Ou o Brasil acaba com a reeleição ou a reeleição acaba com o Brasil

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Ou o Brasil acaba com a reeleição ou a reeleição acaba com o Brasil

Pode parecer radical o título inspirado pela frase do naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire ao se referir ao impacto das formigas saúvas na agricultura brasileira, quando pontuou: “Ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil”, ao visitar o País entre 1816 e 1822.

Duzentos anos depois, a reeleição se transformou em uma nova praga que assola o País e tem feito com que o foco principal da atuação dos políticos do Executivo, no âmbito federal, estadual e municipal – com raras exceções – se concentre no curto prazo e no possível novo mandato.

Com isso, a visão, o planejamento e a construção do futuro ficam limitados no tempo, assim como as decisões estruturais de transformação da realidade.

E, por essa deformação, quase tudo é feito com a ótica do ganho de popularidade e do retorno mais imediato, medidos nas redes sociais, o que condena o País ao retrocesso estratégico.

 Ainda assim, mantém ou amplia as desigualdades sociais e econômicas e, muito pior, não capitaliza de forma adequada os ativos naturais, humanos e econômicos que o Brasil possui.

Fica tudo condicionado ao aqui e agora, medido pelo índice de popularidade instantânea. Até mesmo esse índice mostra, exatamente como acontece neste momento, o nível de desacerto ao tentar trocar a visão de longo prazo e as soluções estruturais pelo deleite do curto prazo.

É verdade que muitos países no mundo, mais ou menos desenvolvidos, têm a reeleição como parte de seu modelo político, em diferentes configurações.

Dentre as 20 maiores economias do mundo, a reeleição presidencial é permitida nos Estados Unidos, França, Rússia, Turquia, Índia e México, além do Brasil, com regras próprias em cada realidade. Nos demais, entre os 20, o modelo de organização política não permite essa possibilidade.

No Brasil, a reeleição consecutiva para presidente, governadores e prefeitos foi aprovada em 1997, alterando a Constituição de 1988, o que permitiu a reeleição de Fernando Henrique Cardoso.

Por ter sido um dos mais preparados e visionários presidentes que o País já teve, criou-se a ilusão de que o sistema favorecia a continuidade de boas administrações. Mas foram minimizadas as consequências colaterais.

Naquela época, talvez não se imaginasse o quanto o País poderia regredir pela distorção gerada pela reeleição, que tem condenado à atuação imediatista, simplista e egoísta de pensar o Brasil com a ótica de curto prazo e não na sua dimensão de nação, com estratégia e projetos de longo prazo.

Os acordos políticos ligados à reeleição, somados ao imediatismo, têm gerado distorções, como a composição da última e da atual mesa diretora do Senado. Entre os sete membros, apenas um representa as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, que juntas correspondem a 80% da economia do País, enquanto as regiões Norte e Nordeste ocupam seis vagas.

Talvez valha aqui lembrar o que se atribui a Platão: “Aqueles que não gostam de política estão condenados a serem governados pelos que gostam.”

A omissão no presente sinaliza o problema futuro

Para muitos líderes empresariais e do setor privado, seu maior compromisso é com a geração de renda, emprego e resultados. E é inegável que temos uma carência de líderes empresariais que falem e defendam o setor privado com essa visão econômica, política e social de longo prazo. Precisamos reconhecer que faltam nomes com representatividade, visão e atitude para defender o setor empresarial.

No ambiente atual, a liderança empresarial no Brasil está concentrada em executivos de inegável competência como gestores de negócios, graças à sua habilidade, capacidade, visão global, relacionamento e conhecimento. Mas que dedicam 120% de seu tempo e competência ao que é melhor para seus negócios.

E, com isso, temos uma carência de quem pense e atue com a visão do que seja melhor para o setor privado como um todo, criando um vácuo na representação e no posicionamento empresarial.

Muito simples de diagnosticar e enunciar. Porém, complexo de equacionar para tentar mudar.
Vale a reflexão, lembrando sempre que, para que o mal cresça, basta se omitir.

Notas: 

  1. Importante reconhecer que a frase que é título de nosso artigo desta semana foi colocada por Marcelo Silva, ex- presidente do IDV, em uma recente reunião em que participamos do Conselho Consultivo da entidade, quando discutíamos o momento do País e o repensar estratégico da entidade para dar continuidade à sua jornada pelo desenvolvimento do setor de varejo e contribuir de forma mais decisiva pela evolução do País.
  2. Um dos que pregavam o foco na renda, no emprego e nos resultados foi Abilio Diniz, um dos mais reconhecidos empresários e empreendedores, líder e inspirador no cenário econômico brasileiro, com quem pudemos conviver por cerca de 40 anos. Conversamos e, principalmente, aprendemos com sua visão, atitude e postura, apesar de não concordarmos nesse ponto específico. Nesta terça-feira, dia 18/2, completa um ano de seu falecimento e fica registrada a homenagem a um líder que se posicionava com a visão integrada de seus negócios e do País.
  3. De 14 a 24 de maio, estaremos em Missão Técnica organizada pela Gouvêa Foodservice, participando do NRA Show em Chicago, o mais importante evento global do setor, com a delegação integrada do IFB e IDV. Mais informações podem ser acessadas no site.

Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.

Imagem: Shutterstock

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