Os desafios de uma gestão verdadeiramente customer centric

Os desafios de uma gestão verdadeiramente customer centric

Como bem pontuado no artigo “Customer centricity, estratégia e desafios”, o conceito de customer centricity não é atual. Peter Drucker, em 1954, já alertava para a necessidade dos negócios terem o cliente como principal determinante do que produzir e de como gerar valor no mercado.

De 1954 para os tempos atuais, muito se desenvolveu em termos de oferta, tecnologias e conhecimentos sobre gestão de negócios. Porém, os desafios da centralidade no cliente permanecem. O que chama a atenção é como a gestão contemporânea precisou, talvez, se afastar do conceito de centralidade no cliente para depois retornar a esse ponto, como real norteador das estratégias de negócios. O que explico a seguir.

A dualidade “product centricity x customer centricity

Quando contemplamos o mercado atual – com toda sua sofisticação, variedade, complexidade – por vezes, nos distraímos do fato de que este é, simplesmente, um grande fórum onde encontram-se ofertas e demandas.

As trocas fundamentam-se em um princípio econômico básico e universal: por detrás de cada troca, existem indivíduos. Por tal razão, a abordagem “human-first” não deveria nunca ter deixado de ser o foco central dos negócios.

A busca por maior eficiência na realização destas trocas, seja para ampliação de alcance e de vendas, para redução de custos ou para sofisticação da oferta, permitiu uma evolução enorme nas metodologias de gestão e nas tecnologias empregadas nas práticas de produção, comercialização e consumo de bens.

Por um momento, foi necessário apaixonar-se pelo produto, pelo processo produtivo e pelo negócio em si para permitir que tal evolução acontecesse. De 1954 para cá, podemos citar todo o avanço nos planejamentos estratégicos; balanced scorecards; nas metodologias de gestão de projetos, como o PMBOK; de gestão da produção, com seus Seis Sigma, Qualidade Total; na mentalidade lean; na gestão mercadológica do processo de segmentação; targeting e posicionamento; no desenvolvimento de modelos baseados em competências; dentre outros para gerir os recursos humanos.

O que quero dizer é que o mundo da gestão precisou tornar-se complexo para depois voltar a ser simplesmente centrado ao cliente, pois a centralidade no cliente hoje é possível devido, principalmente, ao desenvolvimento tecnológico decorrente do avanço visto no mercado.

Meios necessários para se tornar customer centric

Dois elementos me parecem fundamentais para compreender por que o mundo atual exige que os negócios se tornem customer centrics. Primeiramente, o grande impulsionador está no contexto – o tal do mundo VUCA (volátil, incerto, complexo e ambíguo), que evolui para o conceito de mundo BANI (frágil, ansioso, não linear e incompreensível). E as tecnologias presentes no paradigma tecnológico atual da 4ª Revolução Industrial.

Não é raro ouvirmos falar que o mundo mudou. Com o impulsionamento da inovação e das metodologias ágeis, não só o mundo mudou como muda muito rápido. Existe um movimento de interrelação e retroalimentação entre o que os indivíduos demandam, quando assumem o papel de clientes, e os esforços constantes da oferta para superar as expectativas deste cliente.

Devemos lembrar que o cliente atual não está, mas é naturalmente conectado, posicionado e se relaciona full time com o mercado. Ele quer saber se sua marca favorita corresponde bem ao que valoriza para além da utilidade do bem que consome, tem voz, atitude e consome uma quantidade enorme de informações a todo o tempo.

Esse comportamento do cliente e da concorrência faz com que as principais vantagens competitivas das empresas atuais se relacionem com a sua capacidade de captar os movimentos do mercado, compreendê-los e reagir a estes movimentos, ou seja, ser resiliente – ou até antifrágil – e gerir seus próprios processos de aprendizado.

Uma empresa competitiva nos dias de hoje é aquela que aprende e responde rapidamente aos desafios impostos, atuando de forma proativa e até desenvolvendo capacidade para antecipar estes desafios.

No passado, quando as tecnologias de informação e comunicação ainda estavam em estágio incipiente de desenvolvimento, existia um custo enorme para se captar bons dados e obter informações. Assim, as empresas simplificavam os processos de tomada de decisão utilizando métricas mais generalistas, focando em segmentos amplos de clientes e buscando posicionamentos amplos. É neste ponto que as tecnologias atuais mudam drasticamente o cenário competitivo.

O núcleo duro das tecnologias da 4ª Revolução Industrial é a capacidade enorme de gerar feedback. Devido ao amplo sensoriamento, tudo se comunica o tempo todo, gerando e recebendo informações. Assim, a tal capacidade de adaptar-se ganha um grande aliado, com informações robustas e constantes.

As tecnologias atuais se complementam gerando um intenso processo de aprendizado, dos sensores para a internet das coisas, trazendo inputs que compõem o big data e permitem aprendizado de máquina, inteligência artificial e até a criação de um universo paralelo, o metaverso.

Neste sentido, temos o porquê – um mundo complexo, onde a mudança ocorre com uma velocidade impressionante e onde o consumidor mostra-se cada vez mais exigente e posicionado – e o meio – por meio da utilização das tecnologias paradigmáticas que permitem responder de forma ágil, inclusive proativa, aos desafios, impulsionando os processos de aprendizado – para que os negócios iniciem sua jornada “customer centric”.

Porém, quais outros desafios impedem que as empresas tornem-se mais maduras neste aspecto?

A jornada customer centric

Para finalizar este artigo, gostaria de abordar três tópicos recorrentes nos debates de customer centricity, salientá-los como grandes desafios e trazer alguns insights sobre como os gestores contemporâneos podem responder a estes desafios:

Customer centricity no DNA das organizações:

Ouve-se muito falar que uma organização não se torna customer centric. Ela nasce customer centric. Devo discordar deste ponto, pois existe sim muitos caminhos para a customer centricity. É verdade que uma mudança radical na cultura organizacional é necessária, mas é, principalmente, para a sustentabilidade de qualquer organização.

Os porquês e os meios da customer centricity abordados acima mostram que não existe mais dicotomia product centricity x customer centricity, mas que a centralidade no cliente significa pôr em prática a abordagem humans first e que o produto compõe a entrega de valor das organizações ao seu cliente, mas não é toda ela. É possível ser product e customer centric ao mesmo tempo, quando se compreende que sempre há indivíduos por detrás de qualquer troca.

Como o consumidor atual percebe a customer centricity:

Estudos apontam que nem todo consumidor valoriza ações típicas customer centrics e que, para muitos, as vantagens econômicas – preços baixos – ainda superam outros benefícios vinculados a facilidades e relacionamento.

Entregar preços competitivos a um consumidor que valoriza preços competitivos também é ser customer centric de alguma forma. A competição via preços é tão antiga quanto a própria economia, porém, aos poucos, práticas consideradas diferenciadas tornam-se o novo normal na gestão.

O que ocorre quando seus concorrentes conseguem praticar preços similares e também permitem que a jornada do cliente seja percorrida de uma forma mais fácil e satisfatória? Lembrando que é um caminho sem volta a sofisticação da demanda, dadas as características observadas no novo consumidor.

A dicotomia preços ou vantagens econômicas x customer centricity é análoga à dicotomia product centricity x customer centricity e hoje há meios disponíveis para que não haja contradição entre zelar pelo valor e pela experiência do cliente ao mesmo tempo.

A gestão customer centric:

Quando tratamos que ser customer centric significa ser human first, queremos dizer qualquer human first, não apenas o cliente, pois um DNA organizacional customer centric, exige pessoas engajadas em um propósito.

Neste sentido, as organizações customer centric buscam funcionários engajados, valorizam o fit cultural em torno de valores e propósito e disponibilizam meios para ampliar a motivação e criar um ambiente de trabalho que permita o desenvolvimento e a satisfação pessoal.

Quando tratamos do fato que os processos de aprendizado são uma vantagem competitiva contemporânea, estamos necessariamente falando de pessoas que estão dispostas a aprender. Assim, as organizações devem fornecer os meios para esses processos, considerando que um funcionário que se desenvolve significa uma organização que se torna mais apta a responder a desafios.

[i] A Gouvêa Consulting tem como cultura e principal direcionador desenvolver seus projetos a partir do conceito “human first”.

Carolina Cândido é consultora na Gouvêa Consulting.

 

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