Jornada de impacto social

Normalmente, utilizo esse espaço para escrever sobre a experiência do cliente, com temas que giram em torno de como podemos melhorar sua jornada, como criar mais proximidade e como reduzir os atritos e tornar o relacionamento mais fluido. Porém, hoje vou utilizar um outro ângulo, olhando para os nossos clientes como pessoas, acima de tudo.

Alguns meses atrás, eu fui convidado para participar de um projeto voltado para impacto social na empresa em que trabalho. Como parte da nossa sensibilização com o tema, fomos para o Maranhão,  um estado conhecido pelos seus extremos – sua força cultural e natural, refletida na beleza dos Lençóis Maranhenses, contrastando com um dos IDHs (Indice de Desenvolvimento Humano) mais baixos do Brasil.

Durante uma semana, nós visitamos comunidades, entrevistamos pessoas com restrição de acesso à alimentos, moradia, educação e saúde. Conhecemos cozinhas comunitárias e almoçamos em restaurantes populares. Tive contato com uma realidade tão distante da minha e tão presente na vida de milhares de pessoas.

Recebi diversos socos na minha barriga, que provocaram sentimentos profundos e, ao mesmo tempo, um potente gerador de energia para criar formas de impactar positivamente a vida das pessoas, sejam elas nossos clientes ou não.

Umas das visitas mais ricas foi em uma ONG local, que apoia o desenvolvimento de habilidades e competências de 115 crianças. Por meio de oficinas de desenvolvimento no contraturno escolar, a ONG trabalha o desenvolvimento do indivíduo e o fortalecimento de sua identidade, se conectando com a essência das pessoas. Esse momento foi um dos socos na barriga e uma constatação: nosso dia a dia não estimula a reflexão sobre a realidade das pessoas mais vulneráveis. Nós nos desconectamos dessa realidade.

O tema desse artigo “Jornada de Impacto Social” surgiu no momento que a líder da ONG detalhava o sentimento de quem recebe uma doação. Mesmo sendo extremamente agradecidas por doações, as pessoas beneficiadas têm sua dignidade colocada à prova a todo momento.

Detalhes sobre o como entregar uma doação, desde uma alça ou alguma bolsa para carregar uma cesta básica até o cuidado com a embalagem de um produto doado e o trajeto que a pessoa beneficiada vai fazer para levar a doação até sua casa.

Assim como pensamos em cada etapa da jornada de experiência do cliente, devemos estar atentos a todo o processo, em cada etapa de iniciativas sociais. Afinal, como uma pessoa que caminha, pelo menos, 30 minutos para ter acesso a uma cesta básica vai carregar os alimentos? Como ela se sente? Eu nunca havia pensado nisso. Mais um soco.

A visão de quem quer “ajuda” é, por vezes, limitada. Ouvi diversos exemplos de que a “ajuda” recebida estava carregada de uma visão preconcebida (ou preconceituosa), do que é bom para aquela população que está sendo assistida.

“Ninguém gosta de ser exposto como aquele que não tem condições ou que depende de migalhas do governo”, disse uma das minhas entrevistadas.

Que fique claro, a doação e a ajuda são muito bem-vindas. Todos que recebem são extremamente agradecidos, mas existem pontos dessa jornada que são invisíveis aos nossos olhos: temas como autoestima e valores pessoais.

Como disse, depois desses socos, surge a energia para agir e com isso algumas reflexões. Por vezes, o tempo do mundo corporativo gira em uma rotação distinta daqueles que estão na linha de frente, como as ONGs – o que é rápido para a empresa pode durar uma eternidade para quem precisa.

“Quem tem fome tem pressa”, diria Betinho. Nossos processos e reports de gestão podem não servir totalmente em ações de impacto social. Novos indicadores, mais próximos da realidade de quem recebe o apoio, devem ser desenvolvidos. A ajuda por meio de doações é importante e extremamente válida, mas o que pode ser feito para, de fato, impactar socialmente uma comunidade. Quantidade de pessoas ou qualidade e profundidade de impacto? Curto prazo assistencial ou longo prazo transformacional?

Ainda tenho mais perguntas do que respostas. Fato é que essa experiência me proporcionou uma experiência extremamente gratificante. O sentimento de fazer parte de uma organização que apoia iniciativas como essa, me ajuda a sentir que meu trabalho pode ter um significado maior, alinhado com meus valores e que de fato podemos fazer a diferença nas vidas das pessoas.

Alexandre van Beeck é gerente-executivo de Experiência do Cliente e Parceiro Ultragaz.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
Imagem: Freepick

Sair da versão mobile