observar se os clientes usaram carro ou entraram a pé. Com quem estavam acompanhados. Que tipo de comida preferem. De quais lojas gostam mais. Quais vitrines mais atraem sua atenção. Onde e como gastam seu dinheiro.

O problema é que, com honrosas exceções, os shopping centers ainda não estão devidamente equipados para capturar todos esses sinais e utilizá-los no desenvolvimento de estratégias eficazes de atração e conversão de clientes, definição do tenant mix, geração de novas receitas e melhoramentos operacionais. Não estão equipados com tecnologias adequadas nem com profissionais com competências específicas, diga-se de passagem.

Aos poucos, no entanto, isso começa a mudar. Seja incentivando os clientes a usarem seus aplicativos para diferentes funções, aperfeiçoando os programas de fidelidade ou investindo em tecnologias que permitam a identificação voluntária dos clientes, algumas redes estão dando os primeiros passos nesta longa jornada.

Em breve, a área de inteligência, que praticamente não existia no setor, vai surgir para orientar ações comerciais, operacionais e de marketing nos shopping centers brasileiros.

Mas aqui tem outra questão importante: é possível pilotar uma área de inteligência e ainda gerir o dia a dia de um shopping? Em outras palavras, essa tarefa pode ser atribuída aos profissionais que ficam no mall ou deve estar alocada no corporativo? E quando não há uma estrutura corporativa, como no caso dos shoppings independentes, como fazer?

Nossa experiência mostra que iniciativas estratégicas são melhor desenvolvidas quando estão sob a responsabilidade de um time dedicado. Mas isso não significa que a captura e o uso de sinais emitidos pelos consumidores esteja fora do alcance de shopping centers independentes ou estruturas enxutas. Com orientação adequada, é possível planejar, construir e conduzir programas eficientes com base em dados.

A vida toda nos orientamos por sinais. Nuvens pesadas indicam chuva. Espirros são indício de gripe. Quando é noite de lua cheia, a maré sobe. Precisamos estruturar, também nos negócios, um sistema de monitoramento de sinais, não apenas dos movimentos dos consumidores, mas também de lojistas.

Será a liquidez de sinais, traduzida pela amplitude das informações e competência no uso desses dados, o melhor indicador da capacidade dos shoppings em evoluir na direção de um novo modelo de negócio. Quem viver, verá.

Luiz Alberto Marinho é sócio-diretor da Gouvêa Malls.
Imagem: Shutterstock

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