O setor de moda carrega grande responsabilidade por ser um dos vilões da sustentabilidade. A produção excessiva de roupas e a rápida obsolescência resultaram em um aumento significativo na quantidade de resíduos têxteis gerados globalmente. No Brasil, produzimos cerca de 170 toneladas de resíduos têxteis por ano, dos quais estima-se que 80% acabem em aterros sanitários.
Estamos vivendo o fim da era da abundância, o que nos leva a perseguir o fim do desperdício.
A indústria da moda é o segundo setor que mais consome água em sua produção, representando cerca de 10% da água industrial do planeta, o que contribui para a escassez desse recurso vital. A indústria também é responsável por uma parcela considerável das emissões de gases de efeito estufa na atmosfera, algo entre 8% e 10%, segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU). A exploração de mão de obra barata, muitas vezes em condições precárias, é outra questão preocupante associada ao setor.
Diante desse cenário, as diretrizes ESG para medir a sustentabilidade e o impacto ético de uma empresa têm se tornado cada vez mais relevantes para o mercado de moda. As urgências climáticas, pressões de mercado e cobrança por transparência por parte dos consumidores são alguns dos principais gatilhos para práticas mais éticas e sustentáveis. As empresas do setor têm buscado caminhos para evoluir.
Os pilares ESG têm implicações específicas para a indústria da moda:
Pilar ambiental: Envolve ações como priorizar fontes de energia mais limpas, o compromisso com a redução da emissão de carbono (um dos principais causadores do aquecimento global), melhor destinação de resíduos, implementação de materiais sustentáveis em seus produtos, extração consciente de matéria-prima e promoção de programas de reflorestamento.
Pilar social: Abrange, dentre outros aspectos, a escolha de pessoas diversas em cor, raça, religião, gênero e sexualidade, prezar pelo salário justo, igualitário e condizente com as horas trabalhadas.
Pilar de governança: Envolve a gestão ética e transparente da empresa, com foco na responsabilidade corporativa, no cumprimento das leis e regulamentos, e na promoção de práticas justas e éticas.
A COP 28, Conferência da ONU sobre o Clima de 2023, terminou com um acordo para a transição dos combustíveis fósseis para fontes limpas e renováveis de energia, que embora aquém do esperado pelos ativistas do setor, foi um ganho histórico. Este acordo é resultado de intensas negociações entre os 198 países da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCCC) e de intensa pressão dos ativistas e defensores do meio ambiente e dos direitos humanos, de todo o mundo.
Os temas discutidos na conferência incluíram acelerar a mudança para fontes de energia limpas, para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa antes de 2030, e mecanismos para limitar o aquecimento global a 1,5° C em relação a níveis pré-industriais.
Essas discussões e acordos têm implicações diretas para o mercado de moda, que precisa se adaptar a essas novas exigências e compromissos ambientais. Portanto, a urgência do tema ESG para o mercado de moda é evidente e inegável.
Coopetição como caminho
Com um alto número de empresas e um mercado pulverizado, a concorrência no segmento de moda é intensa. No mercado interno, o cenário atual de formação de grandes conglomerados de marcas ganha força competitiva e pressiona as marcas independentes e grupos menores.
A grande competição interna é agravada pelo aumento da demanda pelos produtos internacionais, especialmente do mercado asiático. Preços extremamente baixos e a facilidade para importar esses itens pela internet estão mudando consideravelmente a divisão de fatias do mercado.
Nesse cenário de alta complexidade e competitividade, é possível se pensar em colaboração?
A coopetição, termo que combina cooperação e competição, é um conceito emergente que está ganhando terreno em várias indústrias. No setor da moda, a coopetição pode ser vista quando marcas concorrentes colaboram em iniciativas comuns, compartilham recursos ou conhecimentos ou se unem para enfrentar desafios do setor.
Essa pode ser uma estratégia eficaz para enfrentar os desafios iminentes e urgentes de sustentabilidade, permitindo que as marcas compartilhem recursos, conhecimentos e iniciativas para que todos possam evoluir nesse aspecto. Muitas frentes dependem de investimentos em pesquisa e inovação, e a união pode representar a força.
Uma grande dor em comum para o mercado é questão de formação de mão de obra qualificada, tanto para o varejo quanto para a indústria. Um case que ilustra esse caminho é uma colaboração entre as gigantes Renner e C&A, que se uniram para apoiar o projeto Tecendo Sonhos.
A iniciativa promoveu relações dignas de trabalho na cadeia têxtil, com foco na formação a imigrantes e refugiados, promovendo relações dignas de trabalho. Em 2020, durante a pandemia, mais de 2.062 imigrantes latinos foram atendidos online pelo projeto para o fortalecimento de uma rede empreendedora. Eles receberam capacitação e mentorias nas áreas como de logística, financeiro e vendas, além de assessoria jurídica e contábil.
Outra frente a ser encarada pelas marcas é a questão do pós-consumo. Ter a preocupação não só com a origem das matérias-primas e com quem produziu as roupas, mas também com a circularidade das peças. A grande tendência do resale, ou venda de produtos de segunda mão que foi destaque na última NRF, é uma das soluções para os grandes volumes de produtos excedentes sem destino.
Os brechós nunca estiveram tão em evidência, mas fica a reflexão, principalmente para o mercado de luxo: apoiar essas iniciativas (principalmente colaborando na autenticação para revenda) é uma causa justa e necessária!
Em resumo, a coopetição na moda pode levar a uma maior inovação, sustentabilidade e resiliência do setor.
É uma mudança de atitude que pode contribuir significativamente para a sobrevivência do planeta e dos recursos naturais. Quem viver, verá.
Cecília Rapassi é sócia-diretora da Gouvêa Fashion Business.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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