Nós mudamos. A comunicação e o relacionamento com o cliente também. Em tempos de pandemia, as estratégias de marketing no varejo estão alinhadas e preparadas para encarar o “novo” consumidor?
De uma hora para outra, os desdobramentos causados pela Covid-19 no Brasil e no mundo aceleraram muitas tendências que já vinham sendo identificadas, principalmente no que tange à digitalização no varejo. Links de pagamento, QR Code, vendas por aplicativos de mensagens instantâneas, ascensão dos super apps e marketplaces, dentre outros, se tornaram uma realidade, superando resistências que há bastante tempo dificultavam a transformação digital das empresas e também dos consumidores.
E agora, mais do que nunca, o cliente é R.E.I: rápido, exigente e muito mais informado. O avanço do acesso à internet, o desenvolvimento de novas tecnologias, principalmente dos smartphones, e a digitalização forçada causada pelos pandemia possibilitaram que os usuários pudessem conhecer novas marcas, comparar preços com mais facilidade, ter mais acesso a produtos e serviços e até mesmo aprender e realizar tarefas.
Esse cenário fez com que o poder de decisão se concentrasse ainda mais, literalmente, nas mãos dos consumidores. Portanto, gradativamente munidos de conhecimento e inúmeras opções, eles exigem mais qualidade, preços competitivos, atendimento personalizado e, principalmente, muita agilidade e pouca burocracia.
Isso significa que, nos tempos de hoje, aplicar os antigos e tradicionais modelos de comunicação, publicidade e vínculo com o cliente está longe de ser eficaz, sobretudo no varejo. O novo consumidor é ávido por informações relevantes, interações e marcas que mostrem seu propósito e seu lado humano. É necessário considerar também que ele já não aceita mais com “bons olhos” as inúmeras comunicações “empurradas” com o objetivo de apenas vender produtos, uma prática extremamente comum no varejo, especialmente, quando falamos das ofertas e publicidade de massa.
Assim sendo, quando os primeiros conceitos do marketing de relacionamento surgiram, entre as décadas de 1970 e 80, os empresários da época notaram que o ato da venda se caracterizava como um marco final entre empresas e clientes. E que se houvesse uma certa “afinidade” entre ambas as partes seria possível ocasionar diversas transações futuras. E ainda, de certa forma, obter economias financeiras, já que reter um cliente despende menos investimentos do que atrair novos, como já dizia um dos mestres do marketing, Philip Kotler: “Conquistar um novo cliente custa de cinco a sete vezes mais do que manter um atual”.
A partir desse pressuposto, o desenvolvimento desse tipo de marketing se fortaleceu com essa necessidade de um contato maior com o cliente, em que a busca principal desses esforços é reter o mesmo à marca. E atualmente, com as práticas do marketing de relacionamento mais difusamente conhecidas, surge um tema que vem sendo fortemente discutido: “engajar clientes”, que muitas vezes é confundido com fidelização ou até mesmo satisfação.
Em poucas palavras, a satisfação pode ser definida apenas com o contentamento momentâneo com a relação de compra. Enquanto isso, fidelização significa fazer com que os consumidores voltem a adquirir seu produto ou serviço. E para que isso aconteça é fundamental entregar uma boa e marcante experiência. Ademais, Kotler também afirmava que: “A chave para se gerar um grande nível de fidelidade é entregar um alto valor para o cliente”.
Já o conceito de engajamento é mais contemporâneo e está associado à construção de um vínculo sólido, permanente e a longo prazo, além da identificação e compartilhamento de valores com uma determinada empresa. Dessa maneira, diante da acirrada concorrência, fácil acesso às inúmeras possibilidades de consumo e farta informação na palma da mão, alcançar uma preferência espontânea de modo que o cliente tenha em si mesmo um sentimento de pertencimento, e consequentemente venha a defender e propagar a marca, é algo extremamente vitorioso.
E por essa razão que passamos por constantes transformações no que se refere às bases e ideias sobre o marketing de relacionamento. Por muito tempo, empresas do varejo estiveram somente focadas em criar “programas de fidelidade”, que são popularmente conhecidos por promover sistemas de recompensa, convencendo na prática a manter por mais tempo a empresa mais perto para adquirir mais benefícios. Assim, por exemplo, é possível ganhar ou concorrer a prêmios ou brindes em troca de compras recorrentes ou então obter descontos em produtos e serviços personalizados de acordo com seu perfil e hábito de consumo. Em resumo, fidelizar pela recompensa é o grande objetivo nesse caso.
Por outro lado, muito já se fala e se pratica também sobre os “programas de relacionamento”, que são sem dúvida mais complexos e envolvem estratégias mais duradouras. Ou seja, conquistar os clientes pela preferência é o foco principal. E se as ações de fidelidade são uma espécie de chamariz, o relacionamento, como já dito anteriormente, representa o caminho que um consumidor percorre até se tornar um defensor da marca, fazendo com que ele estabeleça com a marca um processo de vínculo e confiança.
Isto posto, ao passo que surgem esses grandes avanços nos conceitos da conexão entre a empresa e cliente, mudança nos hábitos e comportamentos de consumo, bem como uma concorrência ávida pela atenção e “bolso”, é necessário que esses programas busquem eficiência e eficácia. E lidar com essas constantes mudanças exige que o varejo consiga captar informações, analisá-las e obter insights que direcionem suas ações. Nesse sentido, não há dúvida que a pandemia da Covid-19 nos trouxe inúmeras reflexões, aprendizados e nos convidou a revisitar as bases estratégicas que impulsionam o uso do CRM – Customer Relationship Management.
Relevância. Relacionamento. Recompensa. Esses são os pilares que devem ser considerados mais do que nunca nessas práticas de retenção. Por conseguinte, relevância está diretamente ligada ao conhecimento profundo do público e, consequentemente, às ações de personalização. Cada cliente é único e, portanto, é necessário mais do que nunca investir em conteúdos consistentes, de qualidade e exclusivos para o receptor. Além disso, conceder ofertas e promoções customizadas por um motor de decisão analítica de acordo com as preferências passam a ser uma estratégia fundamental.
Já o relacionamento parte também do princípio de que a comunicação se transforme também em diálogo. Em outras palavras, significa que deve ser uma via de mão dupla, que ofereça informação e ainda esteja aberta para interagir e conversar. O uso de ferramentas de automação de marketing possibilitou uma enorme agilidade nas relações, porém ao mesmo tempo pode gerar um certo distanciamento da relação humanizada, caso as ferramentas não sejam usadas somente quando o alcance da comunicação se faça necessário.
Em tempos de SAC 4.0, ainda mais com o avanço das redes sociais, é necessário que as interações não sejam padronizadas e sim personalizadas sempre que possível. Outro ponto importante é que o relacionamento seja multicanal, uma vez que é preciso saber como e quando levar cada mensagem, visando o melhor desempenho possível durante a jornada de compra.
Por fim, a recompensa está também diretamente ligada na compreensão e conhecimento das diferentes personas que compõem o público de uma empresa e seus hábitos e preferências. É imprescindível oferecer uma proposta de valor sólida, haja vista que somente preço não se encaixa nesse quesito. Entender quais benefícios fazem mais sentido e são os mais atrativos para cada perfil de consumidor se faz ainda mais necessário.
Vale lembrar que a combinação dos “R”s se complementa quanto às estratégias utilizadas e os objetivos no relacionamento com o cliente. Juntos, eles compõem o caminho do tão almejado engajamento. E no varejo pós-pandemia, a capacidade de entregar experiências diferenciadas e personalizadas ao longo de toda a jornada de consumo não será mais um diferencial competitivo, mas uma questão de sobrevivência para as empresas.
Fernanda Dalben é diretora de marketing da rede de Supermercados Dalben.