O novo normal já virou carne de vaca. Dez entre dez lives têm em algum momento essa expressão. E com razão, pois só os muito desconectados, para não dizer alienados, podem ainda imaginar que as mudanças que estamos percebendo no meio da pandemia não precipitarão transformações estruturais e estratégicas que alterarão de forma radical o comportamento do consumidor, do mercado, da economia e da sociedade.
Definitivamente pouco, muito pouco, será exatamente como antes.
Mas também não é possível assumir em caráter lapidar como será, pois avaliações feitas em meio a um processo de impiedosa “chacoalhada” como as que temos vivido afetam a capacidade, objetividade e dimensão das análises que possam ser feitas. E o discernimento para separar o que será estrutural e o que será passageiro fica comprometido.
Para todos aqueles que pregavam o consumo mais consciente, ponderado e racional, as filas de mais de um quilômetro na reabertura da Zara, na França, ou a grande afluência na reabertura na China, mostram que esqueceram de combinar com os consumidores sobre esse novo emergente comportamento.
Vai mudar muita coisa sim e análises sobre o que vai mudar, quanto, por quanto tempo e que dimensão e direção são fundamentais para repensar a realidade emergente. E quem tem um mínimo de bom senso deveria, ao mesmo tempo em que tenta sobreviver no meio do caos instaurado, reduzindo custos, repensando toda a operação, contraindo em busca do reequilíbrio possível, também dedicar tempo e atenção para repensar a realidade emergente pós-Covid e como seus negócios e atividades deverão ser reposicionados.
Não é uma opção de um ou outro. É um e outro, pois na retomada, ainda que reconhecido que será gradual e cautelosa, as atitudes, os comportamentos, as expectativas e os desejos já virão vestidos dentro dos novos padrões.
Como ignorar que o fluxo de consumidores irá se alterar muito por conta da institucionalização e disseminação do home office?
Como desprezar que a aceleração do crescimento do uso do e-commerce pelos omniconsumidores pressionará ainda mais as margens do varejo e reduzirá o acesso às lojas, centros de compras e shoppings para compra de produtos?
Como não considerar que a polarização entre valor, digital e experiência se tornará ainda mais relevante?
Como não avaliar o impacto que a aceleração do uso do delivery impactará para sempre os negócios de alimentação fora do lar?
Como não avaliar quais serão os impactos nos negócios do comportamento muito mais cauteloso do consumidor com respeito à origem e movimentação de alimentos?
Como não repensar que para uma parte das mais relevantes da população o tal comportamento mais pragmático de consumo será elemento mais presente em seu comportamento?
Podemos não ter e, ainda não temos, a medida precisa desses e de muitos outros elementos impactando o mercado futuro, que é cada vez mais presente, mas a ausência da medida precisa não deveria postergar a avaliação de caminhos alternativos e o repensar dos negócios o mais rápido possível.
E, como sempre, os mais ágeis e visionários saltarão à frente no mercado reconfigurado com propostas mais alinhadas com o tal “novo normal”.
Ao mesmo tempo em que nos adaptamos como é possível ao quadro atual, devemos repensar e reposicionar negócios, produtos, canais, serviços, experiências, estrutura, processos, cultura e atitude para o que está batendo à nossa porta.
Gostemos ou não, não temos a opção, do pare o mundo que eu quero descer. É transformar para viver.
Enquanto isso…
Naquele país ao sul do Equador, o mesmo em que em algum momento acreditou-se que Deus era um local, continuamos batendo cabeça com a falta de líderes que ajudem a minorar os problemas e não piorar o que já era muito ruim.
Tudo indica que Deus abriu mão de sua pretensa cidadania e que caberá aos líderes empresariais assumirem maior responsabilidade, para além da geração de emprego, renda e lucro para equilibrar a desestruturada relação entre os três poderes constitucionais na esfera federal, a mais desequilibrada, e também nos âmbitos estadual e municipal.
Não dá para continuar assistindo e só debatendo sobre consequências da pandemia intelectual e desgoverno num momento tão dramático para o país.
A ninguém que represente alguma forma de liderança empresarial é dado o direito de se omitir nesse momento tão dramático de nossa história.
Vai passar, é verdade, mas depende muito de nós o tamanho do estrago que vamos deixar para as próximas gerações resolverem.
* Imagem reprodução