Blitzscaling: a estratégia de crescimento da Temu

A velocidade de transformação que o mercado asiático impõe ao mundo impressiona. Neste artigo, discutiremos os caminhos pelos quais a novata Temu, que acaba de chegar ao Brasil, desafia gigantes como Alibaba e JD, assim como os líderes ocidentais Walmart e Amazon.

Sobre a Temu e sua empresa-mãe, Pinduoduo

A empresa-mãe da Temu é a Pinduoduo, uma companhia de capital aberto na Nasdaq, com um valor de mercado de USD 200 bilhões, em 20 de junho, abriu seu capital em julho de 2018 e rapidamente se destacou no cenário global.

Mesmo sendo uma empresa de capital aberto, há pouca informação disponível sobre suas operações internas.  Em 2021, a Pinduoduo parou de divulgar seu número de GMV (Gross Merchandise Volume, ou o volume de vendas do seu marketplace), alegando que o dado era irrelevante para os investidores.

A empresa é reconhecida pelos analistas de Wall Street como uma das mais fechadas do mercado, pois há pouca informação sobre o modelo de negócio, cultura, modus operandi e até mesmo a localização de seus escritórios no mundo não é clara.

Em sua fundação, a Pinduoduo (PDD) se posicionou no mercado chinês como uma espécie de loja online de 1,99 (dólar store), oferecendo produtos de baixo valor agregado, baratos e sem marca. Essa estratégia de vendas atraiu uma grande base de consumidores em busca de produtos acessíveis.

Com a criação da Temu, a Pinduoduo iniciou sua primeira grande iniciativa para entrar em mercados fora da China, similar ao que o Alibaba fez com a Aliexpress. Atualmente, a Temu está presente em 50 países, sendo que um dos mais recentes é o Brasil.

Diferentemente do Alibaba e da JD, a Temu não possui uma rede logística própria. Em vez disso, ela conta com a ampla infraestrutura de parceiros e serviços na China para operar. Isso permite focar em seu modelo de negócios, sem os altos custos de manutenção de uma rede logística própria. Além disso, a empresa investe significativamente em tecnologia para otimizar suas operações para acelerar sua logística e reduzir prazos de entrega.

Não podemos deixar de mencionar que a Temu esteve envolvida em diversas polêmicas nos últimos anos, relacionadas a condições de trabalho e ao seu modelo de negócios.

Blitzscaling

Blitzscaling é um modelo de gestão cunhado pelo Reid Hoffman, cofundador do LinkedIn, e explorado em seu livro de mesmo nome. Em linhas gerais, é a estratégia adotada por muitos gigantes chineses (e alguns ocidentais), visando um crescimento acelerado e exponencial para conquistar um mercado, em uma velocidade de expansão que não permite reação da concorrência. Via de regra, isso é feito por meio de enorme investimento e queima de caixa nesse período.

A Temu adota essa estratégia, focando no crescimento exponencial dos usuários, em baixas taxas para os sellers, preços agressivos aos consumidores e altíssimos investimentos em marketing social.

Essa estratégia permitiu a Temu crescer rapidamente, aumentando seu valuation e tornando-se a empresa de e-commerce mais valiosa da China, superando a gigante Alibaba. Nos Estados Unidos, enquanto a Amazon se destaca por tempo de entrega e conveniência, a Temu se sobressai por preços competitivos e marketing social agressivo.

Seguindo a cartilha do blizscalling, a queima de caixa para conquistar os mercados internacionais está sendo alta, em 2023 a Temu perdeu USD 7 por pedido realizado nos EUA. Para sustentar essa queima de caixa para a entrada em novos mercados, a empresa utiliza recursos captados de investidores e do resultado obtido em mercados onde a empresa opera há mais tempo, como o chinês.

Na entrada em novos países, a Temu é conhecida por investir mais em marketing e aquisição de clientes do que fatura. Alguns analistas de Wall Street que acompanham a ação da PDD comparam a estratégia da Temu à da Shein no mundo da moda, expandida para um marketplace global em múltiplas categorias.

Foco no crescimento exponencial e na aquisição de clientes

O objetivo principal da Temu ao entrar em novos mercados é conquistar o máximo de clientes possível, investindo pesadamente em campanhas de marketing social. Em 2023, estima-se que a PDD gastou USD 2 bilhões em propoganda apenas na Meta (Instagram + Facebook).

A estratégia de marketing social da Temu inclui o uso intensivo de influenciadores e a criação de conteúdo interativo e envolvente. Isso não só aumenta a visibilidade da marca, como cria uma comunidade de usuários engajados que participam ativamente das promoções e campanhas da empresa.

Outra estratégia é apostar no modelo member get member, em que os usuários podem desbloquear ofertas ou ser remunerados ao trazer novos clientes, impulsionando não apenas a aquisição de consumidores, mas incentivando a lealdade e o engajamento contínuo dos já existentes. Mesmo com um investimento tão alto, o custo de aquisição de clientes da Temu é menor, se comparado aos custos dos seus competidores diretos. Estimativas indicam que a empresa estaria próxima do número de usuários da Amazon nos EUA.

A Temu também utiliza técnicas de gamificação para tornar a experiência de compra mais envolvente. Por exemplo, a roleta de descontos permite aos usuários ganhar prêmios e descontos adicionais, incentivando mais compras. O cashback também é uma ferramenta poderosa para fidelizar clientes, oferecendo recompensas tangíveis por suas compras. No Brasil, a empresa adotou a estratégia de oferecer produtos de graça e frete grátis na primeira compra dos usuários, conforme a foto abaixo:

A combinação de marketing social e gamificação cria um ciclo de engajamento, que é difícil de ser replicado pelos concorrentes. A Temu não apenas atrai novos usuários, mas mantém os existentes envolvidos e leais, o que é crucial para sustentar o crescimento a longo prazo. Essa abordagem gamificada incentiva os consumidores a voltarem à plataforma repetidamente, aumentando a retenção de clientes e o valor do tempo de vida do cliente (LTV).

Outro pilar de crescimento é no investimento em preços extremamente agressivos, tão eloquentes que muitos consumidores se perguntam se é golpe ou não, nos levando para o modelo de atuação C2M, que contribui em boa parte para tal posicionamento de preço.

C2M (Customer to Manufacturer)

O modelo C2M (Customer to Manufacturer) conecta consumidores diretamente aos fabricantes. No caso da Temu, isso é feito em escala global e em praticamente todas as categorias de consumo, atuando até em alimentos no mercado chinês.

A PDD e Temu compram diretamente da indústria em volumes globais, eliminando intermediários e, assim, oferecendo preços significativamente mais baixos. Na China, a empresa adota também o modelo de compras coletivas, garantindo a demanda e fazendo um “bid” aos fornecedores de quem fornece pelo menor preço. Esse modelo ainda não foi implementado fora da China, mas a empresa está claramente construindo as bases para que isso aconteça.

O C2M permite à Temu adaptar rapidamente seu inventário às preferências dos consumidores, algo que é especialmente importante em mercados internacionais onde os gostos e preferências podem variar significativamente. Esse modelo também possibilita uma maior inovação e introdução rápida de novos produtos.

Potenciais impactos para o consumo e o varejo no Brasil

A entrada da Temu no Brasil deve esquentar ainda mais o concorrido mercado de consumo e varejo digital, replicando sua estratégia de preços subsidiados e uma nova abordagem de marketing, que pode redefinir a forma como os consumidores compram online.

Isso pode redefinir as estratégias dos varejistas presentes no mercado para competir com os preços baixos e o marketing inovador da empresa. De partida, podemos esperar uma relevante inflação dos custos de mídia e de aquisição de clientes.

Acreditamos que esse movimento de globalização e aumento da competição das plataformas digitais globais pelo atrativo mercado brasileiro será exponencializada nos próximos 3 a 5 anos. O Brasil se consolida agora como um dos pouquíssimos países com a presença de todos os grandes players globais: Alibaba, Shopee, Temu, Shein, TikTok Shop, Kwai, Amazon e Meli.

Dessa forma, antevemos que o mercado brasileiro será um dos mais competitivos do mundo, impondo uma aceleração da transformação ainda maior e uma necessidade imediata de adaptação por parte dos players locais.

Eduardo Yamashita é COO da Gouvêa Ecosystem.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
Imagens: Divulgação 

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