Ecossistemas de Negócios e a inovação cross-industry

Já falamos algumas vezes sobre os Ecossistemas de Negócios, modelo organizacional que vem sendo adotado por praticamente todas as empresas com maior valor de mercado no mundo, principalmente aquelas nascidas na Ásia, onde o modelo se desenvolveu primeiro. Tal modelo permite que diferenciais competitivos sejam criados de forma que a concorrência não consegue acompanhar e que, por consequência, habilita crescimento exponencial no faturamento, lucro e valor de mercado dessas companhias.

O tema que trarei nesse artigo aborda um dos principais pilares desse modelo: a inovação entre indústrias, capacidade de conectar habilidades, experiência e competências que nunca antes tinham sido aproximadas e que assim geram competências únicas para tais empresas.

Inovação cross-industry

Nos modelos tradicionais, as relações comerciais são de fornecimento. Há pouca troca e desenvolvimento conjunto. Geralmente o número de parceiros é limitado e as relações são entre empresas que atuam no mesmo setor. As relações de negócio são baseadas em compra e venda e a área de atuação é local/regional, fatores esses que, no fim, acabam limitando a inovação e a transformação do negócio.

Já uma empresa estruturada em Ecossistema de Negócio é desenhada para conectar novas empresas em sua estrutura com o mínimo de atrito possível, permitindo a atuação em múltiplas indústrias, trazendo inovação e diferenciais por meio da união dessas competências nunca antes exploradas.

No final das contas, os modelos tradicionais são baseados em relações de negócio de 1 para 1 ou 1 para muitos, enquanto os Ecossistemas de Negócio são estruturas que geram valor exponencial por meio das relações MUITO para MUITOS.

Os ecossistemas maduros têm uma camada de conexão robusta que permite mais interações, mais profundas e especialmente ENTRE os parceiros, no exemplo da figura acima uma indústria automotiva estruturada em ecossistema ao integrar uma empresa de inteligência artificial (IA) não apenas irá absorver as competências de IA para o seu core bussiness (fabricação de carro), mas também passará a aplicar IA em TODAS as outras empresas conectadas, como a implementação de IA na empresa seguradora que está dentro do ecossistema.

Vamos analisar a seguir como um ecossistema orientado para o mercado automotivo consegue inovar com esse modelo organizacional.

Case Didi Chuxing

As montadoras de veículos tradicionais baseiam suas inovações em aspectos dentro a sua própria indústria. Focam em um novo design, um motor mais eficiente, novos materiais, uma multimídia maior e mais rápida, etc.. Mas notem que não há saltos, não há diferenciação real da concorrência.

Um dos grandes disruptores do mercado automotivo global não é uma montadora tradicional, mas sim um ecossistema orientado para o transporte de pessoas. A Didi Chuxing é uma gigante chinesa de aplicativo de transporte com 550 milhões de passageiros cadastrados, com valor de mercado na casa dos US$ 60 bilhões (em março/2021). Atraindo investidores como SoftBank, Apple e Alibaba, a empresa derrotou a Uber no mercado chinês e no Brasil comprou a 99 por quase R$ 1 bilhão em 2018. Com tal valuation, a Didi vale mais que os tradicionais grupos PSA Peugeot, Fiat Chrysler, BMW, Ford e Honda, perdendo apenas para os líderes de mercado GM e VW.

Em 2018, a empresa começou a expandir seu Ecossistema de Negócios e concebeu a Didi Auto Alliance (D-Aliance), uma iniciativa que conecta mais de 8 mil parceiros ao seu ecossistema, permitindo a criação de produtos, soluções e modelos de negócio (incluindo as gigantes do setor, como mostra a imagem abaixo).

No final de 2020, a empresa anunciou sua última grande inovação no setor. Valendo-se das competências complementares dentro do seu ecossistema, a Didi lançou o D1, um carro baseado na plataforma da BYD (maior fabricante de veículos elétricos do mundo) desenvolvido exclusivamente para o transporte de passageiros.

O carro oferece diversas funcionalidades para garantir mais segurança para motoristas e passageiros, possuindo: rastreamento e monitoramento nativo e ininterrupto do veículo; uso de câmeras e de Inteligência Artificial para reconhecimento facial e monitoramento de vídeo e voz de todas as pessoas dentro do carro; sistema de monitoramento de hábitos de direção do motorista; portas que correm lateralmente para aumentar a segurança no embarque e desembarque; sinal luminoso customizável, que é projetado no chão para que o passageiro encontre mais facilmente o carro em que deve embarcar; e automação de direção nível 2, entre muitas outras funcionalidades.

No quesito experiência do usuário, foram implementadas telas dedicadas nas quais motorista e passageiros acompanham os dados da viagem e que também são integradas com experiências de compra dos parceiros do ecossistema. A arquitetura do carro também foi repensada para oferecer um amplo espaço para pernas para todos dentro do veículo.

No aspecto eficiência, o carro tem seus sistemas integrados com o aplicativo da Didi. O veículo possui autonomia de 418 km e mais de 20 mil estações de recarga foram implementadas em todas as grandes cidades chinesas. Além disso, o acesso aos veículos foi facilitado com a integração com os parceiros de aluguel e financiamento da D-Aliance.

Orquestração de Ecossistemas

As empresas que desejam ser ou se manter protagonistas e relevantes precisarão desenvolver e aprimorar uma nova competência: a orquestração de ecossistemas.

A orquestração engloba o desenvolvimento e aprimoramento constante de uma infraestrutura que conecta as empresas, seus ativos e competências dentro do ecossistema por meio de uma plataforma digital e de amplo acesso em toda a organização. Não existe uma fórmula específica de como deve ser feita essa conexão/orquestração, mas em geral ela envolve acesso aos dados dos consumidores, canal de comunicação, processamento em nuvem, Inteligência Artificial, marketing digital, criação de conteúdo, logística, meios de pagamento, serviços financeiros, etc.

Outro ponto fundamental da orquestração é o alinhamento das partes: criação de uma visão única, objetivos convergentes, cultura de colaboração, garantir autonomia das empresas, etc.

Nossa visão é que o tema Ecossistemas de Negócios deveria estar na pauta prioritária de todos os executivos C-level como fator fundamental para garantir a perenidade dos negócios no futuro próximo, antes que a distância para quem o fez fique grande demais para ser superada.

Eduardo Yamashita é COO da Gouvêa Ecosystem.
Imagem: Arte/Mercado&Consumo

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