No final das contas, na vida e nos negócios, tudo vai ficar igual. Mas a transformação do mercado e da atitude dos consumidores será permanente. A análise referente aos meses de pandemia que o mundo enfrenta é de Marcos Gouvêa de Souza, diretor-geral da Gouvêa Ecosystem, e foi feita durante a 1ª Semana Internacional de Marca Própria, promovida pela Associação Brasileira de Marcas Próprias e Terceirização (Abmapro), que termina nesta quinta-feira (19).
Para ele, o consumidor que está emergindo da pandemia é seguramente mais cauteloso, racional e pondera melhor a relação custo-benefício. Mas o consumidor brasileiro está radicalmente diferente na sua atitude e empoderado digitalmente.
“A ponderação maior do que se compra, por quanto se compra, quando e onde se compra faz com que todos estejam entrando no chamado próximo ‘futuro normal’, aquele em que se incorporam as tendências do passado e que agora quase que tomaram um anabolizante e cresceram rapidamente. Podemos dizer que, especialmente no varejo, seu poder de transformação nunca cresceu tanto e tão rápido”, comentou.
Ampliação da força do digital
O e-commerce representava entre 5% e 5,5% das vendas totais do varejo antes da pandemia. Esse percentual mais do que dobrou. Segundo Gouvêa, não dá mais para o consumidor e as empresas abrirem mão dos canais digitais.
“Esse percentual não vai regredir mais. O consumidor criou intimidade com o e-commerce por conta da pandemia. Ele já incorporou isso nas compras e pesquisas. O lado positivo é que o e-commerce amplia as perspectivas de atendimento. A gente vê fabricantes criando alternativas para chegar direto ao consumidor”, afirmou o executivo.
Ainda sobre o tema, Marcos disse que as pessoas sairão da pandemia com um protagonismo ainda maior, mas hoje quem detém a relação direta com o consumidor cresceu no mercado. “As empresas que perceberam o poder do digital trazem agora, para o jogo, os sistemas de ecossistemas de negócios que os permitem usar de uma forma absolutamente diferenciada, a informação do consumidor para oferecer mais produtos, marcas, serviços e promoções. Tudo a partir do conhecimento atualizado do consumidor”, explicou.
A relação dos consumidores com as empresas também mudou totalmente de patamar, pois as pessoas agora têm a necessidade de entender quais são os compromissos das empresas. Durante o painel, Marcos comentou que as pessoas não irão comprar produtos pelo seu valor intrínseco, mas sim pela marca que está por trás e pelo que ela representa em termos de causas e propósitos. “Quem não está preocupado, trate de ficar”, alertou.
Integração entre varejo e indústria
Marcos Gouvêa de Souza destacou que as marcas próprias vão além do setor de alimentos. Ele citou, como exemplo de reinvenção nessa área, o setor das lojas de departamento orientadas para moda, como C&A, Riachuelo, Marisa, Pernambucanas, que operam de 95 a 100% focadas em marca própria. Ou seja, o modelo de negócios se transformou totalmente.
O varejo incorporou processo de conhecimento, monitoramento, antecipação de desejos e uma relação com os fornecedores muito distinta se comparado com o passado, mas o lado positivo é que a integração entre varejo e indústria fornecedora se fez em bases diferentes, para terem o produto certo e na hora certa para atender o consumidor. “Estamos evoluindo no processo de integração e esse foi um dos pontos importantes no período da pandemia”, reconheceu o especialista.
Também participando do mesmo painel, Wilhelm Kauth, head de Private Label do DIA, disse que o varejo tem sido favorecido pela pandemia – e as marcas próprias foram ainda mais beneficiadas. Mas, para ele, se as marcas próprias só crescem diante de alguma crise, algo de errado está sendo feito. “Sobrevivência não é tamanho, mas sim velocidade e adaptação”, comentou o executivo.
Ligação emocional com a marca
Kauth destaca a importância da ligação emocional que uma marca oferta ao cliente. “Quando um varejista trata a sua marca própria como apenas mais um produto, ela não vai funcionar, uma vez que ela não nascerá com um propósito e um apelo emocional que o cliente brasileiro precisa para arriscar o pouco dinheiro que ele tem.”
O executivo ressaltou, ainda, que o consumidor buscava promoções e preços mais baixos nas marcas próprias. Hoje, o estigma de qualidade inferior desses produtos já foi superado no Brasil, mas questões econômicas ainda interferem. “Quando não se tem muito dinheiro, o brasileiro prefere não arriscar em experimentar novos produtos. Eles optam por continuar com as marcas que já estão acostumados”, afirmou.
A questão que envolve o trabalho do varejo em parceria com a indústria e fornecedores foi um dos pontos de atenção destacados por Kauth. Segundo ele, esse relacionamento precisa ser “saudável”. “O consumidor sempre busca novidades no supermercado, mas garantir essa oferta depende tanto de nós quanto dos fornecedores. O ponto crucial está diretamente ligado à aliança com a indústria, que é muito importante no processo como um todo”, alertou o executivo, que completou: “A marca própria precisa ter seus produtos expostos na gôndola, senão ela vai morrer.”
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