O debate entre o consumo de proteínas animais e alternativas vegetais precisa ser mantido em prioridade na agenda dos negócios de alimentação fora do lar e das indústrias de alimentos.
As questões ligadas a saudabilidade, crueldade animal e sustentabilidade, frequentemente apontadas pelo consumidor, são uma alavanca para estarmos atentos a oferta de produtos plant based. Porém, a inflação dos alimentos, especialmente concentrada na proteína animal, dia a dia desafia todos os modais de operação, que sabidamente não podem simplesmente repassar custos, pois, vivemos um contexto de tráfego não recuperado, desde a pandemia, e de um consumidor sensível devido à perda de poder de compra.
Apenas para dissipar qualquer dúvida sobre a qualidade de um ou outro, é necessário destacar que tecnicamente as proteínas animais fornecem um perfil completo de aminoácidos essenciais que são cruciais para o crescimento muscular e manutenção corporal, como destacado pela “Food and Agriculture Organization” (FAO). Esses aminoácidos são importantes em estágios vitais como gravidez, infância e envelhecimento. Já as proteínas vegetais têm um aminograma menos completo, porém, a partir da combinação de diferentes fontes vegetais é possível obter os aminoácidos essenciais. Portanto, ambos são benéficos.
Assim, a próxima esfera é a da aplicabilidade e do sabor. Grandes indústrias já integraram os queijos análogos a composição de seus produtos para garantir a competividade de suas linhas. E não exclusivamente em produtos plant based. Produtos que recebem outras proteínas animais, convivem tranquilamente com o análogo sem que haja rejeição do consumidor. E… sim, está no rótulo.
Claro que o volume produzido por uma grande indústria lhe dá espaço para pressionar seus parceiros de análogos para ofertarem uma solução de excelência. Porém, a provocação aqui é sobre o quanto estamos abertos a realmente considerarmos novas alternativas para mitigação dos custos de matéria prima. O famoso CMV.
Embutidos análogos a preços melhores do que os tradicionais? Sim, existem. Queijos análogos que na época da alta do leite podem compor um percentual da receita da aplicação do queijo tradicional? Também. Bolinhos, croquetes e toda ordem de salgados podem ter recheios que combinam ingrediente tradicional e análogo? Se não testarmos, não saberemos. Mas, antecipo que a resposta é sim. Somente necessário trabalhar proporção.
Apenas alguns exemplos de indústrias que possuem produtos de extrema qualidade e que podem ser substitutos: Alibra, Plant Choice, Avante Food Systems, dentre outras. Em complemento, existe um movimento importante destacado por algumas empresas como Unilever, Prática e, por muitos chefs de cozinha como Alex Atala, Bel Coelho, Rodrigo Oliveira, Morena Leite, de uso integral dos alimentos.
A pergunta que podemos fazer: é mais fácil estimular o cliente a consumir farofa de talos de couve, doce de casca de banana, pizza com massa de couve-flor, café de casca de açaí ou integrar ingredientes disponíveis e padronizados pela indústria?
Depende de como tratamos o ingrediente, de como ele está ou não conectado a nossa proposta de valor e do quanto realmente ficou bom o resultado em termos de sabor e estabilidade de produto. O fato é que é possível responder sim para os dois casos. É viável convencermos as pessoas a experimentarem. Especialmente se for gostoso, bem-preparado e entregar a promessa da marca.
Segundo pesquisa realizada em 2023 pela Falaê, com mais de 200 mil consumidores de bares, restaurantes e demais modais do segmento, dentre os clientes com mais de 35 anos um percentual de 24,4% vai a um negócio de alimentação encontrar com os amigos. Esse é o motivo principal para esse grupo de clientes, seguido pela qualidade que representa 17,3%. Ou seja, a qualidade do que oferecemos é muito importante, porém, o motivo que move o consumidor até os estabelecimentos é o relacionamento humano.
Segundo o portal Vegan Business 25% dos brasileiros se consideram flexitarianos. O Brasil é o terceiro maior produtor de alimentos do mundo. Porém, essa produção não fica toda no país. O déficit de alimentos é uma realidade de médio-prazo. Por que vamos esperá-la como uma nova grande crise se temos abertura com um quarto dos nossos clientes?
Já realizamos inúmeros projetos de revisão de mix de produtos e mais do que apostar na tendência é preciso integrá-la de forma vitoriosa ao nosso modelo, comunicá-la e persistir. O mercado de alimentação fora do lar exige um nível de sofisticação cada vez mais elevado. A perspectiva de se fechar no binômio “sempre fiz assim e não estou aberto a mudanças” é a rota para o fim.
Vamos debater e agir! Vamos juntos!
Cristina Souza é CEO da Gouvêa Foodservice.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
Imagem: Shutterstock