Tradicionalmente, o valor de uma loja em shopping center sempre foi medido pelos varejistas em função das vendas que ela conseguia produzir. Se o custo de ocupação era alto, mas as vendas eram boas, não havia problema. O importante era manter uma proporção saudável entre receitas e despesas de aluguel, condomínio e fundo de promoção.
Porém, de uns tempos para cá, as coisas começaram a mudar.
A crise econômica mais recente, aquela que começou na segunda metade de 2014, afetou o desempenho de muitos lojistas. Quando começávamos a ensaiar uma recuperação, veio a pandemia. Ao mesmo tempo, a digitalização do varejo acelerou-se, impulsionada pelas necessidades da população em quarentena, alargando a distância entre os varejistas mais preparados e aqueles pegos de calças curtas. O processo de consolidação de mercado foi outro fator que ampliou a vulnerabilidade dos pequenos empresários, fortalecendo os grandes grupos.
Uma das consequências de tudo isso é que a função da loja mudou de vez. Na omniera, o antigo ponto de venda ampliou seu papel e passou também a ser um centro de distribuição avançado, posto de aquisição de clientes e um canal de mídia e engajamento da marca. Os vendedores, munidos de celulares e tablets, alcançam seus clientes até quando eles estão em casa e não perdem vendas nem mesmo quando o produto está em falta no estoque. Isso não é exercício de futurologia: acontece todos os dias em lojas de marcas como Arezzo, Reserva, Vivara, Ponto, Magalu e Farm, entre outras.
Como você já deve ter percebido, nesse cenário não é mais possível medir o valor de uma loja unicamente pelas vendas que ela produz. É aí que entra em cena uma nova estratégia: para manter sua própria rentabilidade, os shopping centers precisarão investir em mais serviços para seus lojistas.
Você deve estar se perguntando: mas que serviços seriam esses? A resposta é fácil. Aqueles capazes de ajudar o lojista nas complexas tarefas de gerir o negócio, reduzir custos, conquistar clientes e fechar vendas. Claro que para os varejistas mais estruturados esses serviços serão diferentes daqueles necessários para apoiar o pequeno lojista. Da mesma forma, franqueados demandam um auxílio diferente do que os independentes. Estou falando de disponibilizar plataformas de venda online e de delivery, criar campanhas de ativação, oferecer orientação e informação, facilitar acesso a ferramentas de gestão e por aí vai.
Um bom exemplo é o trabalho que algumas plataformas de venda online estão realizando, com destaque para o Magazine Luiza. O programa “Parceiro Magalu”, voltado para pequenos lojistas, oferece capacitação, vitrine para divulgação do negócio e taxas mais em conta para transações online. Há ainda incentivos aos vendedores, com sorteio de prêmios, e canais de publicidade para os sellers anunciarem seus produtos. Esta semana o Magazine divulgou que vai engordar o cardápio de soluções de seus marketplaces com serviços financeiros. Isso incluirá conta digital e até maquininhas de cartão, algumas delas com recursos de apoio à gestão de estoque e controle de vendas. Mesmo os shoppings mais avançados no suporte aos seus lojistas ainda fazem bem menos do que o Magalu.
Prevalece ainda, entre muitos executivos de shoppings, a convicção de que o seu papel é proporcionar segurança, limpeza, estacionamento, banheiros limpos e ambiente agradável. Além disso, devem compor um mix harmônico de lojas e gerar fluxo para o mall. A tarefa de converter esse tráfego em vendas seria quase que exclusivamente do lojista. Por isso mesmo, a maior parte dos recursos de marketing é destinada para atrair frequentadores, por meio de eventos, e promover sorteios de prêmios, estratégia controversa para elevar vendas. Verbas para programas de apoio aos lojistas, com raras exceções, não chegam a 1% do orçamento da maioria dos fundos de promoção dos shopping centers.
Hoje parece claro que esse composto não é mais adequado. Os planos para 2022 precisarão necessariamente incluir a criação de um “tenant center”, versão shoppeira dos “seller centers” operados pelos marketplaces digitais. O objetivo principal, além de reter e desenvolver lojistas, será elevar a percepção de valor em pertencer ao ecossistema de um shopping.
Novos tempos exigem permanentes correções de rumo, para ajustar o barco na direção certa. Equilibrar investimentos para criar uma rede de apoio ao lojista é seguramente uma dessas novas e urgentes prioridades.
Luiz Alberto Marinho é sócio-diretor da Gouvêa Malls.
Imagem: Envato/Arte/Mercado&Consumo