Tudo levava a crer que a globalização permitiria ao varejo vender tudo para todo mundo. A Internet das Coisas parece promissora nesse quesito, uma vez que os recursos tecnológicos irão permitir a venda de qualquer objeto de desejo do consumidor conectado a um dispositivo eletrônico – o celular, o relógio ou a geladeira de sua casa.
Mas a realidade é mais complexa. Se tudo estará amplamente disponível, significa também que o consumidor terá infinitas opções e os varejistas, incontáveis concorrentes. A pergunta – ou a resposta – de milhões é: como prender a atenção do cliente?
“Hoje, a norma é o nicho”, afirmou Quentin Humphrey, head of Client Engagement da WGSN, empresa dedicada à previsão de tendências de consumo com base na análise de dados. Humphrey abriu o último dia do Digitail, um evento realizado pela Gouvêa Experience em São Paulo reunindo grandes nomes de empresas do varejo, consumo e foodservice.
Segundo o analista, 91% das pessoas com idades entre 18 e 25 anos não acreditam mais na existência de uma cultura pop. Eles ditam as novas tendências e são os grandes influenciadores. Surge uma cultura sem fronteiras, com amplo espectro de opções, que o k-pop, um fenômeno mundial, apresentando diferentes estilos audiovisuais, espelha tão bem. “Tudo isso na nossa indústria do entretenimento traz a ideia de que o nicho é a nova norma”, definiu.
Para Humphrey, as empresas terão que se preparar para entender qual estratégia irá conectar essas pessoas, reunidas em comunidades pequenas, e para isso precisarão saber como se comunicar com elas.
Comunicação hiperlocalizada
A Shopee Brasil já deu um passo nessa direção e ampliará seus investimentos no que chamou de comunicação hiperlocalizada como uma de suas principais estratégias de marketing. Rodrigo Farah, head de Marca da empresa, apresentou as ações utilizadas no País, e destacou a comunicação hiperlocalizada como uma das principais táticas de sucesso e alavancagem da plataforma de varejo online.
A Shopee foi lançada em Singapura em 2015, e em menos de uma década está presente em sete países da Ásia e na América do Sul. No Brasil, chegou setembro de 2019 e já se tornou o marketplace com o maior número de usuários ativos no Brasil. No último mês, foi o aplicativo mais baixado na categoria de compras, com 100 milhões de downloads registrados somente no Google Play. São 3 milhões de vendedores brasileiros registrados e, segundo Farah, 80% das transações são feitas entre vendedores e compradores brasileiros.
Seguir este caminho com relevância, ampliando a presença de grandes marcas – como Unilever e L’Oréal – aos pequenos vendedores, exige estratégia. O grupo decidiu investir em conteúdo direcionado exclusivamente para o brasileiro, majoritariamente jovem, antenado às tendências, frequentador de redes sociais e consumidor de vários produtos digitais, que sabe fazer conta e busca benefícios econômicos aliados a uma experiência de compra simples e intuitiva.
Para se conectar com o seu público, além de levar termos e hashtags dos próprios usuários para as suas campanhas, a Shopee percebeu que o live commerce é o principal canal de conexão com a audiência. O grande diferencial foi incrementar a plataforma com recursos para que o cliente possa pesquisar preços, fazer e concluir suas compras sem sair da live. “Chegamos a 30 milhões de visualizações nas lives dentro do nosso app”, contou Farah.
Contar com celebridades para fortalecer a marca é outra iniciativa da Shopee. Xuxa, Barões da Pisadinha, Larissa Manoela, entre outros, são nomes escolhidos para influenciar os consumidores e passar a mensagem da empresa em diferentes camadas da população.
“Um dos nossos pilares é a comunicação pensada para o brasileiro. Vamos aprofundar essa proximidade. O nosso intuito é aumentar o compromisso com vendedores e consumidores locais, aprofundar a comunicação hiperlocalizada”, conclui Rodrigo Farah.
Cultura de análise de dados
Como fazer essa conexão? Como tomar a decisão de nichar e adotar a estratégia mais adequada para cada público, para cada grupo que se deseja atingir?
Quem apontou um caminho foi Ricardo Cappra, fundador do Cappra Institute for Data Science: “Promover a cultura analítica através da análise de dados”, disse ele na palestra “Varejo generativo: a Inteligência Artificial transformando o setor”. “Se precisarmos tomar decisões, vamos ter que analisar dados.”
A revolução tecnológica, segundo Cappra, impacta não só o momento, como tudo o que vem a partir dela. Todos os processos de digitalização dos negócios, a automação das transações e o uso da Inteligência Artificial no ecossistema empresarial são realidade e estão modificando não setores, mas comportamentos, hábitos e culturas. Não há mais que se olhar para trás para definir os próximos passos, inclusive no varejo.
Por isso mesmo, ele defende a habilidade do pensamento analítico ativo, que define como uma fusão entre o pensamento computacional e o crítico para compreender o futuro. Para ele, existe uma escala de evolução na análise dos dados resultante do cruzamento entre o valor e a complexidade, que vai desde a informação até a otimização.
A depender dos modelos utilizados, as informações podem ser descritivas e mostrar o que está acontecendo com o negócio. Podem apontar um diagnóstico, revelando por que algo está acontecendo. Agora, com as AIs, podem ser preditivas, antecipando o que vai acontecer, e prescritivas, respondendo o que a liderança deve fazer.
“Se eu consigo prever ou projetar o futuro, eu consigo me movimentar lá na frente. E é exatamente assim que funciona a Inteligência Artificial, com projeção de futuro e matemáticas que ajudam a avançar”, disse.
“A partir de agora, com o poder computacional distribuído e a capacidade analítica maior, ou seja, gente lidando com mais informações, todos nós, em todos os setores, nos tornamos self-service analytics”, definiu Cappra. O que isso significa na prática? “Significa que, se a gente precisar tomar uma decisão, a gente mesmo vai precisar analisar os dados”, afirmou.
Para o especialista, o homem está saindo da condição de Homo sapiens para se tornar Homo analytics. Na visão dele, portanto, é por sobrevivência própria e do negócio que é preciso se apropriar dessa habilidade.
Isis Brum, em colaboração para Mercado&Consumo.
Imagens: André Ribeiro