A transformação dos shoppings em Ecossistemas de Negócios digitais já começou

Você vai ao shopping center para almoçar com a família, beber uma cerveja com os amigos, pegar um cinema ou ver uma exposição que só acontece ali – tomando todos os cuidados e usando máscara, é claro. Aproveita a ocasião, passa na sua loja favorita e retira aquele produto que comprou enquanto assistia a uma demonstração sobre maquiagem no Instagram. Percebe que acumulou pontos suficientes no programa de fidelidade do shopping para ganhar um super brinde, mas ele não está disponível de imediato. Pede pelo aplicativo que o presente seja entregue no locker localizado no posto de combustível ao lado da sua casa e acha até bom, porque assim não precisará carregar uma sacola a noite toda. Na hora de voltar para casa, o aplicativo lembra onde o carro está estacionado e a cancela abre automaticamente, debitando o valor do estacionamento na sua conta digital, que funciona em todos os shoppings dessa rede e também fora dela, possibilitando que você acumule ainda mais benefícios.

Parece ficção científica? Pois boa parte de tudo isso está disponível ou estará ao longo do ano em pelo menos uma das maiores redes de shopping centers do País, como mostra o Relatório de Resultados do 4º trimestre de 2020 da Multiplan, rede criada 45 anos atrás pelo genial e visionário José Isaac Peres, ainda hoje à frente do negócio.

No processo de evolução dos centros comerciais, a Multiplan leva vantagem em relação à maioria dos concorrentes pela tradição em agregar boas atrações em termos de mix, ambiente e eventos. A rede foi a primeira a levar cinemas para dentro dos shoppings, na década de 1980, e sempre investiu em operações de entretenimento, como boliches e parques. Na década de 1990, promoveu shows originais da Disney nos estacionamentos do BarraShopping e MorumbiShopping e sacudiu o cenário da moda nacional com os desfiles da Semana BarraShopping de Estilo e o Morumbi Fashion. Mais recentemente, construiu o BarraCadabra, um incrível parque infantil no BarraShopping Sul. Multiplan foi também uma das pioneiras em criar áreas gastronômicas em shoppings, bem como em investir forte na oferta de serviços, como centros médicos. Isso significa que os shoppings da Multiplan estão bem posicionados para atender à crescente demanda das pessoas por espaços capazes de reunir entretenimento, socialização, serviços e compras, assumindo o papel de “pontos de encontro para as diversas tribos sociais que habitam as nossas cidades”.

No entanto, nesses novos tempos, os shopping centers, além de espaços físicos atraentes, precisam necessariamente integrar canais digitais, o que está sendo feito agora. A estratégia omnichannel da Multiplan está apoiada em seu aplicativo, o Multi, orientado para atender os clientes da região primária dos shoppings em suas necessidades de compras online. Mas inclui também parcerias com plataformas de marketplace, como Mercado Livre, B2W e Rappi, tudo para elevar a conveniência para os clientes. Ferramentas de social commerce e stream shopping também estão sendo testadas, via Multi.

Vale destacar que a Multiplan desenhou sua estratégia de marketplace tendo como objetivo o crescimento das vendas dos lojistas de seus shoppings. Ao mesmo tempo, defende a ideia de que o “take rate é o novo aluguel” (take rate é a taxa cobrada pelos marketplaces dos varejistas, como um porcentual em cima das vendas efetuadas). Ao comparar o take rate com o custo de ocupação na Multiplan, que no 4º trimestre de 2020 ficou em 11,6% na média, a rede procura explicar que seus lojistas não pagam simplesmente pelo aluguel de um espaço físico, mas também pela exposição a uma maior quantidade de consumidores nas plataformas online, além dos serviços proporcionados pelo app e parceiros de logística, como o Delivery Center.

Resumindo, o ecossistema que está sendo construído pela Multiplan consiste em um núcleo, formado por shopping centers orientados para gerar alto fluxo e recorrência de visitas por meio de entretenimento, serviços e alimentação, integrados a um sistema de vendas online e logística compartilhada para entrega de produtos a partir dos estoques das lojas do shopping. Com isso, pretende que os lojistas sigam pagando aluguéis, não mais por uma loja física e sim por um conjunto de serviços, capazes de elevar seus resultados e melhorar a eficiência de suas operações.

Mas todo esse ecossistema, para seguir em sua jornada de expansão, incluindo aí aumento da base e retenção de clientes, exige sofisticado sistema de captura de dados. Ciente disso, a Multiplan está desenvolvendo o MultiVocê, programa de fidelidade unificado em toda a rede, que pretende não somente estimular compras nos shoppings, mas, principalmente, acumular informações sobre o comportamento dos consumidores. Como informação sozinha ajuda pouco, a Multiplan criou também o projeto MINDFul, para traduzir dados em insights. Daí até produzir interações personalizadas com os frequentadores dos shoppings e afinar a pontaria no planejamento de mix e ações de marketing é um pulo.

Um dos aspectos mais interessantes do relatório que sintetiza a estratégia de transformação digital da Multiplan é o reconhecimento de que o “calcanhar de Aquiles” do processo, como em geral acontece em todas as empresas, é a cultura. No caso da Multiplan, é muito clara a vocação para fazer shopping centers excelentes, traduzida no mantra repetido à exaustão pelo Dr. Peres: “o segredo do sucesso é fazer bem feito”. Mas o desenvolvimento do ecossistema digital exige mudanças no mindset da companhia, incluindo a incorporação de novas lideranças, talentos com novas competências e a revisão do modelo de negócio tradicional, que se mostrou eficiente por décadas. O conjunto de medidas apresentado pela Multiplan permite supor que, apesar de tanto tempo de estrada, a empresa está em um bom caminho.

Finalmente, uma última reflexão: as condições do ambiente de negócios mudaram radical e rapidamente. Mas não são poucos os shopping centers, sejam redes, sejam shoppings independentes, que ainda não construíram consenso entre as opções de tentar dar alguma sobrevida ao modelo de negócio tão bem sucedido ao longo de tanto tempo ou mergulhar de cabeça na transformação da empresa. Enquanto isso, o tempo passa, o tempo voa.

Luiz Alberto Marinho é sócio-diretor na Gouvêa Malls.
Imagem: Arte/Mercado&Consumo

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